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CAPÍTULO 2 NA TOCA DO COELHO

2.6 Ciclos

2.6.2 Os ciclos tecnológicos

Conforme foi discutido no início deste capítulo teórico, a humanidade já vivenciou três grandes ciclos tecnológicos que mudaram a forma de perceber o mundo e foram capazes de modificar a forma em que vivemos em sociedade: os ciclos da oralidade, da escrita e do digital.

De acordo com Rushkoff (2010, p.13), ao longo da história humana, cada revolução na mídia possibilitou os cidadãos a terem uma nova perspectiva em relação ao mundo. A linguagem foi primordial para disseminação do aprendizado compartilhado e isso possibilitou o acúmulo de experiências, que impulsionou o progresso da civilização. Rushkoff (op. cit) aponta que:

O alfabeto conduziu à responsabilização, ao pensamento abstrato, ao monoteísmo e ao direito contratual. A imprensa e a leitura em particular levaram a uma nova experiência de individualidade, a um relacionamento pessoal com Deus, à Reforma Protestante, aos direitos humanos e ao Iluminismo. Com o advento de uma nova mídia, não só o status quo é submetido a um exame minucioso, como é revisado e reescrito por aqueles que ganharam novo acesso às ferramentas de sua criação.

Historicamente é possível observar que a tecnologia atual não foi criada com o intuito de substituir a tecnologia anterior, mas sim de agregar e ressignificar as tecnologias passadas. Levy (1993, p. 129) apresenta os três ciclos das revoluções tecnológicas, de forma a demonstrar que não houve desaparecimento da tecnologia anterior, mas a ampliação e reconfiguração para o contexto da época. O autor não os chama de ciclos, mas intitula-os de polos do espírito:

Tabela 2.6.2.1 – Os três polos do espírito (quadro recapitulativo) Polo da oralidade

primária da escrita Polo Polo informático / mediático Figuras

do tempo Círculos Linhas Segmentos, pontos

Dinâmica cronológica

- Horizonte do eterno retorno. - Devir sem referencial nem vestígio.

- História na perspectiva de uma realização.

- Vestígios, acumulação.

- Velocidade pura sem horizonte. - Pluralidade de devires imediatos) a dinâmica fundamental do polo informático-mediático permanece parcialmente indeterminada. Referencial temporal da ação e de seus efeitos - Inscrição em uma continuidade imemorial. - Imediatez.

- Retardo, ato de deferir. - Inscrição no tempo, com todos os riscos que isto implica.

- Tempo real.

- A imediatez estendeu seu campo de ação e de retroação à medida da rede informático- mediática. Pragmática da comunicação Os parceiros da comunicação encontram-se mergulhadores nas mesmas circunstâncias e compartilham hipertextos próximos.

A distância entre os hipertextos do autor e do leitor pode ser muito grande. Disto resulta uma pressão em direção a universalidade e à objetividade por parte do emissor, assim como a necessidade de uma atividade interpretativa explícita por parte do receptor.

Conectados à rede informático-mediática, os atores da

comunicação dividem cada vez mais um mesmo hipertexto. A pressão em direção a objetividade e à universalidade diminui, as mensagens são cada vez menos produzidas de forma a durarem. Distância do indivíduo em relação à memória social A memória encontra-se encarnada em pessoas vivas e em grupos atuantes.

A memória está semi- objetivada no escrito: - possibilidade de uma crítica ligada a uma separação parcial do indivíduo e do saber; - exigência de verdade ligada à identificação parcial do indivíduo e do saber.

A memória social (em permanente

transformação) encontra- se quase que totalmente objetivada em dispositivos técnicos: declínio da verdade e da crítica. Formas canônicas do saber - Narrativa. - Rito. - Teoria (explicação, fundação, exposição, sistemática). - Interpretação. - Modelização operacional ou de previsão. - Simulação. Critérios dominantes - Permanência ou conservação. - Significação (com toda a dimensão emocional deste termo).

Verdade, de acordo com a modalidade da: - críticas; - objetividade; - universalidade. - Eficácia. - Pertinência local. - Mudanças, novidade.

FONTE:LEVY, P. As tecnologias da inteligência. 1993

Levy (1993) utiliza o termo “polo” ao invés de “era”, como é comumente usado por alguns autores, pois os polos de oralidade primária, da escrita e da informática não correspondem de forma simples a épocas determinadas. Os polos estão presentes a cada

instante e a cada lugar com intensidade variável, sendo que há um contexto diferente a cada surgimento na história. É possível que cada uma das tecnologias - a linguagem falada; a linguagem escrita e a linguagem digital - sejam ressignificadas cada vez que sejam utilizadas nos respectivos polos da oralidade, da escrita e da informática.

