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Origem e circuito do tráfico de droga

2. AS NOVAS AMEAÇAS À SEGURANÇA INTERNA ASSOCIADAS AO COT

2.2. Tráfico de droga em Moçambique: origem, circuito e impacto

2.2.1. Origem e circuito do tráfico de droga

Não existe país no mundo que se considere livre da problemática da droga. Desde os mais desenvolvidos aos do terceiro mundo, são todos afectados pelas consequências deste fenómeno nefasto, não apenas pelo aumento da criminalidade urbana ou violência, mas também pelos seus efeitos sobre a saúde e destruição do tecido social. Destaca- se, por outro lado, a prática de actos de corrupção por parte dos funcionários e agentes da administração pública, como consequência do enfraquecimento das estruturas políticas, económicas, sociais e culturais.

Em Moçambique, tal como os outros países da região da SADC e do continente africano, algumas pessoas cultivam ilegalmente a cannabis

sativa, mas não em quantidades suficientes para a produção do seu

derivado (haxixe). Mesmo assim, a procura da cannabis sativa tem sido enorme em todas as sociedades, tanto que é considerada droga de iniciação para os consumidores, para além do custo que facilita a aquisição mesmo das classes sociais de baixa renda.

A figura 1 abaixo apresenta a planta da cannabis sativa, bem como o produto que é procurado para o consumo. Enquanto a figura 2 é referente ao derivado da cannabis sativa, o haxixe.

Figura 1: Planta da Cannabis sativa e respectivo produto consumido

Fonte: ACIPOL, “Apontamentos da Técnica Policial” ministrados aos

Figura 2: Haxixe (derivado da cannabis sativa)

Fonte: ACIPOL, “Apontamentos da Técnica Policial” ministrados aos

estudantes do curso de oficial da PRM, Maputo, ACIPOL, 2011.

Fora da cannabis sativa produzida ilegalmente nalgumas zonas do país e em quantidades não industriais a droga que circula no país tem sua proveniência fora das fronteiras estatais, através das redes de narcotráfico. Nos últimos anos há tendência para se abandonar o tráfico de haxixe, que requer grandes quantidades para se obter maiores rendimentos. Daí que a cocaína, produzida a partir da planta da coca, seja considerada a droga que mais circula no mundo e cujos rendimentos são muito maiores, mesmo em quantidades muito pequenas, devido à maior procura e à facilidade de transporte174, Moçambique é considerado país de destino e de trânsito. No conjunto das regiões do mundo que se dedicam à produção de grandes quantidades da coca e respectiva transformação é a região de Andina (América Latina), destacando-se o Peru e a Bolívia, que são os maiores produtores do mundo. Já a Colômbia é considerada líder na produção da cocaína, portanto, a transformação da coca proveniente desses dois países, para depois

174 A cocaína pode-se facilmente transportar de forma disfarçada, por avião, barco,

comboio, viaturas, mas também nas malas e bagagens de pessoas que viajam, havendo também aquela que é transportada no estômago.

abastecer os mercados narcotráficos ocidentais e outros locais através de circuitos que envolvem várias redes. A figura 3 apresenta a planta da coca, bem como a cocaína, que é o produto muito procurado e traficado pelas redes do COT que se dedicam a essa modalidade.175

Figura 3: Planta da coca e a cocaína que é produzida a partir da coca

Fonte: ACIPOL, “Apontamentos da Técnica Policial”, ministrados aos

estudantes do curso de oficial da PRM, Maputo, ACIPOL, 2011.

Importa referir que o processo de tráfico é bastante complexo e as redes usam circuitos que consideram favoráveis. Por exemplo a cocaína com destino aos EUA, pode partir da Colômbia e passar por países africanos, asiáticos e europeus. Por ser um negócio que rende muito dinheiro.

