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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.5 Origem e tecnologia do piracui

Segundo MORONI (2005) sob o ponto de vista histórico e tecnológico o piracui que é um derivado de pescado, de origem indígena, onde PIRÁ = peixe e CUI = farinha, é uma farinha de peixe para consumo humano, de ótimo sabor, e grande durabilidade. Sua produção é artesanal e muito comum ao longo dos rios e lagos da região, como uma forma de suprir a falta de pescado em determinadas épocas do ano.

Indígenas e ribeirinhos da Amazônia produzem uma série de produtos alimentícios, dentre eles o piracui, largamente utilizado pelos cablocos e populações locais. Esse produto é embalado e transportado em sacos de estopa ou paneiros (cestos confeccionados de palha) e

vendido a granel nos mercados e feiras dos estados do Amazonas, Pará e outros estados do Norte brasileiro.

CERDEIRA et al. (1997) informou que um dos modos de consumo de pescado entre as famílias do Lago Grande de Monte Alegre-Pa é a farinha de peixe, conhecida como piracui, que geralmente é elaborada a partir da carne do acari-bodó.

A espécie tradicionalmente utilizada como matéria-prima desse produto, informa HONDA (1972), é o acari-bodó, peixe de forte carapaça, tipo cascudo, que é bastante apreciado para preparar caldeirada, possui carne magra e apesar de abundante no médio Amazonas, ocasionalmente aparece no mercado para comercialização.

A produção artesanal do piracui consta da lavagem do peixe, que é eviscerado e assado sobre estacas, com fogo distante a cerca de 1 m, o suficiente para permitir que a água da carne evapore lentamente, protegida pela carapaça. Depois de assado, sua carne é removida, é adicionado a ela NaCl e, em seguida, completada a secagem em tacho semelhante aos utilizados para secagem de farinha de mandioca (SILVA, 1991).

O teor protéico do CPP tradicional varia de 65 a 80% enquanto que o do piracui (CPP amazônico) varia de 75,85 a 79,9% e uma notável vantagem do piracui é não se utilizar solventes para extração de gordura além de apresentar textura algodonosa ao contrário do CPP tradicional, cuja textura se assemelha ao pó de giz que por não ser originado na cultura do povo tem sido rejeitado pelas populações nas quais foi aplicado (PEIXOTO CASTRO, 2003).

Segundo o autor as características do piracui de acari-bodó são: odor leve e suave de peixe, cor pardo-amarelada, sabor agradável de peixe, textura algodonosa ao tato e agradável ao paladar, similares ao produto oferecido nas feiras. Ao passo que as do piracui de aruanã são: odor

leve e suave de peixe, cor amarelo-clara, textura granulosa ao tato e semelhante à farinha de mandioca, revelando-se sensorialmente agradável para o consumidor não familiarizado com o produto.

STEFANINI (1995) relatou que o piracui, conhecido como farinha ou farofa de peixe, é, na realidade, um concentrado protéico de peixe que apresenta variação na sua composição dependente da matéria-prima, do método e da extensão da secagem. Em geral, o teor médio de proteína do piracui está ao redor de 70% e o teor de sal pode atingir 6%, com sabor agradável, discreto odor de peixe e sem cheiro de ranço.

CASTELO & BÁRBARA (1983), produziram piracui em laboratório com várias espécies de peixes, entre eles o surubim cachara - Pseudoplatystoma fasciatum, jaraqui -

Semaprochilodus insignis, piranha - Serrasalmus nattereri, cuiú-cuiú - Oxydoras niger, traíra - Hoplias malabaricus e acari-bodó - Liposarcus pardalis. Os valores de umidade variaram de 3,6

a 14,3%; os de proteína entre 46,8 e 71%; o menor teor de gordura foi o do piracui de acari-bodó: 3,10% , alcançando até 44,25% com o piracui de piranha.

SILVA (1991) verificou junto a produtores ribeirinhos do Baixo Amazonas a composição do piracui de acari-bodó pré-assado e pré-cozido, obtendo rendimentos iguais a 5,8 e 6,52% respectivamente, em relação à matéria-prima fresca. Os valores de proteína de 69,56 a 70,65%, da umidade entre 9,15 e 11,03% e os de lipídeos foram 7,86% para o pré-assado e 6,78% para o pré-cozido.

RIBEIRO (1997) ao analisar piracui de acari-bodó oriundos de Santarém, Monte Alegre e Belém, coletados diretamente no comércio, constatou alta média de umidade (18,79%) atribuindo à mesma uma provável secagem incompleta e à ação da umidade sobre o produto, exposto em sacos de estopa, sem qualquer proteção, nas feiras livres daquelas localidades.

