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7. A PRÁTICA INOVADORA NOS DIVERSOS CONTEXTOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE UNA-BAHIA-BRASIL

7.1 Salas ou escolas multisseriadas?

“E há que se cuidar do broto; Pra que a vida nos dê Flor e

fruto.” ( Coração de Estudante de Milton Nascimento e

Wagner Tiso).

Normalmente, nas escolas multisseriadas o professor, é a única representação hierárquica das relações de controle da escola. Este profissional costuma assumir diversas funções, não há formações continuada específica para esse público, os docentes das salas isoladas costumam realizar seu planejamento de forma solitária, e, a equipe gestora costuma administrar essas escolas à distância.

Figura 33: Trabalhando com os diferentes grupos na sala multisseriada

Essa forma de organização tem trazido muitas discussões nessa década, uns defendem que as classes multisseriadas são o declínio da educação, um modelo arcaico e prejudicial para o processo educacional, ao passo que há os que defendem que o predomínio de tantas especificidades numa sala promove um ambiente rico e propício para a inovação pedagógica. Percebe-se também que para fortalecer essa concepção, utilizaremos os referenciais de Perrenoud, Vygotsky, Freire, Fino e Sousa por serem autores que defendem uma certa educação, em que os processos pedagógicos contribuam para uma formação social do sujeito.

Para Perrenoud (2000, p. 55):

Para que cada aluno progrida rumo aos domínios visados, convém coloca-lo, com bastante frequência, em uma situação de aprendizagem ótima para ele. Não basta que ela tenha sentido, que envolva e mobilize. Deve também solicitá-lo em sua zona de desenvolvimento próximo. [...] Diferenciar é romper com a pedagogia frontal- a mesma lição, os mesmos exercícios para todos- mas, é, sobretudo, criar uma organização do trabalho e dos dispositivos didáticos que coloquem cada um dos alunos em situação ótima [...].

Ditante da citação de Perrenoud, a classe multisseriada por ser um espaço heterogêneo, pode conceber e fazer evoluir dispositivos de diferenciação pedagógica, porque trabalha com tempo e ritmos diversos e por conta de tanta diversidade, qualquer tentativa de homogeneização do ensino, conduz para o fracasso da escola. Por outro lado, o autor fortalece a necessidade da interação com o outro para que ele adquira as potencialidades necessárias para provocar aprendizagens, seja pelo conflito cognitivo, seja pela rede de colaboração (com auxílio de um adulto, um colega ou outro companheiro).

Portanto, as salas multisseriadas aumenta dialeticamente o processo de aprendizagem porque, acolhe vários alunos em níveis diversos de conhecimentos e competências e, quando o professor cria uma pedagogia diferenciada, consegue organizar a classe para um espaço de formação de conhecimento onde todos podem coordenar de acordo com a orientação da aula. Pois, é mais produtivo trabalhar em equipe, contando com a experiência dos alunos para cooperar, negociar e construir novos conhecimentos. Assim como, para Vygotsky (1993, p.89), a criança tem suas potencialidades para aprender, mas, há situações em que ainda não construiu o processo de conhecimento novo sem uma aprendizagem prévia, para suportar a nova informação, desse modo, para elaborar o novo conhecimento potencial, ele precisa da interação com outro sujeito para consolidar esse novo saber. O autor nos alerta que:

A experiência nos mostrou que a criança com a zona maior de desenvolvimento proximal terá um aproveitamento muito melhor na escola. [...] Com o auxílio de outra pessoa, toda criança pode fazer mais do que faria sozinha – ainda que se restringindo aos limites estabelecidos pelo grau de seu desenvolvimento. (VYGOTSKY 1993, p. 89).

Com essa citação, ele nos tenta mostar que a construção do novo conhecimento é feito de forma solidária, contando com um processo interativo onde tanto o professor, como os alunos podem ajudar os outros, a progredirem efetivando assim sua autonomia na realização das atividades propostas. Além disso, os atos concretos de ensino-aprendizagem nas salas multisseriadas precisam projetar situações para que os alunos aprendam a debater, expressando suas ideias, para a partir daí, representar suas ideias por escrito, compreendendo o sentido da palavra tanto semanticamente quanto socialmente.

