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Etapa III – Analisar as implicações da atual fase

3. CAPÍTULO I – O PROCESSO DE MORFOGÊNESE DOS AGROECOSSISTEMAS

3.3. O SISTEMA AGRÁRIO DA BORRACHA E LENHA (1840-1965)

3.3.1. Origem, aspectos sociais e fundiários do sistema agrário da borracha e lenha

O repovoamento da Ilha do Capim ocorreu a partir de 1840 quando iniciou localmente o processo de comercialização do látex da seringueira (Hevea brasiliensis). A varíola já não representava ameaça e os sete irmãos de Armínio Azevedo retornaram à Ilha Capintuba32.

Durante a maior parte deste período, todos os filhos de Antônio e Antonia Azevedo,

31 Os filhos se dispersaram e foram morar para lugares diferentes como Belém e Rio de Janeiro.

32 A Ilha do Capim era conhecida até a década de 1950 como Ilha Capintuba. A partir desta década o sufixo tuba

permaneceram residindo na Ilha explorando comercialmente os recursos naturais como seringa, lenha e sementes oleaginosas e incorporaram, de várias formas, outros habitantes.

No início do sistema agrário da borracha, a população constituía-se da primeira geração (filhos) e da segunda geração (netos) da família Azevedo e de outras famílias que se estabeleceram por consentimento de Armínio Azevedo antes do retorno de seus irmãos. A partir deste momento a população sofreu acréscimo com a entrada de famílias de outras localidades para trabalhar nos seringais dos descendentes dos colonos. Com isso, voltaram para a ilha as famílias descendentes dos escravos que viviam no rio Assacu e se instalaram no Rio Caratateua e no setor do Caiana. Vieram também descendentes de índios que moravam em ilhas próximas.

Os descendentes dos colonos mantinham fortes laços comerciais e de parentesco com a população da Ilha de Marajó (LEITÃO, 1997), principalmente do município de Ponta de Pedras, de onde também trouxeram pessoas para morar na localidade. A população da ilha sofreu diversificação passando a incorporar descendentes de colonos escravistas, de escravos africanos e de indígenas. Os entrevistados não conseguiram identificar a quantidade de famílias que viveram na ilha durante esse período. Isso se deve à falta de levantamentos populacionais naquela época e também a uma dinâmica de entrada e saída permanente de famílias. Os camponeses, porém, sempre identificam grupos familiares como os Azevedo, os Assunção, os Neves, os Lobato, os Pereira, os Costa, os Soares, os Monteiro, os Rodrigues, entre outros.

As famílias que vieram do Marajó instalaram-se na ilha pelos laços familiares estabelecidos com os seringalistas, mas também pela situação de extrema pobreza a qual estavam submetidos. Diante disso, a proximidade da Ilha do Capim em relação aos centros urbanos (Abaetetuba e Barcarena), assim como a possibilidade da exploração da borracha motivou a migração na tentativa de melhoria de suas condições de vida. Os camponeses descendentes dos escravos africanos e de indígenas estabeleceram, por sua vez, laços familiares com famílias de outras localidades. Em toda a história de interação entre estes grupos na Ilha do Capim, Leitão (1997) verificou poucos laços familiares entre os camponeses descendentes dos colonos com os camponeses descendentes de escravos e indígenas.

No período da borracha, havia duas categorias sociais: os seringalistas e os seringueiros. Os seringalistas eram as famílias que possuíam descendência direta dos colonizadores portugueses que povoaram a ilha e tinham o controle sobre as terras. Os

seringueiros eram as famílias descendentes de indígenas e de escravos africanos que vieram trabalhar nas estradas de seringa. Aqui verifica-se novamente a formação de uma figuração social constituída por estabelecidos (establishment) e forasteiros (outsiders).

