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ORIGENS DOS CANTOS PARÓDICOS

No documento Epopeia e Paródia na Literatura Grega Antiga (páginas 119-157)

Género Herói-Cómico

2. ORIGENS DOS CANTOS PARÓDICOS

Vários foram os estudiosos que teorizaram sobre a produção dos cantos paródicos, procurando explicar, no âmbito da poesia épica oral, a origem do género como produto que emerge e vive à margem da tradição heróica. Uma das fontes mais antigas de que há notícia, que situa o nascimento da poesia paródica no contexto performativo e musical das competições entre os poetas épicos gregos, remonta ao século xvi. Trata-se de um passo, muitas vezes citado, da obra do humanista italiano Escalígero 27, intitulada Poetices Libri Septem, que transcrevo abaixo.

Quemadmodum Satyra ex Tragœdia, Mimus e Comœdia, sic Parodia de Rhapsodia nata est, Quum enim Rhapsodi intermitterent recitationem lusus gratia prodibant qui ad animi remissionem omnia illa priora inuerterent. Hos iccirco παρωδοὺς nominarunt: quia præter rem seriam propositam alia ridicula subinferrent. Est igitur Parodia Rhapsodia inuersa mutatis uocibus ad ridicula sensum retrahens. 28

Segundo a hipótese avançada por Escalígero, a paródia, nascida da rapsó- dia (Parodia de Rhapsodia nata est), desenvolveu-se mediante transformações verbais que subvertiam para distracção dos ouvintes a matéria pouco antes divulgada, como uma rapsódia invertida (Est igitur Parodia Rhapsodia inuersa). Embora sucinta, a explicação contém elementos relevantes para a compreensão do contexto cultural de que este género terá emergido: os parodistas entreti- nham a audiência com cantos lúdicos, de temática mais ligeira, nos intervalos das actuações dos rapsodos. As narrativas épicas orais eram extensas por natureza, o que impunha a necessidade de algumas interrupções pontuais no decorrer dos festivais e dos concursos públicos em que eram apresentadas, para que os ouvin- tes pudessem descansar do ambiente de tensão e de gravidade constantes, pró- prio destas produções de longa duração. Nesses momentos de pausa, de modo a proporcionarem períodos de descontracção, os parodistas repetiam os versos anteriormente declamados em estilo solene pelos rapsodos, deformando-os pelo ridículo. Para o efeito, apunham aos versos sérios outros de tema cómico. De acordo com a lição deste escritor quinhentista, a génese da paródia surge, portanto, associada a uma literatura recreativa, a que se outorgava especial des- taque nos intervalos das recitações épicas, para relaxamento da audiência.

27 Giulio Cesare Scaligero é o seu nome de baptismo, e Julius Caesar Scaliger o seu nome latinizado. 28 Escalígero (1561, 113-114 = Poetices I.42). O mesmo excerto da Poetices é citado, no original ou em

tradução, por Delepierre (1870, 7), Pöhlmann (1972, 144), Genette (1982, 21) e Ferreira (2003, 292). Enquanto o capítulo 42 do Livro I é consagrado à paródia, o capítulo 40 trata da sátira latina, o 41 da rapsódia e da epopeia, o 43 dos centones.

A abordagem explicativa de Escalígero sobre o contexto cultural que envolve as formas primordiais da recitação paródica na Grécia antiga serviu de base e ponto de partida a outros críticos que posteriormente se debruça- ram sobre a mesma questão. No «Discours sur l’origine et sur le caractère de la parodie», publicado na Histoire de l’Académie royale des inscriptions et

belles lettres (1733), o abade Sallier apresenta a seguinte definição da que con-

sidera ser a principal espécie da paródia na Antiguidade:

Enfin la derniére & la principale espéce de Parodie, est un ouvrage en vers composé sur une piéce entiére, ou sur une partie considérable d’une piéce de poësie connue, que l’on détourne à un autre sujet & à un autre sens par le chan- gement de quelques expressions. C’est de cette derniére espéce de Parodie que les anciens parlent le plus ordinairement. Elle est souvent le fruit innocent de la joye & du plaisir; [...].

