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3. OS PROCESSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

3.5 Os artefatos culturais

“Eu quero ficar perto De tudo que acho certo Até o dia em que eu Mudar de opinião”. (Coisas que eu sei de Dudu Falcão)

Entender o sentido natural dos objetos feitos pelos sujeitos da pesquisa foi uma das técnicas utilizada para atribuir sentido as informações coletadas no mundo real, e assim estabelecer uma relação entre os artefatos culturais produzidos pelos aprendizes e a prática pedagógica utilizada para organização do conhecimento científico e social que valoriza a aprendizagem do sujeito.

Nesta pesquisa buscou-se explorar a linguagem, os ditados populares, a melodia que entoavam no desenrolar de uma atividade, os versos de “provocação”, a forma de se vestir para ir ao trabalho, a escola, as comemorações, ao recreio. Desse modo, na realização das observações utilizaram-se, todas as manifestações visíveis da cultura local foram examinadas com o intuito de entender os etnométodos utilizados por aquele povo para comunicar e interpretar a realidade e como a escola se apropria desses artefatos. Conforme, Lapassade:

O estoque de conhecimento não deve ser visto como um tipo de depósito ordenado de informações e de tipificações. Ele não é organizado segundo regras da lógica formal, porque o significado dos elementos que compõem é sempre dependente do contexto de uso. (LAPASSADE 2005, p.40).

De fato, a afirmação de Lapassade busca alertar, que o conhecimento se dá pelo emprego do sentido. Considerando a questão suscitada, para aprender a utilizar o

conhecimento com autonomia, os atores sociais (os alunos), precisam interagir com outros membros (outro aluno, professor, pai, adulto), potencializando assim a sua ZDP8.

Além disso, na escola Chico Mendes não é comum o uso do livro didático como material permanente do fazer pedagógico, a princípio à ação pareceu uma rejeição ao ensino padronizado no campo, uma prática diferenciada. Quando indagada acerca da ausência da utilização do livro didático, a resposta apontou para uma concepção ainda não emancipatória: “não utilizo o livro porque não tem suficiente para todos, além do mais, não possui atividades adequadas para alfabetizar”. E, o que são atividades adequadas para alfabetizar? (Pergunta direcionada a professora). Para a docente, atividades adequadas para alfabetizar são aquelas que ajudam a criança a adquirir a consciência fonológica, para assim, poder fazer uso adequado da escrita.

A resposta demonstra que um dos trabalhos da escola é garantir a alfabetização, mas, não uma alfabetização ingênua de decodificação das letras, mas, uma alfabetização conscientizada que ajuda a produzir o conflito cognitivo até mesmo para refletir a complexidade da escrita, entender porque tem sons parecidos e escrita diferentes como também compreender o poder da escrita, sua dimensão social, além do que está como pano de fundo dentro dela. “Em última análise, os professores precisam desenvolver um discurso e conjunto de suposições que lhes permita atuarem mais especificamente como intelectuais transformadores” (Giroux 1997, p.29). Conforme asseverado por Giroux, as ações pedagógicas precisam fortalecer as diversas habilidades e compreensão crítica dos educando para aprender a interpretar o mundo.

Percebe-se ainda que a prática pedagógica alimentada na sala de aula está relacionada à contação de história e de atividades de apropriação do sistema de escrita alfabética, reflexão acerca do uso moderado da água potável, além de atividades de conhecimentos gerais. Contudo, sempre que se conclui uma etapa da unidade de ensino, é feito uma reunião de pais esclarecendo o nível de “aprendizagem escolar” dos alunos. Dessa form, a professora não costuma produzir livro de ata, os pais pouco falam, a conversa é informal e visa esclarecer o motivo daquele resultado do desempenho dos alunos.

Como resultado a professora, explica que faz poucas anotações porque as queixas dos pais são sempre as mesmas. Realmente, quando se dirige uma reunião em que o objetivo maior é informar dados, torna-se uma linguagem mais técnica e omite a participação dos pais. Mesmo assim, a professora ressalta a importância da participação da família para a construção

da aprendizagem dos alunos. Durante a reunião, ela destaca a realização dos eventos9 que pretende desenvolver na escola e solicita a participação ativa deles.

