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Os Aportes de Alguns Estudiosos para a Consolidação da Fraseologia

2 AS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS E O PROCESSO DE ENSINO-

2.3 Os Aportes de Alguns Estudiosos para a Consolidação da Fraseologia

A primeira menção que se tem notícia dos estudos fraseológicos, ainda sem o rigor de uma disciplina estabelecida como é hoje a fraseologia, data de 1757, quando Mixail Vasil’evic Lomonosov (1711-1765) criou o que se considera como a primeira Gramática da Língua Russa, na qual já utilizava termos como combinações de palavras, de gírias e expressões.

Entre os anos de 1863 e 1866, cabe a V.I. Dal’ realizar uma compilação de um grande número de UFs da língua russa popularmente praticada e de seus dialetos territoriais, criando assim o primeiro Dicionário da Grande Língua Russa Viva. O autor resgatou, posteriormente, grande parte dos provérbios russos, o que gerou o primeiro compêndio nessa categoria intitulado Provérbios do Povo Russo.

Em seu artigo La escuela soviética y sus aportaciones a la fraseología, Suárez Cuadros (2006) revela que A. Potenbnja, no fim século XIX já se dedicava a decifrar o lugar que ocupava o símbolo na base do significado dos fraseologismos. Para ele, na maioria dos casos, era o que dava o mote de significação aos fraseologismos.

É inegável a contribuição do que se chegou a chamar de escola soviética de fraseologia para os estudos das UFs, mesmo depois do desmembramento da URSS, tanto em seus primórdios como ao longo de todo o trajeto até os dias atuais.

Entretanto, não são todos os estudiosos que creditam esse mérito aos russos. Se Bally (1905) cunhou o termo fraseologia, é de Polivánov (1928) apud Conca (2005, p. 76) a sua concepção como disciplina lingüística. Some-se ao aporte russo o fato de que Vinogradov (1938) apud Ortiz Álvarez (2000, p.71) foi o primeiro a classificar sincronicamente as unidades fraseológicas do ponto de vista funcional.

Muitos foram os desbravadores desse tema. Vejamos o aporte de cada um deles. O que se verá a seguir são as contribuições, a nosso ver, mais representativas de cada um, de forma sucinta e em ordem alfabética, a partir dos estudos de Zuluaga (1980) e Ortiz Álvarez (2000).

Alberto Zuluaga, com a obra “Introducción al Estudio de las Expresiones Fijas”

(1980), teve a responsabilidade de retomar os estudos da fraseologia na língua espanhola de forma significativa, tornando-se juntamente com a obra de Casares referência de fundamental importância para os estudiosos fraseológos que o sucederam, principalmente os de língua espanhola, que o tiveram como exemplo: Tristá Pérez, Carneado Moré, Corpas Pastor, Martínez Marín, Ruiz Gurillo e Ortiz Álvarez, entre outros. Zuluaga realiza desde algumas

observações preliminares até propor sua classificação própria das unidades fraseológicas, detendo-se pausadamente em cada uma das ramificações por ele apontadas.

Albert Sechehaye estabeleceu a relação entre as locuções e as palavras compostas,

sendo a perda da identidade dos componentes no primeiro caso o que as diferencia, segundo o autor.

Algirdas Julien Greimas destaca os vários sentidos do termo idiomático, além de

estabelecer a distinção entre idiomaticidade interlingüística e idiomaticidade intralingüística, apoiando-se claramente nas teorias de Bar-Hillel.

A. V. Isacénko explica os fundamentos da fraseologia como disciplina lingüística, destacando a importante contribuição da escola genebrina para tal, além de ampliar a classificação de expressões fraseológicas feita por Vinogradov. O autor destacou três combinações fraseológicas: a) grupos fraseológicos almalgamados; b) unidades fraseológicas; e c) combinações fraseológicas.

Bernard Pottier chama a atenção para o que ele denomina integração: o movimento de lexicalização, ou seja, a passagem de uma sintaxe livre, criada no momento da

comunicação, para uma sintaxe em vias de fixação que pode chegar à memorização total. • Carneado & Tristá apresentam uma classificação das expressões a partir do critério

sintático-estrutural.

Charles Bally é considerado o fundador da fraseologia, através de suas obras (Precis

de Stylisqtique (1905) e Traité de Stylistique (1909 [1951]). Para esse autor, a fixação é o resultado do uso repetido e se entende como coesão entre os componentes do grupo, subdvidindo-se em três classes as combinações de palavras: combinação livre e ocasional, combinação completamente fixa e combinação de coesão não absoluta. Também é mérito de Bally o estabelecimento dos elementos que caracterizam uma UF: indícios externos (estruturação gráfica, inseparabilidade dos componentes e inalterabilidade de sua ordem, além da insubstituibilidade desses componentes) e internos (equivalência da locução a uma palavra simples; inanalizabilidade ou ausência semântica dos componentes; presença de arcaísmos; contravenção das regras de sintaxe; elipse aparente; existência de compostos e derivados; redução fonética).

