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CAPÍTULO 6 – O CLUBE DO LIVRO IDENTIDADE

6.5. Fase E, as sessões literárias

6.5.1. Orgulho e preconceito, Jane Austen

Tendo como pano de fundo a Inglaterra do final do século XVIII (Inglaterra Rural),

época, em que se buscava a ascensão social através de um vantajoso casamento, o que era quase impossível a uma jovem sem um dote promissor, como a protagonista Elizabeth Bennet, que ainda tem outras quatro irmãs, a quem nenhuma será destinada a herança da família por ser costume da época a herança se destinar para o parente masculino mais próximo, no caso, seu primo mr. Collins, a quem Elizabeth rejeita um pedido de casamento por não se sentir apaixonada.

A trama gira em torno das desventuras (muitas vezes impostas pelas normas sociais) no relacionamento amoroso entre a socialmente simplória Elizabeth Bennet, e sua irmã mais velha, Jane Bennet, com o rico aristocrático Fitzwilliam Darcy e seu amigo, o também aristocrático Charles Bingley, respectivamente.

Participaram deste encontro três integrantes do Clube (Sueli, Bárbara e Fabiana8), a

psicóloga do campus Brasília e o facilitador/autor da pesquisa, compondo assim um grupo de cinco pessoas.

Iniciou-se a sessão com a indagação geral sobre o que todos acharam da obra, cuja resposta fora positiva, no sentido de que, por um lado, gostaram do contato com uma obra cuja linguagem consideraram rebuscada e com a qual não estavam acostumadas e, por outro lado, pela história em si, atemporal, com diferentes costumes e enredo envolvente.

Quando questionada sobre alguma identificação pessoal com a obra, Sueli disse que se identificou bastante com mr. Darcy, trazendo algumas passagens iniciais em que mr. Darcy é considerado orgulhoso e desagradável pelo seu jeito recluso e tímido, interagindo com outras pessoas somente o estritamente necessário nos bailes. Sueli contou de situações em que também outras pessoas não gostaram dela à primeira vista – “eu te achava chata, Sueli,

quando te conheci” – por causa de seu jeito tímido, “na sua, de boa”, mas que quando a

conheceram melhor passaram a gostar mais dela, como Elizabeth em relação a Darcy.

Bárbara destacou a seguinte passagem da obra sobre Charlotte Lucas, vizinha e amiga da família Bennet: “são poucos os que têm o coração bastante firme para amar sem receber

alguma coisa em troca (...) a felicidade no casamento é apenas uma questão de sorte”. O que

lhe chamou a atenção foi a exigência social do casamento para as mulheres, isto é, o fato de

ter que se casar para ter certo status na sociedade. Seguiu-se a esse pensamento opiniões de todo o grupo – o que mais ocupou as discussões da reunião – sobre a necessidade de se casar e como está o casamento nos dias atuais.

A psicóloga do campus colocou em questão que, mesmo nos dias atuais, há uma pressão muito maior para uma mulher se casar do que um homem, não tendo problema em este estar solteiro. Sueli citou uma amiga que, apesar já ter 30 anos de idade, não quer se casar agora, preferindo investir nos estudos. Por essa escolha, ela é constantemente questionada sobre quando vai se casar. Bárbara emitiu sua impressão sobre o casamento de Charlotte, sem amor e sim por conveniência, concordando com essa postura, pois “infelizmente, às vezes, as

coisas acontecem assim (...) você pode, às vezes, não amar uma pessoa (...) não ter aquele amor avassalador, mas ao longo do tempo você pode aprender a gostar de uma pessoa”. Seguiu-se a emissão de opiniões numa certa forma “des-romantizada” do casamento, como o “casamento é uma troca de favores”, que “ainda hoje você se casa com alguém que lhe dá

certo status”, “você não pode dar tempo de conhecer uma pessoa, vai que você conhece e não gosta” (risos) e “difícil achar alguém que esteja disposto a se sacrificar pelo outro sem nenhum interesse, pelo menos pela reciprocidade”.

Fizemos um exercício de reflexão em relação ao casamento de Charlotte e Collins, se, 20 anos depois, estariam felizes nesse relacionamento. A opinião geral foi que sim, pois ambos cumpriam certas expectativas do outro e tinham muito respeito entre si. Voltamos a uma reflexão da contemporaneidade e discutimos que o casamento de somente sorrisos, “pássaros em volta de nossas cabeças” e muita libido sexual não há, pois existem também os muitos momentos de dificuldade.

Bárbara trouxe outra questão, sem uma página definida, a respeito do justificado orgulho de mr. Darcy que alguns personagens tinham em mente. Embora não fosse o objetivo da reunião, fizemos certa contextualização histórica e política em relação à nobreza numa sociedade aristocrática, com forte resistência à mistura de classes sociais e uma burguesia ainda em vias de ascensão.

Aproximando-nos do final da reunião, colocamos em discussão uma identificação pessoal de minha parte em relação à lady Catherine de Bourgh, tia de mr. Darcy, que estava a todo momento dizendo aos outros o que fazer, como fazer e quando fazer – como o papel de uma dama da sociedade, a mulher ter lições frequentes de piano, seu sobrinho se casar com

sua filha, como Collins deve dispor dos móveis em sua própria residência e etc. – e assim, citei alguns exemplos pessoais de como, muitas vezes, “tento impor a minha ética como a

ética do outro”, dizendo aos outros o que devem fazer e que seria um interessante trabalho de

aperfeiçoamento pessoal se eu trabalhasse mais em mim essa questão.

Fabiana pouco participou do encontro com suas desleituras, pois ainda estava no início do livro.

Encerramos a reunião com cada um dos participantes escrevendo sua versão de sentido, inclusive o facilitador do grupo. Prestes a fecharmos a sala, uma das participantes ausentes (Raquel) apareceu se desculpando pela perda da reunião e pediu para escrever sua própria versão de sentido (apesar de não ter participado da reunião) acerca de sua experiência ao ler a obra em questão.

Saindo do envolvimento existencial, partindo para o distanciamento reflexivo na redução fenomenológica desta sessão literária e buscando captar algumas unidades de significados, percebemos que – a partir da temática que mais ocupou esta sessão, isto é, a demanda da sociedade por um vantajoso casamento (em termos financeiros e de status social) – a pressão da sociedade com seus “deverias” (shouldism) exerce uma grande influência sobre a subjetividade da pessoa, sendo um tópico relevante para a nossa investigação fenomenológica no próximo item.