PEIXOTO CASTRO (2003) determinou os rendimentos dos piracuis pré-assado e pré-cozido processados em laboratório, a partir de acari-bodó: 5,68 e 8,7% respectivamente, e de aruanã: 13,15 e 13,25% respectivamente, ambos em relação à matéria-prima fresca. Observou o quanto o teor lipídico limita a seleção da matéria-prima e que, mesmo sem conhecimento desses aspectos técnicos os indígenas selecionaram o acari-bodó e como substituto o aruanã, diversificando a produção do piracui. E que teores baixos de lipídeos associados ao emprego de embalagens que sirvam de barreira para a umidade, luminosidade e oxigênio, são fundamentais para a manutenção da estabilidade do produto final.

Na tabela 6 abaixo são apresentados valores dos componentes centesimais de piracui pré-cozido e pré-assado, obtidos a partir das espécies acari-bodó e aruanã:

Tabela 6 - Composição centesimal do piracui obtido a partir de acari-bodó e aruanã.

Produto\Componente Umidade Proteína Gordura Cinza Nifext Kcal

Piracui acari-bodó assado 7,33±0,87 76,40±0,37 4,77±0,05 9,43±0,01 2,08 356,85

Piracui acari-bodó cozido 11,81±0,03 75,58±0,37 4,76±0,06 6,50±0,11 1,45 350,56

Piracui de aruanã assado 4,91±0,05 79,9±0,58 6,36±0,12 7,37±0,32 1,39 368,32

Piracui de aruanã cozido 7,98±0,01 78,13±0,04 5,79±0,57 6,86±0,14 0,36 367,30

FONTE: PEIXOTO CASTRO, 1999.

A autora destaca pequena variação do teor de lipídeos entre os piracuis de acari bodó pré-assado e pré-cozido reforçando a necessidade da busca por mais espécies e processamentos que apresentem no piracui sempre a menor concentração lipídica, visando maior estabilidade do produto final. Afinal, espécies com teores de lipídeos menores que 1,0% classificam-se como magras, o que é benéfico, pois, resultam em produtos finais também magros, com leve odor, sabor agradável de pescado e alta estabilidade.

Este detalhe já havia sido observado por CASTELO & BÁRBARA (1983), quando destacaram a relevante diferença entre 44,2% de lipídeos em piracui de piranha contra 3,1% em

acari-bodó; e também por SILVA (1996) ao ressaltar os 7,86% de lipídeos do piracui de acari- bodó assado contra 6,78% do cozido. Justificando que as diferenças entre os teores lipídicos de piracui pré-assado e pré-cozido se devem à dissolução da gordura na água durante o cozimento.

Ao avaliar a estabilidade do piracui das espécies estudadas, estocado em ambiente arejado com temperatura de 28 ± 2 ºC, por um período de 120 dias, PEIXOTO CATSRO (2003) determinou valores de atividade de água (aw) abaixo do limiar de crescimento de microorganismos patogênicos. Além de valores de TBA abaixo do risco de oxidação, de coliformes totais inexpressivos, de coliformes fecais ausentes, de halófilas insignificantes e de bolores e leveduras inferiores a 5 X 102.

A autora encontrou valores de aminoácidos (aa) totais e essenciais no piracui, superiores aos recomendados pela FAO para suprir as necessidades diárias de adultos. A aceitação do produto misturado à farinha de mandioca na proporção de 1:1 foi de 97,4% por crianças em idade pré-escolar e 81% por militares do Exército brasileiro. Constatou também que a embalagem utilizada (sacos de filme de alumínio plastificado, selado, acondicionado em caixas de papelão) foi eficiente contra a absorção de umidade e como barreira contra oxigênio e luz, garantindo sua conservação.

2.5.1 - Processamento do Piracui

Segundo PEIXOTO CASTRO (2003) durante o pré-processamento o pescado é decapitado, eviscerado e lavado em água corrente e enviado para o cozedor, um recipiente metálico contendo água em ebulição onde o pescado a ser cozido é mergulhado. Depois de cozido e temperatura estabilizada o pescado é deslocado para o processamento que inclui:

recuperação e desfiamento do músculo, inspeção com retirada de espinhas, restos de placas, peles e carcaças do músculo pelo processo de catação, pesagem do músculo e adição de 2% de sal.

Em seguida, segundo o autor, a massa muscular é desidratada em tacho (forno de farinha) sob constante movimentação para não queimar, depositada em bandejas plásticas protegidas e estocada em prateleiras por um período mínimo de 12 horas para estabilização de temperatura e umidade e, finalmente, é embalada e armazenada sob temperatura ambiente até sua distribuição e venda.

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