Charles Hockett, lingüista norte-americano, apresenta uma das concepções de

idiomaticidade mais originais e mais citadas. Segundo o autor, toda forma gramatical em cujo sentido não se possa inferir a partir de sua estrutura é uma expressão idiomática, um idiom em sua terminologia.

De Boer, na busca pela distinção entre construções fixas e livres, inovou numa série

de operações, como substituições léxicas, substituição de pronomes, introdução de novos elementos e ainda intercâmbios formais com os correspondentes intercâmbios de conteúdo, o que mais adiante seria retomado e chamado de comutação na lingüística européia.

Eugenio Coseriu. De uma maneira ou de outra, poderíamos considerar seus

postulados como uma síntese das muitas idéias anteriormente surgidas. Apresentou a distinção entre técnica do discurso e discurso repetido; utilizou a comutação no estudo das expressões fraseológicas; realizou sua própria classificação, separando as locuções das outras expressões fraseológicas como refrões, dialogismos e wellerismos; considerou o significado das expressões fraseológicas como um bloco; e observou que somente poderiam ser consideradas pertencentes à lexicologia aquelas expressões que possam encontrar o seu equivalente em palavras simples.

Ferdinand de Sausurre afirma que as expressões fraseológicas não são aspectos da

fala e sim da língua. Apresenta o conceito da aglutinação, que consiste na junção de duas ou mais palavras, originariamente autônomas e diferentes, constituindo uma nova unidade absoluta ou dificilmente analisável. Além disso, propõe o termo ready made uterances.

Fiala acredita que as unidades fraseológicas podem constituir-se de uma parte fixa e

outra variável.

Fillmore trata de construção lingüística fixa e convencional, que inclui vários tipos de

expressões formulares, como frases fixas, clichês, gírias, provérbios e outras fórmulas de polidez.

Gabor O. Nagy estabelece a diferença entre expressão metafórica e expressão

fraseológica, sendo que a primeira é uma criação ocasional na fala e a segunda é um fato diretamente ligado à língua e faz parte dela. A conclusão a que chegou é que se podem criar metáforas, enquanto que não é possível criar, arbitrariamente, unidades fraseológicas.

Georg Von Der Gabelentz estabelece uma relação das expressões fraseológicas com

os sons o que, segundo ele, explicaria sua constituição e fixação. Por exemplo, no tener ni arte ni parte.

Harald Burger lança em 1973 “Idiomatik des Deutschen”. A obra é um compêndio

de estudos fraseológicos em que Burger retoma alguns estudos feitos por outros teóricos da área, sobre: a) o limite entre os fraseologismos e as outras formas de construções lingüísticas; b) a relação entre expressão idiomática e o conceito de signo; c) a classificação das expressões idiomáticas do ponto de vista funcional; d) o estudo da fraseologia na União Soviética e os

trabalhos realizados por Katz e Postal, Weinreich, Fraser e Chafe; e) os defeitos funcionais e transformativos das expressões idiomáticas; f) os aspectos estilísticos das expressões idiomáticas e; os problemas de tradução das expressões idiomáticas.

Heinz Wissemann, seguindo a mesma linha criada por Hermann Paul, Sausurre e

Bally, apresentou uma série de observações acerca das expressões fixas. Para ele, um lexema simples e um grupo lexemático podem cumprir a mesma função comunicativa.

Hermann Paul delineia um esboço da distinção básica entre combinações livres

(acusativo livre) e combinações fixas (acusativo fixado).

Julio Casares, ao lançar a obra “Introducción a la Lexicografía Moderna” (1992

[1969]), iniciou na língua espanhola os estudos da fraseologia, sendo a sua classificação das UFs apresentada nessa obra, a primeira globalmente conhecida e também o ponto de partida para a classificação de outros posteriores estudiosos da área, como o próprio Zuluaga (1980), além de Tristá Perez (1985) e Ortiz Álvarez (2000).

Lyons aborda a questão da idiomaticidade, caracterizando os fraseologismos como

enunciados estereotipados, que são aprendidos em blocos indecomponíveis, sem que as palavras percam a relação que têm entre si.