Conforme, Freire em seu livro Conscientização, no capítulo correspondente aos Atos concretos da alfabetização ele destaca um processo de alfabetização para adultos embasando em temas geradores oportunizando aos educando, discutir situações desafios, descobrindo os mecanismos de formação da palavra, além do poder da palavra. O autor aponta a seguinte relfexão:

Como explicar que um homem, uns dias antes analfabeto, escreva palavras partindo de fonemas complexos que ainda não estudou? [...]

Para que a alfabetização não seja puramente mecânica e assunto só de memória, é preciso conduzir os adultos a conscientizar-se primeiro, para que logo se alfabetizem a si mesmos. Conseqüentemente, este método – na medida em que ajuda o homem a aprofundar a consciência de sua problemática e de sua condição de pessoa e, portanto, de sujeito – converte-se para ele em caminho de opção. Neste momento, o homem se politizará a si mesmo. (FREIRE 1979, P. 26).

Diante da citação de Freire, é oportuno fortalecer, que o processo de alfabetização precisa qualificar os estudantes para a criticidade. Freire com sua estratégia de alfabetizar adultos através dos círculos de cultura, apropriando-se do universo vocabular dos alunos, para criar o conflito de ideias, tendo uma apropriação do SEA de forma significativa, ele criou ao mesmo tempo, uma concepção complexa acerca do processo de alfabetização.

Reportando essa concepção para o trabalho nas salas multisseriada, esse universo pedagógico se bem utilizado oportuniza o respeito ao aprendizado dos alunos estimulando a curiosidade, a construção de hipóteses por meio de linguagens visuo-espaciais onde todos os alunos independentes da série participam, ajudam o professor, fazem perguntas e enriquece seu universo vocabular com significado.

Dessa maneira, “a atividade autêntica é fundamental para os aprendizes, porque ela é a única forma deles terem acesso ao domínio que habilita os praticantes a agirem com propósito e com sentido.” (Fino 2000, p. 40). Ressaltando a citação de Fino, o professor que estimula seus alunos a descrobirem informações ao invés de ensiná-los, que promove situações para que seus alunos operem negócios ou situações de uso diário, que escrevam algo que seja

relevnte para seu conhecimento, que explore e aprenda sobre seu contexto social, este professor que realiza uma ação-reflexão de sua práxis, este estará promovendo atividades autênticas.

Assim, o trabalho pedagógico nas salas multisseriadas possui uma variedade de situações de ensino-aprendizagem, de maneira dinâmica, porque, estão cercadas de diversas especificidades, diversas séries, que provoca uma experiência singular, pois, coloca o professor diante de uma prática desafiadora, que tanto pode ajudar a romper com o paradigma fábril alterando o modelo de homogeneização do ensino para uma prática inovadora, quanto pode provocar preocupações, dificuldades em materializar uma práxis diferenciada e libertadora por não conseguirmos pensar uma escola diferente da que nós temos hoje. Fino elucida que:

A escola é uma instituição social, não faz parte de nenhum código genético, nem nos chegou já pronta como uma espécie de verdade revelada. Também significa que, apesar de ser eventualmente difícil imaginar como seria uma escola se não fosse como a conhecemos, hoje em dia, ou mesmo uma não escola, esse problema é um problema apenas da nossa imaginação. (FINO 2007, p.11).

Diante da citação de Fino, confirma-se a complexidade que é para quem nasceu dentro de um modelo de escola fabril, imaginar outra escola sem nos recorremos aos artefatos desse modelo de educação. Desse modo, a sala multisseriada do campo por carregar em sua essência uma dimensão heterogênea, coloca os professores numa situação de conflitos com sua formação, desafia para uma nova dimensão pedagógica, provoca insegurança e vontade de permanecer com as estruturas padronizadas do saber que guiam a formação profissional.

Além do mais, para dar conta de uma nova concepção de educação no campo, o professor precisa dar sentido a sua prática, precisa tocar o aluno de forma a provocar a reflexão da ação, diálogos interculturais para revelar novas reflexões construindo assim um pensamento crítico e libertador. Assim, Sousa (2004 p. 69) revela que, o ato educativo necessita de “uma pessoa psicologicamente forte e amadurecida, que sabe o que quer, com uma determinada linha de orientação. Tem de ser uma pessoa realizada, com um elevado nível de auto-estima e um sentido claro de identidade.”