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Capítulo 2 – Metodologia utilizada no estudo da união consensual

2.2. Base de dados

2.2.1. Os Censos Demográficos e a união consensual

Em razão da importância que as uniões consensuais possuem na América Latina, os Censos começaram a captá-la a partir de 1940, muito antes das estatísticas suecas de 1975, pioneiras na Europa (THERBORN, 2006; ALTMANN e WONG, 1980). Desde então há informações da população por estado civil e/ou conjugal, apesar de os critérios para a sua adoção variarem no tempo (ALTMANN e WONG, 1980).

O Censo de 1940 investigou a natureza da união, porém, a pergunta sobre o tipo

de relação era feita exclusivamente ao chefe da família, entretanto, no Censo realizado em 1950 o questionamento foi estendido ao conjunto da população de 15 anos e mais de idade (ALTMANN e WONG, 1980). Nota-se que apesar de as uniões livres já terem sido parcialmente identificadas no Censo de 1940, a questão referente a elas não foi efetivada em 1950. Em razão disso, os indivíduos que optavam pelas uniões consensuais eram incluídos na categoria dos solteiros, da qual evidentemente não pertenciam (ALTMANN e WONG, 1980; SILVA, 1979). Essa inclusão forçada dificultou a identificação da proporção dos conviventes nos Censos de 1940 e 1950. Somente a partir do Censo de 1960 é que se conta com um bom detalhamento sobre o tipo de vínculo da união (OLIVEIRA, 2003; ALTMANN e WONG, 1980). Mesmo assim, Altmann e Wong mostram que se manteve a inclusão das pessoas que vivem consensualmente na categoria solteira, pois nos Censos de 1960 e 1970 há uma razoável porcentagem de mulheres (4,6% das mulheres de 15 a 49 anos de idade em ambos os Censos) que declararam ter tido filhos (ALTMANN e WONG, 1980). Isso indica que pelo menos uma parte delas está equivocadamente classificada como solteira, de modo que a maior parte deveria ser computada na categoria das “uniões consensuais”

(ALTMANN e WONG, 198061; SILVA, 1979). Por essas razões, não se utilizam os

Censos dos anos 1940 a 1970 nesse trabalho.

As perguntas sobre o tipo de união conjugal e, em particular, sobre a união

consensual, constam no questionário amostral62 e, conforme explanado, a população-

61A partir do detalhamento constatado no Censo de 1960, Quinteiro mostra que as taxas de uniões não

formalizadas no Brasil são crescentes, na proporção revelada pelos dados censitários: 1960 – 6,4%; 1970 – 6,9% e 1980 – 11,8% (QUINTEIRO, 1990). Constatou-se a mesma tendência de aumento do número dessas uniões no Estado de São Paulo nos Censos dos anos 1980, 1991, 2000 e 2010.

62Os censos utilizam dois tipos de questionários: o universal e os amostrais. Os questionários universais

trazem um conjunto de informações pequenas e abordam as características do domicílio, as características básicas da população e as características do chefe da família. Os amostrais trazem questionários maiores e são aplicados no setor censitário e a amostra em municípios e área de ponderação.

alvo são os casais de dez anos ou mais de idade que viviam e vivem nesse tipo de união no Brasil. Para a Demografia importa conhecer o número de pessoas envolvidas nas diferentes formas de união com o objetivo de saber a representatividade das uniões legais e não legais (MADEIRA, 1980). Por isso, a relevância da informação sobre o estado conjugal e o tipo de união entre as pessoas é reconhecida nos estudos demográficos, principalmente em relação aos comportamentos diferenciais da população (LAZO, 2002). Exemplo disso são as diferenças nos níveis de fecundidade entre as mulheres casadas legalmente e as que convivem em união consensual, as quais apresentam taxas de fecundidade mais elevadas (LAZO, 2002). Além disso, as diferenças de mortalidade por estado conjugal mostram que as pessoas casadas vivem mais que as solteiras (LAZO, 2002). Entre as várias explicações para este fato, destacam-se as que os casais teriam um suporte social maior para combater o estresse e que cada cônjuge teria o outro para apoiá-lo quando doente ou em situações problemáticas, bem como que seriam mais saudáveis, pois, como casados, tenderiam a ter um estilo de vida mais regrado e estável (LAZO, 2002). Entretanto, Lazo adverte que há outros estudos revelando que a maior proteção à saúde que o casamento oferece beneficiaria mais os homens do que as mulheres, então, o casamento estaria, de fato,

contribuindo para um aumento nas desigualdades de gênero (LAZO, 2002). Desse

modo, a autora explica que a discussão feminista mais recente aponta para a necessidade de se avaliar as formas de proteção à saúde no interior dos matrimônios, tendo em conta as mudanças no papel das mulheres, os novos valores e atitudes, a renda, o emprego e o

status (LAZO, 2002).