Mais adiante, oferece, não sem algumas reservas, um entendimento con- jectural, ainda que lhe pareça provável, quanto à produção dos primeiros cantos paródicos:

Il y auroit peut-estre plus de fondement à croire que, lorsque les Chantres qui alloient de ville en ville débiter les différents morceaux des poësies d’Homére, en avoient récité quelque partie, il se présentoit des bouffons qui cherchoient à réjouir les auditeurs par le tour ridicule qu’ils donnoient à ce qu’ils venoient d’entendre. 29

Sallier destaca, em ambos os passos acima transcritos, a natureza lúdica da paródia, bem como a dependência da produção épica tradicional, para- doxalmente utilizada pelos parodistas gregos para desviarem a atenção do público para assuntos mais ligeiros. Muitos poetas empreendiam jornadas de trabalho, percorrendo diferentes localidades, onde exercitavam a prática recitativa pela reprodução de episódios dos poemas homéricos. Entre as famosas cenas da tradição épica, ou mesmo misturados com elas, os canto- res acrescentavam breves relatos de humor: procuravam alegrar o espírito dos habitantes locais com partes de poesia séria, cujas palavras e expressões, inicialmente proferidas em tom grave, deformavam, tornando-as ridículas ao público assistente. Após os primeiros cantos, os poetas adulteravam parte do léxico épico, de modo a alterarem o âmbito do assunto sério tratado noutros mais triviais. Estes interlúdios paródicos visavam (ou antes, tinham como principal função prática) o regozijo da audiência. Tratava-se, portanto, de

uma poesia de diversão, de uma poesia marcada pelo desvio aos padrões artísticos habituais. O parodista da Grécia antiga partia da matéria épica reci- tada dela divergindo para distracção e deleite das gentes que o escutavam 30.

O Dicionário de Richelet (1759) inclui um verbete sobre paródia que também aborda o contexto das recitações públicas dos aedos:

Mais comme ces récits étaient languissants et ne remplissaient pas l’attente et la curiosité des auditeurs, on y mêlait pour les délaisser, et par forme d’intermède, des acteurs qui récitaient de petits poèmes composés des mêmes vers qu’on avait récités, mais dont on détournait le sens pour exprimer autre chose propre à divertir le public. 31

Esta outra fonte do século xviii apresenta as manifestações paródicas gregas como forma de prolongar, ou de reanimar, o género antiquado da epopeia. Os destinatários dos cantos épicos gregos ficam por vezes fatiga- dos pela seriedade que lhes está associada como característica básica 32. O

carácter grave do relato heróico, aliado à duração prolongada de um tema largamente difundido, com maior ou menor grau de repetição e de variação entre o público, conduziu ao desgaste do género épico, que apenas conse- gue sobreviver mediante a intromissão de novos traços, mais próximos do quotidiano popular. Cada momento histórico, afectado por um conjunto particular de circunstâncias (sociais, culturais, políticas, estéticas, filosóficas, entre outras), é marcado por um balanço próprio entre formas autoritárias e formas paródicas 33, pelo confronto de produções convencionais com outras

inovadoras, que implicam uma mudança de paradigma. Ao analisar os frag- mentos de Margites, considerado uma das mais antigas manifestações da

30 A Odisseia apresenta uma situação de recitação aédica em moldes muito semelhantes ao contexto descrito para a produção dos cantos paródicos. No palácio de Alcínoo, em Esquéria, Demódoco celebra, entre dois relatos de temática bélica (a contenda entre Ulisses e Aquiles e o expediente do cavalo de madeira que permitiu a destruição de Tróia), um outro mais ligeiro: a história dos amo- res adúlteros entre Ares e Afrodite. O interlúdio humorístico atenua o ambiente de austeridade, próprio das narrativas épicas de tema sério, e distrai o público, procurando evitar a monotonia de um canto demorado, de modo a não aborrecer os ouvintes. Recorde-se que ao escutar o primeiro e o terceiro cantos de Demódoco, Ulisses chora, mas deleita-se com o relato intermédio sobre as aventuras amorosas dos deuses. Nessa história contada pelo poeta cego, estala o riso inexaurível dos deuses, perante Ares e Afrodite apanhados em flagrante na rede de Hefesto. O riso da assistência divina supõe uma reacção semelhante da parte dos Feaces, que compõem, no canto 8 da Odisseia, a audiência aristocrática do palácio de Alcínoo.

31 Richelet apud Delepierre (1870, 8) e Genette (1982, 20). 32 Bliquez (1977, 11).

literatura paródica grega, Gómez comenta que a velha saga épica já estava por demais superada e que, por isso, podia ser objecto de paródia 34.

