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PARTE I: O Procedimento Administrativo, enquanto meio de exercício da função

3. Legalidade vs Discricionariedade

3.2. Os caminhos da discricionariedade, face à juridicidade

Já fizemos referência ao princípio da reserva da Administração que irá justificar a actuação da Administração livre de qualquer intervenção de outros poderes públicos. Por outro lado, vimos igualmente alguns domínios da actividade administrativa que exteriorizaram a “senilidade” do princípio da legalidade, o que justificou o estudo com maior detalhe e profundidade do princípio da juridicidade. Todas as questões referidas, podem ser resumidas em uma única ideia, poder discricionário da Administração Pública, seus contornos, história175 e seu controlo por outros poderes de modo a

175 “Esa historia se ha labrado, como es bien conocido, con la ayuda de un instrumento radicalmente

heterodoxo, el recurso por excés de pouvoir. No es momento de reproducir aquí esa historia, naturalmente, pero no es inútil recordar una vez más que comienza con una exen- ción, la que resulta de la categórica prohibición que la Ley de 16-24 de agosto de 1790 dirigió a los jueces y tribunales de interferir de cualquier modo que fuese la acción de los agentes de la Administración. La prohi- bición, en lo que al poder discrecional concierne, caía sobre terreno bien abonado por los siglos, ya que el poder discrecional, como opuesto a la puissance reglée en justice, era el heredero de la potestas extraordinaria o ab (lege) soluta que teorizó BALDO , la expresión de la esencia misma del gubernaculum de BRACTON, de lo que no puede ser objeto de la urisdictio porque pertenece a la prerrogativa regia, que no es apta para la lengua de ningún abogado, como advirtió en tono amenazador el primero de los Estuardo. A esa negación inicial, a ese ámbito exento de todo control por los tribunales, le fue restando espacio progresivamente el Conseil d’État,aprovechando su condición de órgano consultivo del jefe del Poder Ejecutivo. La denominación de ouvertures dada a la incompetência primero, al vicio de procedimento después, a la desviación de poder más tarde y, finalmente, a la violación de ley y de derechos adquiridos expresa de forma muy gráfica el origen y el sentido de la evolución delrecurso por exceso de poder, que abre, ciertamente, cuatro vías, muy concretas las primeras y más amplia la última, de penetración en el espacio prohibido del poder discrecional, que —nótese bien— en el te- rreno de los principios sigue siendo un espacio exento, libre de todo con- trol, más allá de estas cuatro excepciones. El progreso ulterior del control jurisdiccional confirma explícita-mente esta idea. Elarrêt Gomel, de 1914, permitió por vez primera el control de la calificación jurídica de los hechos; el arrêt Camino, de 1916, aceptó controlar la

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garantir a realização dos direitos dos particulares alvos da actuação da administração ao abrigo daquele poder.

Apesar de ser a lei a definir o interesse Público prosseguido e realizado pela administração, a verdade é que esta na materialização daquele interesse goza de uma margem de livre apreciação para definir por exemplo as formas de realizá-lo, bem como os meios mais convenientes para o efeito176, portanto estamos diante de um poder que

cabe quase que exclusivamente à Administração Pública.

Importa referir a título prévio que o fenómeno da discricionariedade não é exclusivo do poder administrativo, ele pode ser encontrado ao nível dos poderes legislativo e judicial, em qualquer dos poderes revela-se desde logo a exigência de liberdade de actuação para a conformação de determinados valores em voga num determinado contexto. Em qualquer dos poderes deverão estar garantidos os mecanismos de controlo do seu exercício, que se podem revelar, desde que mal utilizados, em verdadeiras “bombas desactivadas nas mão de crianças” sem poder para as manejar. O poder discricionário exercido pelo poder legislativo pode ser controlado em regra, salvo particularidades do sistema constitucional, pelos tribunais constitucionais no momento em que analisam a constitucionalidade das leis, por outro lado, o exercício do poder discricionário pelos órgãos judiciais, pode ser controlado pelos tribunais superiores em sede de recurso e não só.177