Michel Breal cunha termos como formules, locutions e groupes articulés, sendo esse

último aqueles fixados pelo uso, conscientemente pelo falante. Também foi um dos que reconheceu diversos tipos de arcaísmos nas expressões fixas.

Otto Jespersen também se empenhou na distinção entre expressões livres e fórmulas,

ou unidades formulísticas. Reconheceu a existência de fórmulas com uma parte fixa e outra que pode ser intercambiável de modo livre, apresentando o que ficou conhecido como expressões com casas vazias.

Mel ’ Cûk. Para o autor, a fixação de uma expressão pode ser medida pelo grau de

probabilidade que algum de seus elementos tem de atrair a presença de outros, podendo ocorrer tanto na lexicologia como na fonologia e na sintaxe, numa clara tentativa de aperfeiçoar a proposta anterior de Bar-Hillel.

Ranko Bugarsky apresentou uma série de procedimentos que permitem reconhecer e

diferenciar as construções livres das idiomáticas e seu comportamento sintático, além de seus diferentes graus de idiomaticidade. Para pôr à prova as UFs, o autor as submeteu a uma série de operações, a que ele chamou de grammatical tests, tais como modificação, inserção, permuta dos grupos nominais relacionados por preposição, tematização, pronominalização, transformações relativas e interrogativas e comutações.

W. L. Chafe chama a atenção para o momento em que ocorre a alteração numa

língua, em que acontece a passagem do literal para o idiomático. A esse processo ele chama de idiomatização.

Wotjak realiza uma tipologia das unidades fraseológicas classificadas de acordo com

a estrutural formal (função gramatical ou sintática) e aspectos semântico-funcionais.

Yehoshua Bar-Hillel dedicou-se ao critério prático na tradução automática,

envolvendo as expressões idiomáticas e propôs que a idiomaticidade fosse vista como um fenômeno interlingüístico, em vez de intralingüístico.

Passado o período em que a prioridade girava em torno do estabelecimento de uma epistemologia sobre o estudo das UFs, e com o crescente interesse na continuidade das investigações na área da fraseologia, é possível contar com inúmeros trabalhos realizados a partir dos anos 90, alçando essa disciplina a um rápido desenvolvimento.

Embora tais trabalhos sejam de difícil acesso, uma vez que a grande maioria deles se encontra em forma de publicações inseridas em revistas diversificadas, é importante que se mencionem os nomes cubanos, ainda que com trabalhos realizados em fins da década de 80, com influência direta dos fraseológos russos, como Zoila Carneado Moré e Antonia Maria Tristá Pérez. É dessa última um estudo, realizado em 1988, no qual a análise das UFs em seu contexto constitui o caráter inovador do trabalho, já que a autora afirma que o tema ainda não havia sido abordado de maneira específica.

Faz-se também necessário mencionar os trabalhos realizados por Corpas Pastor (1996), Manual de Fraseologia Española, no qual apresenta sua própria classificação das UFs em três esferas: colocações, locuções e enunciados fraseológicos; e por Leonor Ruiz Gurillo (1998), La Fraseología del Español Coloquial, cujo principal objetivo se centra nas locuções adverbiais e sua relação com outras categorias como a locução verbal, conjuntiva prepositiva ou a unidade sintagmática verbal.

Corpas Pastor (1996) já dava mostra de sua insatisfação com os estudos da fraseologia até então. Na apresentação de seu Manual de Fraseología Española nos alerta que depois do aporte de Casares (1992 [1969]), pouco se havia avançado sobre essa disciplina.

A autora, à época, nos lembra que, na verdade, apenas se podia contar com estudos parciais centrados na idiomaticidade ou ainda em classificações incompletas, representadas por uma profusão terminológica. Segundo a autora, lembrando as palavras de Martínez Marín (1991, p.21), “um tratamento objetivo e sistemático da fraseologia continua sendo praticamente impossível por não se haverem realizado os estudos descritivos prévios”.

Em seu artigo Los Estúdios de Fraseología y Fraseografía en la Península Ibérica, Corpas Pastor & Morvay (2002) se propõem a esboçar um panorama dos eventos e pesquisas que envolvem os estudos da fraseologia e a fraseografia na Península Ibérica nos últimos anos, a partir de 1995.

Com esse objetivo, os autores dão conta do surgimento de aproximadamente vinte e cinco tesinas12 de licenciatura e algumas teses de doutorado sobre o tema. A seguir passamos

a apresentar um resumo dos acontecimentos mais relevantes, grande parte deles no estado espanhol, em termos de eventos científicos e publicações na área, segundo Corpas Pastor & Morvay (op. cit.):

1995 Surgimento de um número da revista Caplletra, dedicada inteiramente a questões de fraseologia, sua relação com a Lingüística Aplicada e alguns problemas dessa disciplina e ainda a fraseografia catalã.

