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Etapa III – Analisar as implicações da atual fase

5. CAPÍTULO III – AS IMPLICAÇÕES DA CRISE DO MANEJO TRADICIONAL NAS OPERAÇÕES TÉCNICO-ECONÔMICAS DO

5.3. TIPO III – CAMPONESES QUE REALIZAM OPERAÇÕES TÉCNICO ECONÔMICAS COM ALTA RELACIONALIDADE

A família entrevistada do tipo III mora no igarapé Defuntinho, que fica em um setor da ilha chamado de vila. Esta família é descendente de camponeses advindos da ilha do Marajó no final do período da borracha. É composta pelo pai, a mãe, um filho, uma filha e um neto, totalizando cinco pessoas. Todas as pessoas da família vivem na mesma casa.

Esta família implantava a estratégia de imersão mais ampliada possível de suas operações técnico-econômicas na paisagem em função da reduzida disponibilidade de sua área de várzea. Estas operações eram realizadas na maioria dos espaços de uso comum que compõe a dotação territorial do agroecossistema. O pai da família sempre foi considerado um dos caçadores mais experientes e ativos da comunidade. Além

crise do manejo tradicional afetou de forma mais intensa os camponeses do tipo III, grupo no qual esta família está inserida.

Estes camponeses possuem uma área de várzea de 20 metros de frente por 20 metros de fundo, totalizando 400m², onde está instalada sua residência. Esta área está sofrendo forte erosão e a família já planeja se mudar para outro local fora do alcance da ação erosiva. Nesta área realizam extrativismo vegetal (açaí, buçu) e animal (mucura), cria animais (galinha e pato) e possui cultivo (jambo e manga). A principal atividade é a pesca (extrativismo animal) realizado na beira da ilha, no furo do Capim, na baía do Marajó e na baía do Capim.

Durante o ano de 2017 foram capturados 60 kg de peixe (pescada e sarda) do furo do capim, 30 kg de peixe (pescada, sarda e mandií) da baía do capim, 415 kg de peixe (pescada e filhote) da baía do Marajó e 50 kg de camarão do igarapé Defuntinho. Na várzea, foram criados seis patos e duas galinhas. O cultivo constitui-se de uma árvore de jambo que produziu 10 kg de fruto e uma mangueira que produziu 875 frutos. No extrativismo vegetal realizado na várzea foram extraídos 35 latas de açaí e um cacho de buçu de uma palheira. A família possui três pés de miritizeiro que produziram em média 840 kg de fruto que não foram colhidos. Na área de várzea foi capturado também uma (01) mucura. O gráfico 11 mostra os resultados da produção na composição do produto bruto e as diferentes finalidades (estoque, trocas e doações, autoconsumo e venda) que receberam.

Fonte: Organizado pelo autor com base em pesquisa de campo (2017).

O fluxo de produtos não mercantilizados é superior ao de produtos mobilizados para os circuitos mercantis. A produção para o autoconsumo é uma estratégia central para esta família. Na relação com as famílias próximas, principalmente os parentes, ocorrem relações de reciprocidade importantes na economia. Eles possuem recursos como o miriti, a manga e o jambo que não tem mercado, por isso, permanecem como estoque vivo. Finalmente, a renda monetária é acessada através da venda do peixe e do açaí.

A base de recursos da família é constituída principalmente por recursos de uso comum do território, visto que o valor agregado produzido no processo de trabalho está assentado principalmente sobre esta categoria de recursos (Gráfico 12). O tamanho da área de várzea disponível não permite a ampliação de cultivos. Nesta área é também realizada a criação de animais para o consumo. Estas criações são realizadas com muita dificuldade pela falta de alimentação na área de várzea da família. A necessidade de compra de alimentos na cidade aumenta os custos e impede a ampliação das criações. A produção de ação no quintal da casa ajuda na renda através de seu uso na alimentação e

da sua venda. R$ - R$ 1,000.00 R$ 2,000.00 R$ 3,000.00 R$ 4,000.00 R$ 5,000.00 R$ 6,000.00

Fonte: Organizado pelo autor com base em pesquisa de campo (2017).

As famílias do tipo III foram as que mais sentiram os efeitos da crise do manejo tradicional. Na família camponesa entrevistada, isso se verifica pela (i) redução do direito de retirada da floresta de terra firme, (ii) redução do direito de entrada no furo do capim (iii) redução dos estoques de recursos e, consequentemente, (iv) a redução do valor agregado.

Esta família utilizava os recursos da reserva ecológica como lenha, sementes, frutos e caça, além da criação de suínos. Entre estas, a caça e a criação de suínos eram as principais atividades econômicas realizadas na floresta de terra firme. Com a criação do assentamento no ano de 2005, a criação de suínos foi impedida de forma comum na floresta. A família não possuía condições de criar estes animais em regime de confinamento e assim esta atividade acabou. No ano de 2012, com a criação da reserva ecológica, foi impedida também a atividade de caça. O uso da reserva ecológica é realizado de forma indireta pelo consumo de mucuras da terra firme que descem para a várzea. Por isso, a família deixou de realizar todas as atividades que fazia diretamente neste espaço de uso com medo de sofrer sanções da associação e perder as políticas públicas de reforma agrária acessada por esta através do INCRA. Essa situação implicou na redução da base de recursos que era mobilizada pela família nos anos anteriores. Os recursos extraídos da reserva (sementes, lenha, frutos e caça) e a criação (suínos) eram incorporados no consumo doméstico e, portanto, entrava nos fluxos econômico-ecológicos como não mercadorias.

