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2. Pensamento lean e simulação

2.1. Pensamento lean

2.1.1. Origem e definição

No início do século XX, Henri Ford apresentou ao mundo o paradigma de produção em massa para a produção de automóveis, tendo alterado os paradigmas de produção artesanal para a produção em massa (Pinto, 2008). Na era de produção em massa eram produzidos automóveis em larga escala a um preço competitivo (Melton, 2005) à custa de equipamentos dispendiosos e altamente especializados (Womack et al., 1990) e de designs de componentes estandardizados, comprometendo, contudo, a sua flexibilidade (Bowen e Youngdahl, 1998). Na indústria automóvel era produzido um modelo de cada vez, em grandes quantidades, pois o tempo associado à reconfiguração dos equipamentos (tempo de

setup) para a produção de um modelo diferente implicava a paragem do sistema produtivo, o que

resultava num enorme prejuízo para a marca (Wilson, 2010).

Para minimizar os tempos de setup e, consequentemente, o custo do produto, o paradigma de produção em massa baseava-se numa filosofia de produção push ou Make-to-Stock: as organizações produziam para stock, “empurrando” o produto ao longo do processo produtivo, de forma a ocupar ao máximo o espaço dedicado à armazenagem (Melton, 2005), sendo o Marketing responsável pelo escoamento dos produtos (Anvari et al., 2011).

Com o passar do tempo, o mercado tornou-se mais exigente ao requerer entregas rápidas, maior personalização, melhor qualidade dos produtos e serviços, a preços mais baixos (Pinto, 2008). Assim, a vantagem competitiva de uma organização passou a basear-se na rápida tomada de decisões, na inovação e na flexibilidade dos processos, em vez de economias de escala e acumulação de grandes volumes de stock (Handel, 2013).

Com o fim da segunda guerra mundial, a Toyota Motor Company (TMC) passou a dedicar-se à produção em larga escala de automóveis com variedades de modelos para satisfazer os vários segmentos do mercado (Womack et al., 1990). Taiichi Ohno, engenheiro chefe da produção da TMC, ao analisar o paradigma de produção em massa na cultura ocidental, identificou duas grandes falhas (Holweg, 2007):

1. Produção de componentes em grandes lotes resultava em grandes volumes de stocks que, por sua vez, implicavam um grande investimento de capital, uma ocupação excessiva do espaço de armazenagem e um número elevado de defeitos;

2. Incapacidade em acomodar nos seus produtos as preferências dos clientes, dada a baixa flexibilidade dos processos.

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Em 1946, a TMC é obrigada a dispensar dois terços dos seus trabalhadores, o que gerou descontentamento no seio da comunidade de trabalhadores. O presidente da marca, Kiichiro Toyoda, demite-se do seu cargo e são asseguradas duas condições aos trabalhadores: trabalho vitalício e aumento salarial. Ao garantir trabalho vitalício, a TMC exigia aos seus trabalhadores que participassem ativamente na promoção dos interesses da marca sugerindo oportunidades de melhoria, a fim de ganharem vantagem competitiva no mercado automóvel. Como recompensa, uma componente salarial dos trabalhadores refletia os lucros obtidos pela marca, sendo o salário também aumentado ao longo dos anos de serviço. A TMC entendeu que os seus trabalhadores eram uma mais valia para a marca e não mais um recurso a ser explorado, como no paradigma da produção em massa (Womack et al., 1990).

As alterações das condições de trabalho levaram à descentralização das organizações, com hierarquias mais achatadas, com menor controlo da gestão, mas com maior participação dos trabalhadores na tomada de decisão, no controlo da qualidade e na resolução de problemas, o que permitiu ao trabalhador usar e desenvolver os seus conhecimentos e experiências. Assim, os trabalhadores sentiram-se mais realizados com o seu trabalho, potenciando o aumento do seu desempenho e concomitantemente o da organização (Handel, 2013).

Como resultado surge o Toyota Production System (TPS) que segundo Ohno, citado por Wilson (2010) é um sistema de produção que visa a redução do custo global através da eliminação de desperdícios, tendo como base os controlos da quantidade e da qualidade. Este sistema baseia-se na ambição de produzir num fluxo contínuo através do reconhecimento de que apenas uma pequena fração do tempo e esforço total para o processamento de um produto acrescenta valor para o cliente, bem como na identificação e consequente redução ou eliminação de desperdícios (Melton, 2005), aumentando, simultaneamente, a segurança e a moral dos seus trabalhadores (Ghinato, 2006). Por desperdício (muda é o termo japonês) entende-se tudo o que acrescenta custo ou tempo sem acrescentar valor ao produto ou serviço (Machado, 2007).

Através da redução de desperdícios, uma organização é capaz de encurtar o lead time do processo (tempo total que o cliente deve aguardar para receber o produto após o pedido (Womack e Jones, 2003)), ganhando uma maior capacidade de resposta a alterações exigidas pelos clientes e maior flexibilidade no processamento do produto, quer em termos de quantidade, quer em termos de variedade. Com lead time mais curtos, a organização não só melhora a qualidade na resposta às alterações do cliente, como potencia a durabilidade das relações da organização com os seus clientes e intervenientes na cadeia de abastecimento (Wilson, 2010).

As ideias subjacentes ao TPS deram lugar a uma nova filosofia organizacional, o pensamento lean (PL). O termo lean (magro) resulta da vantagem em produzir segundo esta filosofia (quando comparada com o paradigma da produção em massa) já que possibilita uma forma de produzir mais (valor para o cliente) com menos (recursos): menos esforço humano, menos equipamentos, com redução de tempo,

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Portanto, o PL pode ser definido como uma forma de gerir compreendendo um conjunto abrangente de ferramentas que, quando combinadas, permitirão à organização reduzir ou até eliminar os vários desperdícios, conduzindo a uma maior flexibilidade e capacidade de resposta ao mercado (Wilson, 2010). Esta filosofia responde às aspirações da sociedade na procura de produtos e serviços personalizados, bem feitos, entregues rapidamente no prazo pretendido e no local solicitado, por um preço aceitável (Machado, 2007), devendo ser adotada por todos os intervenientes na organização, ou seja, desde os aspetos industriais (desenvolvimento do produto, produção, gestão dos recursos) até toda a cadeia de abastecimento (do fornecedor à entrega do produto ao cliente final) (Anvari et al., 2011).

O PL evoluiu do nível operacional (âmbito da produção), onde se concentrava na redução dos desperdícios e custos de produção, para o nível estratégico, por meio de uma abordagem que visa constantemente aumentar o valor para o cliente, através da criação de novas caraterísticas nos produtos ou serviços e da remoção de desperdícios ao longo de toda a cadeia de abastecimento. O resultado é a melhoria do desempenho da organização, bem como do serviço ao cliente (Hines et al., 2004).

Em suma, o PL é uma forma melhor de produzir produtos ou serviços com maior diversidade, a custos mais baixos, cujos princípios podem ser aplicados quer em ambiente industrial, quer em ambiente de serviços. Uma organização que visione incorporar técnicas inovadoras nos seus processos, poderá aplicar os princípios do PL como forma de ganhar vantagem competitiva. Esta filosofia proporciona aos trabalhadores de qualquer nível da organização (desde a fábrica à administração) desafios mais interessantes que vão de encontro à sua realização pessoal (Womack et al., 1990).