Os seringueiros vindos de outras ilhas eram o que Costa (2012) inicialmente denominou de “camponeses caboclos” (p. 131). Este autor verificou a existência deste grupo social ao demonstrar que no período colonial havia uma produção agrícola que não era originada dos diretórios, nem dos aldeamentos, tampouco dos colonos escravistas. Este grupo tinha a característica de “lidar sem dificuldades com o meio ambiente e, por outra parte, só com muita dificuldade poderiam viver sem mercadorias europeias” (COSTA, 2012 p. 133). Desta forma, este grupo social possuía o conhecimento do território e incorporaram os hábitos de consumo dos colonos, prescindindo, portanto, dos bens da sociedade envolvente.

A interação destes camponeses caboclos com os descendentes dos colonos da Ilha do Capim provocou sua subjugação a estes últimos, porém provocou também a recampenização de uma parcela dos colonos. Os descendentes dos colonos que não se recampenizaram migraram para Belém33 e outras cidades próximas no final do período da borracha e da lenha.

Portanto, o campesinato agroextrativista, definido atualmente por Costa (2016) como Trajetória Tecnológica T2 – que converge para sistemas agroflorestais, tal como conhecemos

hoje na Ilha do Capim, resultou de camponeses caboclos vindos de outras áreas e de descendentes de colonos que sofreram recampenização ao longo do período da borracha e lenha.

No sistema agrário da borracha existiram quatro formas de acesso fundiário. O principal dentre elas foi a herança. Os herdeiros dividiram as terras entre si através de um inventário motivado pela segunda geração da família Azevedo (os netos). Neste inventário a ilha foi dividida em oito quinhões (CARTÓRIO FERREIRA, 1999), ficando uma área central, na zona da terra firme, sem um dono específico denominada de monte34. Os quinhões eram

separados inicialmente por marcas como árvores e estacas e posteriormente por cercas. Os descendentes dos colonos ocuparam o território de forma dispersa ao longo de toda a margem da ilha para permitir a exploração mais efetiva dos recursos naturais.

A segunda forma de acesso às terras foi por meio da compra entre os próprios herdeiros dos colonos. No Cartório do 1º Ofício de Notas de Abaetetuba as terras da Ilha

33 As famílias que foram para Belém passaram a morar no local que, atualmente, é o bairro do Tenoné, onde as

gerações seguintes se fixaram até hoje.

34 Embora tenha recebido o nome de monte esta área era, e ainda é, de relevo plano. A área recebeu este nome

foram registradas em nome de dois membros da família Azevedo, Raimundo Azevedo e Laurival Azevedo, compreendendo toda a superfície da Ilha (LEITÃO, 1997). Isso ocorreu devido estes dois irmãos terem comprado as terras dos demais que foram morar para a zona urbana.

A terceira forma de acesso às terras foi por meio de concessões de áreas que os seringalistas fizeram para famílias de outras localidades. Isso foi identificado por Leitão (1996 p. 158, destaque da autora) ao afirmar que “todos os demais moradores foram pedindo para morar”. Além desta, ocorreu uma quarta forma de acesso a terra, por meio de casamentos com pessoas de outras localidades. Após o casamento havia casos em que o conjugue que vinha de outro local trazia também sua família para morar em áreas próximas a sua residência.

Mesmo as famílias com proximidade de parentesco com os seringalistas que vieram de outros lugares precisavam solicitar permissão para acessar determinados recursos e precisavam alugar outros. Os depoimentos a seguir de um familiar dos seringalistas são ilustrativos:

Quando a gente queria tirar uma madeira a gente ia com o velho Armínio e ele dizia: “olha! Vai ver isso com o Laurival e o Mundico. O que eles disserem tá dito”. Então eram eles [Raimundo Azevedo e Laurival Azevedo] que diziam se podia e se não podia tirar a caça, a madeira (Agroextrativista, 80 anos, 2017).

Eles alugavam as estradas pra gente trabalhar. Isso dava uma boa renda. Aí a gente trabalhava três meses em cada uma estrada pra não cansar muito (Agroextrativista, 80 anos, 2017).

Durante todo o período da borracha os seringalistas conseguiram manter, em diferentes graus, o controle da propriedade da terra.