É essa a direcção para a qual o verbete do Dicionário de Richelet aponta: a antiga epopeia oral tornara-se um género em declínio, menosprezado na sua recepção, com dificuldade em atrair o interesse da audiência. Para salvaguar- dar a continuidade da tradição épica oral, a paródia deixa de se restringir aos intervalos dos cantos heróicos, proclamados por aedos ou por rapsodos, para se infiltrar nos enredos dos próprios relatos épicos. Estes, ao lado do con- teúdo sério, passam a conter, por acrescento e repetição invertida, elementos cómicos, que conseguem despertar com maior eficácia a atenção dos ouvin- tes. Os versos paródicos repetiam com alguma alteração os versos épicos a que se apunham, possibilitando uma mudança de sentido na direcção con- trária ao entendimento que os versos sérios antes recitados preconizavam. De entre a matéria convencional dos cantos épicos, estruturados sob padrões fixos, eram as breves alusões de natureza paródica que, por combaterem a ordem pré-estabelecida, suscitavam a curiosidade da assistência. A explica- ção setecentista supracitada insiste igualmente na brevidade dos interlúdios paródicos, em contraste com a longa extensão das narrativas sérias. Daqui (e dos outros estudos que referem o mesmo aspecto) se depreende que o carácter conciso e miniatural constitui um elemento canónico do género herói-cómico.

Delepierre formula, no século xix, a sua hipótese sobre a origem da paródia, elaborando uma síntese das exposições anteriores de Escalígero e de Richelet.

Lorsque les rhapsodes chantaient les vers de l’Iliade ou de l’Odyssée, et qu’ils trouvaient que ces récits ne remplissaient pas l’attente ou la curiosité des audi- teurs, ils y mêlaient pour les délasser, et par forme d’intermède, des petits poèmes composés des mêmes vers à peu près qu’on avait récités, mais dont ils détournaient le sens pour exprimer une autre chose, propre à divertir le public. C’est ce qu’ils appelaient parodier, de para et ôdè, contrechant. 35

A explicação de Delepierre retoma, com efeito, muitos dos elementos antes enunciados: o surgimento a partir da rapsódia; a função prática de distrair o público; a deturpação de sentido dos versos épicos recitados; o declínio do género elevado que já não preenche as expectativas dos ouvin- tes; a extensão reduzida; a adequação aos interesses da audiência para seu divertimento. No final deste último trecho, define-se ainda a prática paródica

34 Gómez (1990, 23). 35 Delepierre (1870, 8).

como contracanto: uma composição que provém do canto entendido no seu sentido canónico, o canto épico, mas que dele diverge, acompanhando-o de perto para nele se infiltrar e o transformar. Trata-se de um tipo de poesia que simultaneamente se apõe e se opõe à narrativa épica oral.

O mesmo termo, «contrechant», baseado no sentido etimológico e utilizado para a definição da paródia grega antiga, surge também nas con- siderações de Genette sobre a paródia, estudada por ele como modalidade hipertextual. Este crítico francês, ao considerar um dos significados possíveis para o prefixo παρά, «ao lado de» ou «ao longo de», interpreta a paródia como canto acessório que acompanha em contraponto a recitação épica ou uma composição em tom diferente, que deforma a melodia original 36.

D’abord, l’étymologie : ôdè, c’est le chant; para : « le long de », « à coté » ; parôdein, d’où parôdia, ce serait (donc  ?) le fait de chanter à côte, donc de chanter faux, ou dans une autre voix, en contrechant – en contrepoint –, ou encore de chanter dans un autre ton : déformer, donc, ou transposer une mélo- die. Appliquée au texte épique, cette signification pourrait conduire à plusieurs hypothèses. La plus littérale suppose que le rhapsode modifie simplement la dic- tion traditionnelle et/ou son accompagnement musical. 37

A transformação paródica dos versos épicos não se opera, segundo o entendimento que da origem da paródia Genette apresenta, ao nível voca- bular apenas, podendo também afectar a dicção de que o rapsodo se serve para declamar os cantos heróicos. Estes artistas aligeirariam, para deleite dos ouvintes, a gravidade da recitação épica, repetindo os mesmos versos sérios, conferindo-lhes porém uma entoação diferente da tradicional. Ferreira, ao contrariar a tese de Hutcheon de que a paródia detém uma natureza exclusi- vamente textual, lembra que «a palavra παρῳδία era inicialmente um termo técnico musical» 38. Na sua origem, a recitação paródica consistiria, assim,

numa alteração melódica dos versos sérios da epopeia, que não implicaria necessariamente mudança das palavras declamadas. Não se tratava de uma modificação do conteúdo a transmitir, mas de uma reforma na modulação vocal ou musical do material épico celebrado.