1996 Realização em Madri do I Congreso Internacional de Paremilogía, que apesar do título restritivo, abrangeu ainda outras manifestações fraseológicas. Ainda em dezembro desse mesmo ano houve, em Durango, as IV Jornadas de Literatura Popular, sobre paremiologia, organizadas pela Academia de la Lengua Vasca. 1997 Organização, em Santiago de Compostela, do I Colóquio Galego de Fraseoloxía,

promovido em cooperação, pelo Centro Ramón Piñeiro e a Xunta de Galicia. Esse evento pode ser considerado como um dos mais importantes realizados na área da fraseologia e fraseografia por ser o primeiro desse porte realizado na Espanha e, especialmente, pelo acentuado número de pesquisadores importantes ali reunidos, tais como Gloria Corpas Pastor, Alberto Zuluaga Ospina, Antonia María Tristá, Juan Martínez Marín, Maria Conca I. Martínez, Fernando Varela, Antonio Nogueira Santos, Maria Kótova, Carmen Mellado Blanco, María Rosário Soto Arías, entre outros. Esse encontro memorável teve como objetivo discutir temas de interesse geral da comunidade fraseológica internacional, além de revisar os resultados dos estudos fraseológicos catalães, galegos e vascos. Pela importância do evento, este se encontra registrado sob o título de Actas del I Coloquio Galego de Fraseoloxía, à disposição na Internet para os interessados na área (http://www.deproverbio.com). Nesse mesmo ano se realizou em Córdoba o II Congreso Internacional de Paremiología, com algumas intervenções sobre

12 Trata-se da dissertação escrita sobre um tema determinado que um candidato apresenta para adquirir o grau de

fraseologia. Esse evento também se encontra registrado sob o formato de atas, à disposição na Internet para os interessados na área (http://www.deproverbio.com). 1998 Constituição da European Society of Phraseology (EUROPHRAS) com o seguinte

endereço na Internet: http://www.europhras.org/english/index.html. O surgimento de uma sociedade desse porte e com esse poder de alcance constitui-se em fato de grande importância para a comunidade de estudiosos da área. Assim, proporciona- se o intercâmbio científico, o que de certa forma facilita a abertura de novos horizontes a diferentes enfoques e correntes e possibilita o acesso dos novos interessados a esse campo de pesquisa em franca ascensão. Tal fato destaca a vitalidade que os estudos fraseológicos têm adquirido, especialmente na Europa, onde nasceu e se fortaleceu.

2000 Realização de algumas Jornadas de Fraseologia Comparada, sob o título em catalão El Discurs Prefabricat. I Jornades de Fraseologia Comparada. Ainda em dezembro desse ano houve uma nova edição das já conhecidas Jornadas de Literatura Popular, nessa oportunidade dedicada à fraseologia, organizadas pela Academia de la Lengua Vasca, em Bilbao.

2001 Em março desse ano se realizou o XXIV Curso de Lingüística Textual de la Universidad de Salamanca. Esse evento teve como objetivo tratar exclusivamente das relações entre a fraseologia e o texto, numa perspectiva monolíngüe, plurilíngüe e tradutória.

2006 Realização do Congreso Internacional de Fraseología y Paremiología, realizado em setembro desse ano, em Santiago de Compostela, com vistas a reunir a sociedade científica dedicada à área e a promover a comparação, a análise e debate das múltiplas questões sobre as expressões fixas.

Atualmente, poderíamos afirmar que a fraseologia ocupa um lugar confortável entre as disciplinas científicas diretamente vinculadas à linguagem em diversas partes do mundo. Uma prova de seu status atual é a publicação de revistas dedicadas a esse universo, tais como Proverbium, dirigida por Wolfgang Mieder, da Universidade de Vermont; Paremia, dirigida por Julia Sevilla; e Cadernos de Fraseoloxía Galega, dirigida por Xesús Ferro, além das revistas catalãs Caplletra, nº 18, coordenada por Vincent Salvador e El discurs prefabricat. Estudis de fraseologia teórica i aplicada (2000), editada por Vincent Salvador e Adolf Piquer.

No Brasil, já é possível observar um interesse crescente pelo tema, através das pesquisas científicas que vêm surgindo nos últimos anos. Na grande maioria das vezes, são

trabalhos dedicados a averiguar o inventário fraseológico de uma determinada língua, como podemos constatar no tópico a seguir.

2. 4 Trabalhos realizados em Fraseologia no Brasil, especialmente com as expressões