Figura 12 reunião de pais na escola

Por outro lado, a reunião conta com a presença de praticamente toda a comunidade escolar, inclusive pessoas que não tinham filhos na escola estavam presentes no espaço. Essa mobilização foi muito importante para o trabalho, porque mostrou uma aproximação entre aquelas pessoas e a escola. Além disso, eles se vêem envolvidos no movimento de colaborar com a construção dos eventos da escola. Tendo em vista que esse aspecto consiste em uma janela, a qual a escola abre para o cotidiano das pessoas convidando-as a trazer sua música, sua culinária, sua arte, seu conhecimento para dentro do espaço escolar.

Com efeito, mesmo o evento não trazendos frutos do diálogo interativo com os moradores, são eles que dão vida e que deixam suas marcas no trabalho. De fato, apesar da educação do campo ter marcas dos programas construídos de fora para dentro, estes não anestesiam a vida que há no campo. Da mesma forma que os artefatos construídos no fazer da escola contemplam momentos de incentivo ao conhecimento empírico da comunidade local, promovem um aprendizado o que incentiva-os a falarem de seus saberes, de sua arte, contribuindo ainda mais para a participação dos alunos, os quais registram e constroem pequenos “livros” de saberes sociais que ficam expostos na sala de aula.

9 A Pauta dos eventos apresentados à comunidade foram: homenagem ao dia das mães e dos pais com

apresentação teatral dos alunos e dos pais interessados; aplicação do projeto: Água fonte da vida idealizado pelo projeto Despertar da secretaria de Educação do munícipio; homenagem ao dia das crianças ao ar livre; escolha de fardamento escolar; mudança de turno de alguns alunos.

De maneira idêntica, a prática parece valorizar o conhecimento individual desse povo. Entretanto, essa práxis de sala de aula ainda não toma posse da realidade, de forma a tocar todos os sujeitos no processo de ação-reflexão-ação. Sousa (2004 p.65) instiga que:

[...] cada aluno é “um aluno”, diferente de todos os outros em sonhos e ambições ou ausência de ambições... E para haver aprendizagem, tanto o CIENTÍFICO como o DIDÁTICO têm de ganhar sentido pelo PSICOLÓGICO do aluno. Daí que, mesmo após aulas bem conseguidas do ponto de vista do professor, reste muitas vezes uma sensação de incompletude e insatisfação por não se ter tocado o aluno. (SOUSA 2004, p.65).

Baseando-nos na citação de Sousa, por vezes, ouve-se da professora e tantos outros professores do campo se queixarem de fazerem de um tudo e não conseguir alcançar o aluno. Certa vez, em meio a essas discussões, fez-se o questionamento: Que tudo é esse que se oferece e ainda assim, não estamos conseguindo alcançar esse aluno? Desse modo a única resposta, ao retorno dessa pergunta foi exatamente o silêncio. Em virtude, desse silêncio, o qual se perpetuou durante alguns minutos, também se notou que isso também representava uma resposta. Assim, pode-se afirmar que o tudo parece estar ligado ao alcance das disciplinas didáticas, as regras do conteúdo, as intstruções dirigidas, que há muito tempo funcionam para as demandas de uma época. Hoje temos outras demandas, outros públicos (alunos especiais, vítimas dos problemas sociais), e, realmente as técnicas do passado agora não funcionam mais tão bem no mundo globalizado e refém da tecnologia que a escola está inserida sem saber como atuar. Em outras palavras, ressalta Toffler (1985, p.13) só realmente sendo cego para não perceber e ignorar a extraordinária mudança que afeta nossa sociedade e evidentemente a escola também, pois é nela que se estimula e se reconstrói a expressividade.

3.6. O diário de bordo: reflexões entre a experiência vivida no campo de estudo e,