propia existencia de los hechos; elarrêt Ba- rel, de 1954, dio un paso más al contrastar la decisión discrecional con los principios generales del Derecho, y en concreto con el princi- pio de igualdad, y el arrêt Ville Nouvelle Est, de 1971, sometió a es-crutinio las ventajas y los inconvenientes de esa decisión, el célebre y polémico bilan couts-avantages, una variante atrevida del test de pro- porcionalidad. El avance ha sido, pues, espectacular, pero es forzoso reconocer que el control del poder discrecional sigue marcado por una cierta nota de excepcionalidad en la medida en que queda a expensas en úl- timo término de lo que la doctrina francesa denomina la política ju- risprudencial del Conseil d’État, que sigue siendo quien marca la línea divisoria entre la legalidad y la oportunidad, entre lo que es suscepti- ble de juicio y lo que debe ser respetado en todo caso, una línea que no permanece fija porque el juez administrativo se reserva la facultad de moverla para ajustarla a las circunstancias”, Tomás Ramón Fernández, Sobre los limites constitucionales del poder discrecional revista de Administración Pública ISSN: 0034-7639, núm. 187, Madrid, enero-abril, 2012 p 145.

176 Neste sentido, Renato Alessi, Instituciones de Derecho Administrativo, Bosch casa editorial 1975, p

195.

177 “A partir do momento em que se afirma, sem reticências, contra o dogma da omnipotência da lei, a

vinculação jurídico-constitucional do legislador, a exigência do princípio da constitucionalidade material teria de confrontar-se necessariamente com a questão de saber qual o eventual espaço livre ou discricionário deixado à lei na execução dos preceitos constitucionais. Os conceitos de discricionariedade e de poder discricionário, trabalhados pela doutrina do direito administrativo, afiguram-se a alguns

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Como resultou claro das linhas anteriores, apenas a administração pode determinar no caso concreto, a melhor forma de realizar o interesse da colectividade, coisa que nem sempre o legislador atende, porquanto ele está muitas vezes preocupado com padrões e parâmetros gerais a serem seguidos casos se verifiquem determinados factos. Portanto, haverá uma comunicação implícita do legislador ao poder administrativo para que este realize da melhor maneira aquilo que ele não pode fazer, porquanto ele está preparado e ocupado a prever todas as situações da vida e a conferir soluções normativas aplicáveis a estas. Reconhecendo as suas limitações e como forma de superá-las, remete alguns poderes à administração, para materializar padrões, que por falta de “tempo” ele não pode.

O tratamento da discricionariedade pela doutrina passou por várias fazes178, até

chegar a época moderna, de qualquer forma ainda que sumariamente cabe-nos fazer referência às várias teorias que se debruçaram a respeito do tema179.

1. A tese que defende a ideia segundo a qual, a discricionariedade administrativa opera apenas no âmbito das consequências das normas administrativas; esta tese propaga a possibilidade de se atribuir à administração o poder de escolher dentre várias alternativas uma, que se mostre viável. No entanto, a escolha será feita em termos condicionais, ou seja, verificados certos condicionalismos, a administração pode decidir entre uma e outra, sendo que da decisão entre agir

autores instrumentos conceituais adequados para captar o âmbito de liberdade e vinculação do poder legiferante, agora submetido não só, à hierarquia material superior das normas constitucionais mas também um controlo judicial (concentrado ou difuso) feito por órgãos constitucionais não legislativos. Tal como a administração é a execução da lei, cabendo aos tribunais exercer o controlo da legalidade (princípio da legalidade da administração), a legislação seria a execução da constituição pertencendo aos tribunais ou a uma jurisdição fiscalizar a conformidade formal e material dos actos legislativos (princípio da constitucionalidade das leis)”. José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador, contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, Coimbra editora 1994, p 215ss ss.

178 Para ver o sentido e evolução comparada do instituto dentre outros veja, Sérvulo Correira,

Legalidade…ob cit… p 485 ss.

179 Para mais desenvolvimento a respeito das teorias, veja, Fernanda Paula Oliveira, A discricionariedade

do planeamento urbanístico municipal na dogmática geral da discricionariedade Administrativa, Almedina 2011 p 43 ss. António Francisco de Sousa na obra já citada, apresenta algumas doutrinas ligadas ao tema, a doutrina da discricionariedade como espaço de liberdade, a tese da discricionariedade na concretização da previsão da norma, discricionariedade como delegação do legislador para realização da justiça no caso concreto, discricionariedade para a prossecução da função, discricionariedade como liberdade de conformação, p241ss.