Além da importância dos dados sobre nupcialidade à Demografia, é preciso ressaltar sua relevância também ao Direito. Um de seus ramos, o Direito de Família, está cada vez mais atento às mudanças ocorridas na nupcialidade, que são um de seus principais objetos de investigação e regulamentação. De modo geral, o Direito busca enquadrar tais alterações em seu corpo normativo e em suas fontes secundárias (como a doutrina e a jurisprudência) para que seus fins de ordenação e pacificação sociais sejam atingidos. Mais especificamente, em termos de nupcialidade, o Direito objetiva regulamentar as uniões dos indivíduos e as consequências pessoais, familiares e patrimoniais que delas decorrerem. Para tanto, conforme apresentado na quarta seção do primeiro capítulo, nos últimos anos houve a promulgação de diversas leis no sentido de

reconhecer as uniões consensuais, protegê-las, regulamentar as questões a ela atinentes,

dissolvê-las e facilitar a sua conversão em casamento63.

Apesar de suas potencialidades, os Censos possuem desvantagens e limitações. As desvantagens apontadas à sua realização são o alto custo para a execução, a divulgação demorada e a frequência reduzida, a despeito de existirem atualmente diversas alternativas de coleta de informações (HAKKERT, 1996). Além disso, também se aponta como desvantagem a falta de apresentação de dados básicos de nupcialidade, como a idade à união, o número de uniões e a sua duração. Em que pesem todos esses argumentos, o Censo Demográfico ainda é o principal instrumento para a obtenção de dados sobre a população, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde há relativamente poucas alternativas (HAKKERT, 1996).

No entanto, as limitações dos Censos podem ser supridas pelos registros

contínuos64. Nos países que não dispõem deles e onde os Censos são realizados

decenalmente, há a necessidade de se acompanhar as características populacionais com fundamento em informações mais atualizadas (HAKKERT, 1996). É exatamente por isso que o Brasil organiza anualmente a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), exceto nos anos censitários (HAKKERT, 1996). Implantada pelo IBGE em 1967, inicialmente como pesquisa trimestral, hoje a PNAD investiga de forma permanente características gerais da população, como educação, trabalho, rendimento e habitação, e outras características, com periodicidade variável, de acordo com as necessidades de informação para o país, como migração, fecundidade, nupcialidade,

saúde, segurança alimentar, dentre outros temas (IBGE, 1999)65. Em que pese sua

relevância às mais diversas e distintas pesquisas, a PNAD não foi eleita como fonte de dados neste trabalho porque as informações sobre nupcialidade não são fornecidas de

63 No que tange ao estado civil das pessoas e ao tipo de união existente entre elas, é importante destacar

que, além do Direito de Família, outro ramo necessita dessas informações: o Direito Previdenciário. A área da seguridade social requer informações sobre o estado civil/conjugal da população no presente e no futuro. Essas informações são relevantes porque o volume de indivíduos em cada categoria conjugal tem impactos diferenciados nos benefícios da seguridade social.

64 O registro contínuo contém um número relativamente limitado de dados sobre cada pessoa

(HAKKERT, 1996). Para obter informações mais detalhadas de cada área (saúde, planejamento familiar, emprego, estrutura domiciliar, migração, dentre outras), é preciso realizar pesquisas específicas. No entanto, a principal vantagem desse tipo de procedimento é que os entrevistadores podem ser selecionados e treinados com mais rigor e que o entrevistado não precisa responder a muitas outras perguntas, além das que já compõem o objetivo principal do levantamento (HAKKERT, 1996).

65 A coleta de informações da PNAD é amostral e abrange todo o território nacional (IBGE, 1999). Seus

resultados são divulgados para o Brasil, as grandes regiões, as unidades da federação e nove Regiões Metropolitanas (Belém, Recife, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) (IBGE, 1999).

forma contínua, eis que, conforme explicado, o tema é investigado de acordo com as necessidades de dados do país, como ocorreu, por exemplo, nos anos 1984, 1992, 1995 e 1996. Essa falta de continuidade das séries investigativas comprometeria o trabalho, impedindo que seus fins almejados fossem alcançados.

Além dos Censos e da PNAD, a nupcialidade é avaliada através das estatísticas do Registro Civil. Elas são importantes ao seu estudo porque disponibilizam informações que permitem o acompanhamento do comportamento das uniões legais, dos divórcios e das separações judiciais, sobretudo nos períodos intercensitários. Contudo, em relação às uniões consensuais, o Registro Civil pouco contribui ao estudo de sua evolução no Estado de São Paulo, visto que identifica apenas as relações formalizadas em cartório, que constituem a minoria de quem vive nesse tipo de união. Apesar de haver um contrato específico para regulamentar a união estável no país, poucos casais o adotam. Com isso, os escassos dados fornecidos pelos Cartórios permitem analisar essa dimensão das uniões informais em São Paulo de maneira limitada. Além disso, a instituição do contrato de união estável é mais recente, isto é, de meados da década de noventa, o que impede que as uniões registradas em Cartório sejam avaliadas de modo contínuo e por um período mais longo de tempo. Em que pesem esses fatos e as limitações citadas, utilizam-se no trabalho os dados oriundos do Registro Civil porque como são inovadores e pouquíssimo explorados, se acredita que possam fundamentar interessantes e importantes análises.