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4 LETRAMENTOS SILENCIADOS: MEMÓRIAS DE LEITURA NO

4.1.1.9 Os artefatos

Os artefatos de leitura estão presentes em todos os eventos, especialmente nos momentos das dinâmicas. Porque têm uma natureza destacadamente teatral, as dinâmicas/estratégias de leitura são verdadeiros jogos cênicos cujo objetivo principal é a interação.

Nos eventos do DLCL, o corpo é um artefato marcante. Os colaboradores usam o corpo para reconfigurar o espaço-tempo da sala de aula. Solicitam que os alunos ocupem outra disposição geográfica na sala: levantar da carteira, formar círculos, sair da sala de aula para o pátio, aproximar-se do outro e ouvir-lhe individualmente as demandas de leitura etc.

O corpo-texto, o corpo-presença, corpo-interação, corpo-atitude é algo tão forte e visível nos eventos, que elegemos uma categoria de análise para essa prevalência. No DLCL, temos, através do corpo, uma ação-reflexão e, ao mesmo tempo, um posicionamento existencial de pertencimento ao mundo.

Além do corpo e dos textos literários propriamente ditos, os artefatos de leitura são objetos usados para fortalecer significativamente a relação entre os colaboradores-alunos das escolas visitadas. Os artefatos em sentido amplo interagem com o artefato em sentido estrito, que é o próprio texto. Todos cumprem o papel de inserção ao texto lido; é uma estratégia de prolongamento da relação com o texto.

Na Escola Djalma Marinho, o grupo de Sophia J., depois da leitura da narrativa O papagaio congelado (ver Anexos), dividiu a turma em pequenos grupos aos quais entregou folhas de papel caprichosamente dobradas, em formato de livro, e pediu que os grupos fizessem colagem dos trechos da história para recompor a sequência temporal dos fatos narrados. Embora tenhamos percebido uma tarefa numa concepção ainda mnemotécnica (os alunos colariam as partes do texto conforme se lembrassem da sequência da história), consideramos também que essa atividade foi criativa porque dispunha de uma interação mais calorosa entre os pequenos grupos e também porque, conforme Bosi (2003), o trabalho manual e a confecção artesanal são uma possibilidade de enraizamento identitário e de enfrentamento à sociedade tecnológica de consumo.

Figura 35: Atividade manual de colagem da narrativa O papagaio congelado

Fonte: acervo da pesquisa

Em outro evento, no dia 18 de setembro de 2015, nossa colaboradora Scay usou a máscara para retratar a metáfora da pessoa que escondia o rosto na época do nazismo de Hittler, quando havia violenta censura à liberdade de leitura. O argumento dessa abordagem histórica foi sugerido pela própria Scay, que havia lido sobre isso em suas pesquisas. Segundo ela, as pessoas, durante o holocausto alemão, escondiam-se através das máscaras para não serem facilmente identificadas em situações de leitura.

A exposição e argumentação dessa estratégia de Scay foi feita em reunião do dia 09 de setembro de 2015, cuja pauta lemos a seguir:

Observemos a rejeição que os integrantes tiveram com a ideia de Scay. Ela, por seu turno, não retrocedeu em seu intento e seguiu firme no propósito da encenação. Na figura 36,

Reunião do DLCL

Data 09 de setembro de 2015

Colaboradores: Maria Rosa, Valentina, Mariana, Scay, Erwin.

Pauta:

Parabéns e boas-vindas aos novatos.

Sobre a nossa ida a Nova Cruz no dia 18 de setembro de 2015: Horários de saída para Nova Cruz: 6h30.

Alguns reivindicaram o uso do uniforme escolar.

Foi decidido que seria confeccionada uma árvore artesanal. Dividiram tarefas.

Sobre o livro artesanal, ponderaram: qual o tecido usariam? Como equacionar os gastos que cada um teria. Decidiram fazer a compra do material no Alecrim.

As meninas manifestaram interesse em fazer o evento em turmas do 6º ano.

Erwin disse que usaria datashow e revela sempre a intenção de entrelaçar seu projeto de escrita literária ao contexto das aprendizagens que obteve no curso.

O grupo delibera sobre como seriam sorteio e entrega de brindes para as crianças e jovens em Nova Cruz.

Scay nos conta que comprou dois livros para serem entregues no dia do evento. Para ela a escolha dos alunos que receberiam os livros deveria ser a melhor nota. As demais meninas rebaterem com veemência esse critério. Disseram: “Isso não é justo! Nota não mede!” e frisaram a necessidade de priorizar outro critério e novas oportunidades. Os livros: Paulo Freire e Contos de Aprendiz, doado por um amigo de Scay.

Expliquei a eles como seria nosso almoço.

Scay propõe a ideia da dinâmica com a máscara (pintura no rosto). O grupo rejeita essa ideia. Nenhuma das meninas aceitaria usar tal estratagema. Recusaram de pronto. Scay, encantada com a iniciativa, não abre mão e perseverou que ela, sozinha, usaria o recurso. Scay passa então a nos explicar a importância simbólica da máscara. Segunda ela, na época de Hittler, os livros eram queimados e a leitura livre censurada. Naquela época, muitos leitores disfarçavam-se usando máscaras para não serem identificados em seus momentos de leituras. Para incrementar ainda mais sua estratégia, Scay usaria uma caixa, numa espécie de adaptação da Caixa de Pandora onde seriam colocados os livros que seriam doados como brindes.

A programação para o dia 18 (ida a Nova Cruz) ficou assim definida: 6h30: saída de São Gonçalo do Amarante.

8h30: chegada à Escola Djalma Marinho em Nova Cruz. 9h: apresentação das meninas.

11h30: encerramento apresentação. 12h: almoço.

13h30: apresentação das meninas para as turmas vespertino. 15h30: Apresentação de Poetaly.

16h: apresentação de Erwin. 16h30: lanche.

temos Scay posicionada minutos antes de participar da dinâmica, que ela mesma concebeu e planejou para o evento na Escola Djalma Marinho, em setembro de 2015.

Figura 36: Colaboradora Scay com máscara e “Caixa de Pandora”

Fonte: acervo da pesquisa

Fonte: acervo da pesquisa

Já no ambiente da sala de aula, Scay desenvolve sua dinâmica interagindo com a turma: escolhe alguns alunos e dirige-lhes mensagens retiradas da caixa. Ao final, presenteia alunos com livros de seu acervo particular. Na pauta da reunião do dia 09 de setembro, situada antes da foto da figura 36, vemos o registro correspondente à sugestão da doação dos livros e a polêmica relativa ao critério de escolha do aluno que seria “premiado”.

Figura 37: Colaboradora Scay executa dinâmica com “Caixa de Pandora”, na Escola Djalma Marinho

Fonte: acervo da pesquisa

4.2 PRÁTICA DE LEITURA IDENTITÁRIA, DE COMPARTILHAMENTO, ÉTICA