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ou não, resultará uma consequência. Esta tese centra a sua atenção no aspecto volitivo;

2. A tese que defende a ideia segundo a qual, a discricionariedade administrativa opera tanto no âmbito das consequências jurídicas como no dos pressupostos de facto (indeterminados) das normas jurídico-administrativas: os conceitos jurídicos indeterminados também como fonte de discricionariedade; no centro desta teoria está o argumento da indeterminação das normas e das suas consequências como sendo as geradoras da discricionariedade, adeptos desta teoria entendem que a utilização de conceitos indeterminados, afigura-se como uma técnica do legislador para atribuir poderes discricionários à Administração Pública;

3. Tese segundo a qual a discricionariedade adminsitrativa opera apenas no âmbito do pressuposto de facto (imperfeito) das normas jurídico-administrativas; esta tese vê na discricionariedade a oportunidade para preencher normas que por alguma razão estão incompletas, ou seja; por via da discricionariedade opera-se uma integração de lacunas normativas, por via da actuação administrativa. Face ao quadro exposto, embora não seja uma questão central da monografia, perfilhamos a ideia da discricionariedade contendo os três aspectos acima referidos, ou seja adoptamos uma posição híbrida, pois só assim teremos uma visão completa do instituto.

A discricionariedade representa acima de tudo um campo de acção uma zona cinzenta deixada a cargo da adminsitração, cujo trajecto deverá ser feito por ela de forma quase livre, desta caminhada poderão resultar consequências susceptíveis de impugnação pela administração ou por outros poderes. Da mesma forma, são em parte os conceitos indeterminados180 que dão origem e propiciam a actuação administrativa

180 “As normas com enunciados vagos representam como já se viu anteriormente na fase de interpretação

de enunciados tendentes à criação da norma de decisão administrativa, expressões com vocábulos que apresentam propriedades de vagueza ou incerteza sintáctica. Esta indeterminação linguística corresponde a uma técnica paradigmática de atribuição de discricionariedade através da elaboração de textos normativos, na medida em que a incerteza propositada na elaboração de textos vagos traduz, como se compreende, uma inexistência propositada de fronteiras precisas quanto à extensão conceptual do enunciado da norma habilitante. Consequentemente, essa indeterminação potencia a já referida margem de incerteza (margem extensional de dúvida) sobre se um facto relevante é, ou não, qualificado na categoria abstracta normativamente fixada. A justificação da integração da vagueza na análise da

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discricionária, pois eles não traçam um caminho, antes pelo contrário, oferecem vários à administração sendo ela a responsável pela escolha do sentido a adoptar, sem que haja imposição de outros poderes para a escolha da alternativa. Com este comportamento, a administração estará a concretizar as normas fundamentalmente porque na sua estrutura elas não são suficientemente esclarecedoras, ao ponto de serem aplicadas sem qualquer margem de interpretação e trabalho de “engenharia” por parte da Administração Pública.

“Existe um conceito unitário e amplo de discricionariedade como um espaço de

decisão da responsabilidade da Administração decorrente de uma indeterminação legal, e que abrange por isso, não apenas as situações de indeterminação estrutural, mas também, a indeterminação conceptual, englobando quer as faculdades (directas) de acção (que decorrem de normas autorizativas e de normas de decisão alternativa), quer as margens de apreciação na aplicação de conceitos indeterminados – encontrem-se estes na hipótese (discricionariedade de apreciação) ou na estatuição da norma (discricionariedade de decisão) -, quer ainda os casos de liberdade de conformação na Administração constitutiva e planificadora, bem como de prerrogativas de avaliação (juízos sobre aptidões pessoais ou avaliações técnicas especializadas, decisões com