Um dado importante é que “65% da economia boliviana pertencem ao sector informal”, ligada à produção e comercialização ilegal da planta da coca, com lucros que só beneficiam uma parte bastante insignificante

175 Carlos Costa e José Leal, “Criminalidade Associada à Droga”. Evolução

Comparativa 1996-1999 e 2000-2003, Lisboa, Direcção Central de Investigação do Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária, 2014, pp. 45-46.

de pessoas, geralmente as que pertencem o poder político e algumas figuras de renome no país e associada às redes do narcotráfico.176

No seu artigo intitulado “Drogas, conflito e EUA. A Colômbia no início do século”, Valencia refere que até 2000 “o cultivo da coca, o processamento e o tráfico do produto final (a cocaína) eram consideradas actividades predominantes e rentáveis no mundo das drogas ilegais” e o cultivo dessa coca ocupava uma área de cerca de 163 mil hectares. Tanto que as remessas da droga para os EUA, Europa, Ásia e outros locais no mundo chegaram a rondar as “700 toneladas anuais”, sendo 60% desse negócio no mundo controlado pela Colômbia.177

O autor refere-se ainda ao cultivo da coca na região Andina entre 1996 e 2003, tentando evidenciar a importância que a produção, o processamento e o tráfico da cocaína teve durante esse período nos três países. Conforme a tabela 6 abaixo, no período em referência 1.577.600 hectares de terra foram usados para o plantio da coca para a produção da cocaína.178

Tabela 6: Cultivo da coca na região Andina (América Latina) entre 1996-2003

Ano País/Hectares de plantio de coca Total de

hectares

Bolívia Peru Colômbia

1996 48,100 94,400 67,200 209,700 1997 45,800 68,800 79,400 194,000 1998 38,000 51,000 101,800 190,800 1999 21,800 38,700 160,100 220,600 2000 14,600 43,400 163,300 221,300 2001 19,900 46,200 144,800 210,900 176 Idem.

177 León Valencia, “Drogas, Conflito e os EUA. A Colômbia no início do século”.

Estudos Avançados da Revista Diplomacia, Estratégia e Política, volume 19, nº 55, (Setembro/Dezembro), São Paulo, Cidade Universitária, 2005. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex&pid=S0103-40142005000300010.

2002 24,400 46,700 102,100 173,200

2003 26,600 44,200 86,300 154,100

Total 239,200 433,400 905,000 1.577,600

Fonte: León Valencia, op. cit.

Na análise que faz sobre o COT, muito particularmente sobre o tráfico de droga no seu artigo sobre “Criminalidade Global e Insegurança Local, o caso de Moçambique”, apresentado no Colóquio Internacional, sobre Justiça no Século XXI, realizado em Coimbra, nos dias 29 e 30 de Maio de 2003, Paulino179 diz que “todos os países qualquer seja o nível de desenvolvimento socio-económico, atingidos ou a respectiva localização geográfica, sofrem hoje os efeitos da globalização criminal”.180

A realidade moçambicana não difere do que é comum no continente e na região da SADC, pois, há estudos que apontam o país como uma das principais rotas de tráfico de droga. A sua extensão, principalmente a extensão das suas fronteiras terrestres, a extensão da costa, associadas às fragilidades das FDS em consequência da insuficiente capacidade para garantir a segurança nas fronteiras estatais e noutros locais vitais, também associado à susceptibilidade dos agentes e funcionários do Estado à actos de corrupção, a apetência pelo país é maior, tanto como destino final ou ponto de trânsito da droga.181

Segundo o autor, existem duas grandes redes transnacionais de tráfico de droga que vêm operando em Moçambique há já bastante tempo.182 Sendo:

 A primeira grande rede, a que envolve elementos da

179 Augusto Raul Paulino, antigo Procurador-Geral da República de Moçambique. 180 Augusto Raul Paulino, “Criminalidade Global e Insegurança Local, o caso de

Moçambique”, Colóquio Internacional sobre Direito e Justiça no Século XXI, (29 à 30 de Maio), Coimbra, Centro de Estudos Judiciários, 2003, p. 1.

181 Idem, p. 7. 182 Ibidem.

Colômbia, do Chile, da Espanha e de outros países da Europa, que se dedicam essencialmente ao tráfico de cocaína, usando Moçambique como corredor ou área de trânsito;

 A segunda grande rede, é a que integra, sobretudo, os cidadãos paquistaneses e os cidadãos moçambicanos de origem paquistanesa, que se dedicam, principalmente, ao tráfico de haxixe e mandrax e, em alguns casos, também ao tráfico de heroína, que é transportada do Paquistão para o Dubai, passando pela Tanzânia e Moçambique, com destino à Europa.