O desenvolvimento da paródia, devido em grande parte à popularidade renovada que confere à epopeia, avança no sentido da independência per- formativa do género. A prática de repetir e adulterar a dicção dos versos épicos noutra mais ligeira e trivial acaba por afectar o conteúdo da matéria

36 Sobre os significados do prefixo παρά, vide Capítulo 1. 37 Genette (1982, 17).

celebrada. A transformação melódica possibilita, desta maneira, a mudança textual: as palavras de conotação séria, próprias do relato heróico, vão sendo substituídas, individualmente ou em conjunto, por outras da esfera cómica. Esta tendência subversiva das convenções não fica, porém, limitada aos intervalos das recitações dos rapsodos, a que o seu nascimento costuma ser associado. Das pausas recreativas a que originariamente se circunscrevem, no âmbito dos concursos recitativos, as criações paródicas alargam-se ao período de declamação dos próprios cantos épicos, neles introduzindo uma tonalidade menos pesada, para os reformar. Os poetas a concurso, a fim de obterem a melhor prestação possível e o favor de um público cada vez mais exigente, passam a incorporar nas suas recitações orais interlúdios e excursos humorísticos ou mesmo breves episódios paródicos. O processo de matu- ração da paródia enquanto género culmina na organização de concursos exclusivamente consagrados à participação de parodistas, embora tais mani- festações recitativas nunca se tenham desvinculado da posição marginal que sempre detiveram no seio da tradição épica.

A escassa informação a que hoje se tem acesso sobre as competições entre parodistas na Antiguidade permite concluir que a paródia não constituía uma modalidade usual nos concursos musicais 39. Da carência de dados disponíveis

poder-se-á também formar uma explicação menos radical, de que os artistas gregos competiam em certames de poesia paródica, ainda que essa categoria fosse apenas secundária ao lado de outras tradicionais. Assim, por um lado, apoiado pelas evidências encontradas em Ateneu, Lelièvre 40 assegura que a

paródia épica era, de facto, uma das modalidades que entrava na competição dos festivais dramáticos. Por outro lado, Bliquez 41 presume que decorreriam

concursos de paródia nas Grandes Panateneias, em meados do século iv a. C., adiantando que, apesar da existência desta modalidade no mundo antigo, os prémios de baixo valor para os parodistas vencedores decorreriam do prestígio pouco significativo que, nessa altura, era atribuído a este tipo de competição. Em comparação com outros géneros performativos, largamente conhecidos do público, as provas disputadas por artistas que adulteravam o material da tradição épica suscitavam a atenção de um número muito reduzido de assisten- tes 42. A falta de notoriedade explica, assim, a sobrevivência residual nos dias de

hoje de testemunhos dos antigos cantos paródicos.

39 Essa parece ser a ideia defendida por Pöhlmann (1972, 152). 40 Lelièvre (1954, 71).

41 Bliquez (1977, 22-25).

42 Não posso deixar aqui de notar os diferentes níveis de adesão que as manifestações paródicas gregas suscitavam da parte da audiência. Enquanto forma parasitária da epopeia, promovida nos intervalos das

Os valores monetários atribuídos como prémios aos vencedores das várias provas eram proporcionais à popularidade e à importância que cada competição detinha no âmbito dos festivais públicos. As actividades recreati- vas que chamassem maior número de pessoas seriam mais facilmente patro- cinadas, enquanto aquelas pouco atractivas, com uma quantidade reduzida de assistentes, ocupavam um lugar marginal nestas ocasiões festivas, dis- pondo de parcos fundos para a sua organização. Se é verdade que a paródia adquiriu o seu lugar, como categoria artística independente (desvinculada dos concursos de poesia épica), ao lado de outras modalidades performati- vas e musicais, a adesão alcançada nos festivais não foi, todavia, expressiva. Os baixos níveis de assistência não estimulavam a fixação de recompensas monetariamente satisfatórias para os parodistas vencedores (os grandes valores destinavam-se aos concursos com maior peso nas festividades ofi- ciais, ou seja, aqueles que atraíam pessoas em massa). A posição secundária ocupada pelas competições de paródia na Grécia antiga é comprovada por uma inscrição do século iv a. C., inserida na colectânea Inscriptiones Graecae sob a identificação IG XII 9 189 43.