discricionariedade conferida por normas habilitantes de decisões administrativas resulta precisamente da integração propositada de uma abrangência de casos na extensão do conceito enunciado, permitindo ao decisor administrativo a escolha entre integrar, ou não, os factos relevantes de um caso administrativo na previsão da norma habilitante enunciada em termos vagos. A tradicional manifestação gráfica da vagueza linguística em círculos [(i) margem de certeza positiva, (ii) margem de certeza negativa e (iii) margem de incerteza] permite perceber melhor a sua caracterização como discricionariedade. A indeterminação extensional de um conceito corresponde, como é costume referir, a uma zona de penumbra (zona cinzenta) de significação, relativamente ao que o conteúdo pode significar. Apesar de referenciada num contínuo, essa zona de incerteza é transmutável numa panóplia de alternativas que se sucedem ao longo de toda a franja de incertezas conceptual, nomeadamente quanto a todos os significados que aí se reconduzam. A margem de incerteza conceptual corresponde, assim, à zona de alternativas à escolha de decisor administrativo, onde reside a dúvida extensional do conceito, pelo que é nessa margem de incerteza, e nas alternativas aí compreendidas, que se resolverá a redução das situações de facto que serão reguladas pela norma expressa através do enunciado vago. A justificação da inclusão da incerteza semântica dos enunciados das normas de conduta na problemática de discricionariedade justifica-se por motivo complementar: a interpretação de enunciados vagos compreende uma estrutura essencialmente normativa na qual a previsão corresponderá a se enunciado vago quanto à sua relação de significado, o modo deôntico é impositivo, (deve) e a estatuição é expressa na atribuição de um significado preciso, assim se reduzindo a margem de incerteza conceptual. Nestes termos, a selecção de uma das alternativas conferidas pelo enunciado vago da norma habilitante é, também ela, objecto de convergência de princípios reguladores da discricionariedade, motivo pelo qual se compreende que a interpretação de um enunciado vago, quanto à subordinação de uma situação de facto na respectiva hipótese normativa, não poderá, por exemplo, ser desproporcional, desigual, ou violadora de uma confiança específica”. Pedro Moniz Lopes, Princípio… ob cit… p 186-187.

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elementos de prognose, ponderação de interesses complexos e decisões com consequências políticas).”181

Sempre que se verificarem situações em que à administração são conferidos espaços por via dos quais ela terá de decidir, optar dentro de um quadro perfeitamente identificado, estaremos e poderemos falar de poderes discricionários, inclusive e neste sentido, pode-se exactamente fazer menção a poderes para identificar o interesse público, face à outros interesses que subjazem à decisão a ser tomada182.

A interpretação dos conceitos indeterminados faz parte do processo que conduz a efectivação de uma decisão quem tem como referência a discricionariedade, portanto faz parte de um processo. A discricionariedade representa uma margem de livre apreciação conferida à administração.

De certa forma hoje, a discricionariedade é encarada como um espaço de competência juridicamente/normativamente atribuída, e que por força disso, a administração está subordinada a determinados padrões, deixando por isso de haver dependência exclusiva à lei. Desde já o uso deste poder está condicionado antes de mais pela sua ratio, tem de subordinar-se aos “princípios, da veracidade dos factos, da

racionalidade dos juízos, proporcionalidade das ponderações, autovinculação (no sentido do respeito pelas suas decisões) da imparcialidade, da igualdade, da protecção da confiança, da boa é e mesmo da eficiência, tecendo-se com eles uma rede que prende a Administração ao mundo do direito. A discricionariedade aparece, assim, como uma forma de aplicação e como um espaço de actividade, racional, e controlável”.183

O tratamento normativo da discricionariedade permite notar a existência de uma autonomia adminsitrativa, que dá origem a determinado tipo de normas consagradoras daquele poder, as que conferem discricionariedade, e as que a regulam estabelecendo necessariamente os seus pressupostos e limites. Assim, as normas que a conferem são naturalmente anteriores às que a regulam, na medida em que temos de a compreender para em seguida perceber os contornos que ela vai assumindo, no contexto social. Neste

181 Fernanda Paula Oliveira, Discricionariedade… ob cit… p 72. 182 Fernanda Paula Oliveira, Discricionariedade… ob cit… p 65. 183 José Carlos Vieira de Andrade, O dever… ob cit… p136 ss.