Na análise que fazem sobre o tráfico da cocaína em Moçambique como destino final ou via de trânsito para alcançar outros países Gastrow e Mosse fazem menção ao seguinte:

“The cocaine traffickers appear to have been singularly successful. It is estimated that during 2001 more than one tonne of cocaine and heroin passed through Mozambique.This illicit trade is not targeted at the Mozambique market but is mainly aimed at rerouting the cocaine to markets in developed countries. While some consumption does take place in Mozambique, the country is too poor to provide a profitable consumer market for cocaine. However, Mozambique does offer a relatively low-risk transit area for the onward distribution of the cocaine to other parts of the world (…)”.183

Como foi referido atras, no que respeita à problemática de tráfico de droga no país, seja como destino ou como país de trânsito, existem grandes evidências dos casos conhecidos. À semelhança de tantas

outras modalidades do COT, bem como outros crimes, temos consciência que há muitos outros casos que ocorrem fora do alcance das autoridades.184 A tabela 7 que se segue apresenta alguns casos de tráfico de droga, parte deles com intervenção das autoridades.

Tabela 7: Casos conhecidos de tráfico de droga em Moçambique entre 1995 e 2011

Período Local Relato(s)

1995

Cidade de Maputo

Apreensão pela Polícia de 40 toneladas de haxixe, transportadas em dois camiões, disfarçadas de caixas e embalagens de pasta dentífrica, sabonetes, rebuçados, bolachas, entre outros. Detidos os motoristas dos camiões. Os proprietários nunca foram identificados.

Bairro Trevo, Cidade da Matola, Província de

Maputo

Numa quinta de criação de frangos, propriedade de cidadãos de origem paquistanesa, foi descoberto um laboratório de produção de mandrax. Os autores nunca foram localizados, pois, devido à fuga de informação, os mesmos abandonaram o país. A Polícia fez apreensão de 12 toneladas de haxixe. Detido um empresário em conexão com o caso.

184 Lainie Reisman e Aly Lalá, “Avaliação do crime de violência em Moçambique &

recomendações para a redução da violência”, Open Society Initiative for Southern

1997

Distrito de Quissanga, Província de Cabo

Delgado

O mesmo empresário,

anteriormente, teria sido acusado e detido por tráfico de haxixe, disfarçado de pacotes de chá, para os Estados Unidos da América e Europa, a partir do Porto de Nacala (província de Nampula).

2000 Província de Inhambane

Um barco com 16 toneladas de haxixe encalhou na costa da província de Inhambane; detidos e

condenados os autores.

Posteriormente, houve também condenação de alguns oficiais da Polícia em serviço naquela província, em conexão com o desaparecimento de grandes quantidades da droga do armazém onde estava guardada, aguardando- se decisão do tribunal para a sua incineração.

2010 Estados Unidos da América

O Presidente norte-americano

declarou um empresário

moçambicano como sendo barão de droga. Até essa altura era considerado o homem mais rico do país.

2011

Cidade de Xai-xai, Província de Gaza

Foram encontradas três toneladas de haxixe enterradas na praia de Chongoene. Nunca se chegou a

conhecer os autores.

Distrito de Angoche, Província de Nampula

Duas toneladas de haxixe enterradas na praia de Angoche, descobertas pela Polícia.

2011 Paraguai

A Polícia do Paraguai fez apreensão de 875 quilogramas de cocaína disfarçada de sacos de arroz, com destino a Moçambique, como país de trânsito. A droga seguiria para a Europa, onde deveria render cerca de 131 milhões de dólares americanos.

2011

Porto Elisabeth (África do Sul)

As autoridades sul-africanas intersectaram 166 quilogramas de cocaína no porto Elisabeth, a caminho de Maputo.

Cidade de Maputo

A Polícia da República de

Moçambique apreendeu no

Aeroporto Internacional de Maputo 41 quilogramas de efedrina e 12 remessas (equivalente a 65

quilogramas) de cocaína

provenientes da Índia.