-R$ 500.00 R$ - R$ 500.00 R$ 1,000.00 R$ 1,500.00 R$ 2,000.00 R$ 2,500.00 R$ 3,000.00 R$ 3,500.00 R$ 4,000.00

retirada no furo do capim. Nas palavras do agroextrativista:

Eu saio daqui de casa quase todo dia e vou pro furo. Tem muita vez que eu chego lá e a balsa não deixa pescar. O problema tá na visão do pesqueiro, porque pra mim ver meu pesqueiro eu preciso olhar o marque na mata aqui da beira da ilha, do Xingu, do marajó e lá do guajará. Se eu errar um metro do pesqueiro eu não pego nada. A balsa não deixa eu ver o marque na beira. Aí eu volto muitas vezes pra casa abanando, sem pegar nada, porque eu nem consigo achar o meu pesqueiro (Agroextrativista, Setor Vila, 2017).

Durante todo o ano de 2017 foram capturados apenas 60 kg de peixe (pescada e sarda) do furo do Capim. Isso decorre do código das águas que permite a livre navegação e ancoragem destas balsas onde ficam localizados os pesqueiros dos camponeses. O acesso à base de recursos dos camponeses no furo do Capim sofreu limitações em função destas restrições impostas ao direito de retirada.

A família realiza também atividade de captura na baía do Capim, na baía do Marajó e no igarapé Defuntinho. Nestes espaços, ocorreu a redução dos estoques de peixes. No igarapé Defuntinho não há mais peixe, a família utiliza apenas o camarão que é capturado em pequenas quantidades (50 kg/ano). Neste espaço de uso, a regulação do acesso não ocorreu no tempo suficiente para impedir a sobre-exploração dos recursos. Na baía do Capim, a redução dos cardumes também ocorreu, visto que em 2017 a família capturou apenas 30 kg de peixe (pescada, sarda e mandií). A Baía do Marajó é o espaço de uso de onde é mobilizado mais pescado (415 kg de pescada e filhote/ano), mas, segundo os camponeses, não tem mais fartura como antes. A dificuldade de regulação do uso destas áreas, combinado com a crescente abertura operativa dos agroecossistemas, provocaram esta situação.

A família camponesa criou um conjunto de estratégias de internalização das operações técnico-econômicas para lidar com esta crise. As estratégias foram: redução no uso de combustíveis através da minimização da navegação com o rabudo (embarcação movida a gasolina); a pesca passou a ser realizada novamente com o uso do casco propulsionado a remo; o amarrio da isca (puqueca) utilizada no matapí passou a ser feito com fibra extraída de folhas de miritizeiro de modo a não comprar fios sintéticos na cidade; a isca do anzol de linha de mão passou a ser obtida através da captura de camarão no igarapé Defuntinho, para não comprar iscas; são utilizados apenas cinco matapís, por ser uma quantidade possível de conseguir insumo para a puqueca no próprio local e evitar a compra de babaçu e farelo na cidade. O espinhel é iscado com pedaços de peixe capturados pelo próprio camponês também para evitar a

sua clausura operativa.

Com estas estratégias, a família vive com mobilização mínima de recursos dos mercados (R$ 156,00/ano). As relações de reciprocidade com familiares próximos são fundamentais, as doações são frequentes (R$ 255,00/ano) e a entrada de recursos também (R$ 1.750,00). O volume de recursos consumidos (R$ 2.160,00/ano) supera o fluxo de recursos vendidos (R$ 1.385,00). Desta forma, o total de recursos reproduzidos (R$ 5.070,00) representa a parte mais importante da economia desta família. Um aspecto que traz conseqüências negativas na economia é o fato da família não possuir acesso a nenhum benefício governamental (seguro defeso, bolsa família, aposentadoria, etc.). A figura 14 mostra um diagrama síntese que revela os resultados obtidos pelo conjunto dos fluxos econômico-ecológicos.

Processo de Trabalho (Conversão de Recursos em Produtos) Circuitos mercantilizados Circuitos não-mercantilizados Recursos Produtivos Mercantis Produtos Vendidos Rentabilidade Monetária Índice de Mercantilização Recursos Regenerados Produtos Consumidos (autoconsumo) Total Recursos Reproduzidos

Produtos Doados (Saída reciprocidade) Recursos Recebidos

(Entrada reciprocidade) Comunidade

Recursos Regenerados Recursos Reproduzidos (insumos) R$ 255.00 R$ 905.00 R$ 156.00 R$ 1.385.00 R$ 2.160.00 R$ 5.070.00 7.88 0.06 R$ 1.750.00

Figura 14 - Diagrama síntese dos fluxos econômico-ecológicos.

Fonte: Organizado pelo autor com base em pesquisa de campo (2017) de acordo com Ploeg (2005) apud Petersen et al., (2017).

As estratégias utilizadas por essa família provocaram uma significativa internalização das operações, já que o índice de mercantilização (0.15) é baixo. Todo esse esforço de manutenção da família para basear sua economia nos seus próprios recursos e nas relações com outras famílias próximas contribuiu para o enfrentamento da crise do manejo tradicional. Porém, a situação de pobreza afeta esta família de forma significativa. A crise do manejo tradicional influenciou nesta situação de pobreza ao reduzir o direito de retirada, de entrada e de exclusão de outros usuários, assim como na

famílias do tipo III, passam frequentemente pelo que eles chamam de penúria.