O texto fragmentado (que contabiliza um total de 45 linhas) informa sobre a organização de um «concurso musical» (l.5), no âmbito das celebra- ções em honra de Ártemis, em Erétria. Nesse evento, decorrem competições entre rapsodos, flautistas, citaristas, citaredos e parodistas (τὴν δὲ μουσικὴν τιθεῖν ῥαψωιδοῖς, αὐλωιδοῖς, κιθαρισταῖς, κιθαρωιδοῖς, παρωιδοῖς, ll.10- 11). De todos estes artistas participantes, os últimos referidos eram, sem dúvida, os menos prestigiados, a ter em conta a diferença abissal nas verbas destinadas aos vencedores: o primeiro classificado no concurso de paródia auferia um prémio de 50 dracmas, soma que representava nem metade do valor concedido ao campeão das actuações rapsódicas (120 dracmas, ῥαψωι- δοῖ ἑκατὸν εἴκοσι, ll.15-16) ou aos vencedores das provas que implicavam

recitações dos rapsodos, a paródia atraía a atenção de um público vasto, o mesmo dos cantos heróicos. Eram aliás estas formas subversivas que permitiam os ouvintes descansarem das longas actuações épicas, evitando a monotonia do estilo grave. Foi este tipo de paródia, subsidiária da tradição épica, que possi- bilitou a renovação e a continuidade do canto épico, uma vez que procurava adaptar-se aos gostos de um público exigente de formas menos habituais. Contrariamente, enquanto género autónomo, que detém um lugar próprio nos concursos entre poetas, a paródia teve sérias dificuldades em granjear a simpatia do público assistente, devido, entre outras razões, ao uso de material desviante do tradicionalmente conhe- cido. Ao mesmo tempo que se distraíam com temáticas mais ligeiras, fortes evidências levam a concluir que os espectadores preferiam ouvir as recitações épicas convencionais, misturadas com versos e episó- dios paródicos, do que assistir a actuações entre parodistas, que se serviam de um estilo grandiloquente para a celebração de um tema baixo. A diferença social entre os parodistas, num contexto e noutro, explica também as diversas formas de adesão ao género por parte do público ouvinte.

43 Searchable Greek Inscriptions: A Scholarly Tool in Progress, California, The Packard Humanities Institute. Disponível em: <http://epigraphy.packhum.org/inscriptions/main>.

o uso e o acompanhamento da cítara (110 dracmas para o citarista, ἀνδρὶ κιθαριστεῖ ἑκατὸν δέκα, ll.17-18; 200 dracmas para o citaredo, κιθαρωιδοῖ διηκόσια, l.19). O prémio para o candidato que alcançava o primeiro lugar no pódio da paródia é apenas igualado à recompensa recebida pelo flautista ven- cedor (αὐλωιδοῖ παιδὶ πεντήκοντα, ll.16-17). No entanto, o terceiro classifi- cado entre os flautistas (no concurso de paródia, só eram premiados os dois melhores concorrentes, não havendo lugar para um terceiro classificado) conseguia obter uma gratificação superior (20 dracmas, τρίτοι εἴκοσι, l.17) àquela que era fixada para o segundo dos parodistas premiados (10 dracmas apenas, παρωιδοῖ πεντήκοντα, δευτέροι δέκα, ll.20-21).

As verbas disponibilizadas para o concurso de paródia neste festival em honra da deusa Ártemis representavam pouco mais de 5 % do financiamento global utilizado para pagar as despesas com o entretenimento. O texto docu- menta o montante de mil dracmas, destinado à organização do concurso musical (ll.5-6) 44. Gozando de uma maior adesão em festividades do mesmo

tipo, proporcionando, por isso, um espectáculo de melhor qualidade, em ter- mos de diversão pública, do que aquele exibido pelos poetas paródicos, os músicos que tangiam a cítara e os que cantavam ao som dela recebiam mais

No documento Epopeia e Paródia na Literatura Grega Antiga (páginas 119-157)