Fonte: Reisman e Lalá, op. cit., p. 27

Tendo em atenção aos dados acima apresentados, percebe-se que o tráfico de droga, tal como as outras modalidades do COT que sustentam em grande medida o branqueamento de capitais em Moçambique, é facilitado, essencialmente, pelo acesso que essas redes

criminosas têm à vasta extensão costeira, da foz do Rio Rovuma no norte à Ponta D´Ouro no sul. Embora não existam registos, tendo em conta as quantidades de determinada droga, há evidências que parte considerável dela é introduzida no país pelo mar.185 As pequenas embarcações de recreio ou de pesca, incluindo as de pesca artesanal ou familiar, são utilizadas para o “transbordo” de droga no alto mar em quantidades reduzidas, “para iludir as autoridades”, sendo isso frequente, se tivermos em conta as quantidades de droga encontradas ou na costa ou nas cidades costeiras do país.186

Foram elucidados na tabela 7 acima casos de droga (haxixe) encontrada ou na costa ou numa cidade costeira. Só para recordar:

 Em 1995, na cidade costeira de Maputo, foram apreendidas pela Polícia quarenta toneladas de haxixe;

 Em 1997, no distrito costeiro de Quissanga (Cabo Delgado), foram aprendidas doze toneladas de haxixe;

 Em 2000, na zona costeira da província de Inhambane, foram aprendidas pela Polícia dezasseis toneladas de haxixe;

 Em 2011, na praia de Chongoene, zona costeira da província de Gaza, foram apreendidas pela Polícia três toneladas de haxixe enterradas;

 Em 2011, na praia do distrito costeiro de Angoche (província de Nampula), foram apreendidas pela Polícia duas toneladas de haxixe enterradas.

Do mesmo modo, “são também, utilizados circuitos comerciais marítimos, sendo a droga misturada com cargas legítimas”,

185 Cadernos Navais, “Simpósio das Marinhas dos Países de Língua Portuguesa”,

realizado em Lisboa nos dias 2 e 3 de Julho, Lisboa, Grupo de Estudo e Reflexão Estratégica e Comissão Cultural de Marinha, p. 61.

186 A.A.V.V., “A ameaça do Crime Organizado Transnacional em Portugal”, in Revista

de Ciências Militares, Vol. II, nº 1, Trimestral, Lisboa, Instituto de Estudos Superiores Militares, 2014, p. 19.

nomeadamente, disfarçada de produtos que Moçambique importa mais (arroz, farinha de trigo, café, pasta dentífrica, sabonete, entre outros) e depois, para os países de destino, o processo é idêntico, a droga é disfarçada de produtos mais exportados (cajú, chá, soja, amendoim, entre outros) e posteriormente é “recuperada através de um complexo circuito de empresas do COT criadas para tal”, com representação nos países de trânsito e de destino.187 Neste caso, Moçambique, tendo em conta a sua posição geoestratégica, é considerado um dos países usados como corredor e como local de armazenamento da droga que depois é enviada aos países de destino, geralmente EUA e Europa, onde a procura é bastante significativa, acompanhada de poder de aquisição, pois a cocaína é uma das drogas cuja aquisição envolve muito dinheiro.

No seu artigo intitulado “Cooperação Internacional para o Combate às Drogas Ilícitas em Moçambique”, Buvana e Ventura referem, que as fragilidades no controlo das fronteiras em consequência da fraca actuação das FSS da região em geral e, do país em particular, são consideradas como factor condicionante para que as redes criminosas se acomodem e desenvolvam as suas actividades sem sobressaltos.188

Dados tornados público a 10 de Abril de 2018 pela Porta-voz do Conselho de Ministros de Moçambique dão indicação que em 2017 foram apreendidas 7,6 milhões de quilogramas de cannabis sativa (73% desta proveniente da província central da Zambézia) e 21 mil quilogramas de cocaína apreendidas nos aeroportos internacionais. Sendo no Aeroporto Internacional de Mavalane (Maputo) onde foi apreendida a maior parte.

187 Idem.

188 Flávia Buvana e Carla Aparecida Arena Ventura, “Cooperação Internacional para o

Combate às Drogas Ilícitas em Moçambique”, Revista Latino-Americana de Enfermagem, 19 Spe, nº 762-70, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2011, p. 763.

Em conexão com o tráfico e consumo houve detenção de 570 indivíduos.189