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sentido, as normas consagradoras de discricionariedade assentam sobretudo na ideia do dever ser e de imposição, viradas para a toma de decisões, excluindo-se aspectos consagradores de liberdade e de acção viradas para comportamentos não deônticos.184

A normatividade da discricionariedade constitui elemento fundamental para a sua compreensão185, pois ela apenas existirá paralelamente às normas de legalidade, na

184 David Duarte, A norma de Legalidade Procedimental Adminsitrativa, a teoria da norma e a criação de

normas de decisão na discricionariedade instrutória, Almedina 2006 p 463-464.

185 “Decorrendo a discricionariedade sempre de uma norma é, portanto, evidente que uma das situações

é possível: (i) existe norma habilitante que parametrize minimamente o exercício da competência e, nesse caso, a discricionariedade surgirá dessa norma de conduta ou (ii) em casos em que inexista norma habilitante sobre a própria acção adminsitrativa, a discricionariedade surge da própria norma de competência. Na verdade ao permitir a criação do direito sem qualquer especificação sobre qualquer o critério de direcção da decisão adminsitrativa, a norma de competência confere, em tese, uma panóplia infinita de possibilidades autodeterminadas autodeterminadas pelo decisor competente para a realização da conduta, na medida em que nada dizer sobre os critérios de decisão administrativa equivale logicamente a admitir todas as alternativas possíveis a autoconfigurar pelo órgão competente. Assim não é, no entanto, quanto à forma de actuação administrativa por acto administrativo. Tendo-se já assente que vigora um princípio de reserva de nora jurídica habilitante da actuação adminsitrativa por acto administrativo (legalidade de conformidade), não se estranha, portanto, que a discricionariedade sofra uma perspectiva de análise exclusivamente centrada na norma habilitante que a confere. Em virtude do princípio da reserva da lei, o decisor administrativo apenas poderá produzir uma decisão adminsitrativa com base numa norma atributiva de competência para a prática desse acto, à qual se agreque ( ou com a qual se confunda no mesmo enunciado) uma outra norma de conduta prefiguradora, com maior ou menor densidade reguladora, do conteúdo do acto a praticar. Uma lei habilitante que não fixe parâmetro normativo de conduta mínimo será inevitavelmente inconstitucional por violação do princípio da legalidade na vertente da reserva de lei. Por conseguinte, a prática de um acto administrativo com base exclusiva em norma de competência não é admissível à luz dos argumentos aduzidos: a norma de competência é uma norma puramente atributiva da faculdade de criar direito, da qual não resulta qualquer predeterminação (por se tratar, em rigor de uma norma deonticamente neutra) da conduta a realizar e, nessa medida, não é constitucionalmente admissível quanto ao padrão de legalidade de conformidade. Admitindo-se em abstracto que a discricionariedade possa surgir da própria norma de competência por si só, sem projecção da norma de conduta que parametrize o modo de exercício de competência, a verdade é que o imperativo de preexistência da norma de conduta inerente ao princípio da reserva de lei, em matéria de actos administrativos, desvia toda a análise da discricionariedade para a norma habilitante que regula a decisão administrativa. É que, como se refere, as normas de competência só são atributivas de discricionariedade em casos de condutas administrativas sob a designada legalidade de compatibilidade (no âmbito da qual a norma jurídica não é fundamento mas tão só limite da actuação adminsitrativa que lhe deve respeito). A imposição de uma norma de conduta incidente sobre o modo de exercício desta competência administrativa, devida ao princípio da reserva de lei em matéria de actos administrativos, deriva a análise da discricionariedade para a própria norma de conduta. Na verdade, ao projectar-se sobre o modo de exercício de competência, a norma de conduta fecha a amplitude infinita de alternativas conferidas pela norma de competência. É portanto, lógico que, ao estreitar essa globalidade de alternativas configuráveis, conferidas pela norma de competência, a análise das alternativas normativamente admissíveis seja exclusivamente centrada na norma de conduta (habilitante); esta norma, caso confira discricionariedade, estreita os termos do exercício da competência e simultaneamente abre alternativas admissíveis de decisão, mas apenas as que resultem dos próprios efeitos jurídicos que a norma admite. É portanto, da análise desta norma que retiram as alternativas normativamente admissíveis de decisão adminsitrativa. Por conseguinte, a análise da discricionariedade no acto administrativo surge, da mesma forma, como um problema de direcção de actuação