Leffa (2003, p. 234) sugere incorporar à ideia dos ciclos que se repetem a ideia de evolução na educação, especialmente no ensino de línguas. Entretanto, o autor sugere que o movimento não seja parecido como o de um pêndulo, que vai para frente e volta para o mesmo lugar, mas sim um movimento de espiral, onde o retorno não se dá exatamente no ponto de partida, mas em um ponto que vai gradativamente se afastando do ponto inicial. O que era retorno transforma-se em evolução. Nessa visão proposta por Leffa (2003, p. 235), a evolução é descrita como um processo de transformação; o novo não substitui o antigo, mas é incorporado a ele. E é nessa perspectiva também que se delineiam as grandes tendências do ensino de línguas no século XXI: na ideia de convergência.

Nosso corpo biológico também já é configurado nesse contexto de adaptação às mudanças ocasionadas pelas revoluções tecnológicas, ou seja, nosso corpo também converge quando é preciso. O nosso cérebro é capaz de aprender de formas diferentes, conforme a mudanças em nossas vidas. Este fenômeno adaptativo da mente, conforme descreve Rushkoff (2010, p.35), recebe o nome de neuroplasticidade. A forma em que um cérebro aprende lendo textos é diferente da forma que este mesmo cérebro aprende pela oralidade, assim como a geração nascida no ciclo digital já tem hábitos diferentes na atenção e leitura, os quais são fragmentados e desenvolvidos em meio a multitarefas. Essa adequação é a neuroplasticidade em ação.

Entender os efeitos das revoluções tecnológicas na sociedade é fundamental para nossa evolução, não observadas do ponto apocalíptico (ECO, 1964) de que uma nova tecnologia substitui a anterior, mas sim por meio dos ciclos tecnológicos, que as mostram como sistemas que se conectam e interfaceiam. Isso faz com que seja possível compreender também como as pessoas aprendem em cada período de mudança.

“Mas os ciclos têm ficado restritos ao nosso chá por aqui, Alice”, contou o Chapeleiro com um tom de tristeza, “quando a Rainha Vermelha descobriu que a curiosidade era a engrenagem dos ciclos tecnológicos e que estes traziam mudanças para nossas vidas, ela deu um salto e vociferou: ‘Matem a curiosidade! Cortem-lhe a cabeça!’”

“Mas que enorme grosseria!”, exclamou Alice. “E desde então”, prosseguiu o Chapeleiro num tom melancólico, “os ciclos ficaram parados e não se tem mais inovação por aqui. Agora são seis horas o dia todo”. E foi aí que Alice compreendeu muita coisa: “É por isso que há tanta louça na mesa?”, perguntou. “É sim, pois é sempre hora do chá e não temos tempo de lavar a louça”, disse o Chapeleiro com um suspiro. “Por isso trocam de lugar ao redor da mesa?”, indagou a professora. “Isso mesmo”, disse o Chapeleiro, “conforme a louça vai ficando suja”.

E ainda tomada pela curiosidade, Alice arriscou-se a perguntar: “Mas o que acontece quando chegam ao ponto de partida?”. “Que tal mudarmos de assunto?”, interrompeu a Lebre de Março bocejando. “Estou cansada disso. Proponho que a jovem nos conte uma história”.

“Receio não saber nenhuma”, disse Alice um tanto intimidada pela proposta. “Então é a vez do Bicho-Preguiça!”, ambos loucos gritaram. “Acorde, Bicho-Preguiça” e o beliscaram dos dois lados de uma vez. O Bicho-Preguiça abriu os olhos devagar. “Eu não estava dormindo”, disse numa voz ainda rouca. “Conte-nos uma história, por favor”, implorou Alice. O Bicho-Preguiça depois de um longo bocejo, disse: “Vou cantar uma linda canção, então”.

Mas antes mesmo que ele começasse a cantar, a professora viu o Coelho Branco passando correndo por baixo da mesa do chá. Mais que depressa, Alice saiu atrás do Coelho e quase já na saída disse: “tenho que seguir o Coelho Branco, conforme disse a mensagem. Desculpem-me”.

Sem dar nenhuma atenção a Alice, A Lebre de Março e o Chapeleiro começaram a apreciar a música que o Bicho-Preguiça começou a cantar, mesmo sem a presença da Alice:

Brilha, brilha, morceguinho! Quero ver o seu brilhinho!

Lá em cima a flutuar, uma xícara a brilhar!