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CAPÍTULO 3 O CAMPO DE CROQUET DA RAINHA

3.5 Storytelling

O ser humano estabelece ligações interpessoais através do ato de contar histórias. Contamos histórias desde que a humanidade existe, quando, antes do Google, da televisão e da Barsa, essa era a única tecnologia de transmissão e compartilhamento de conhecimentos.

Há várias formas de se narrar uma história e uma que se destaca na atualidade é o

storytelling, que está presente em várias áreas de expressão, como o cinema, televisão, literatura,

teatro e até mesmo videogames. Embora o storytelling seja bastante popular, tanto é difícil encontrar materiais formais que detalhem os conceitos e história sobre o assunto quanto também é difícil indicar uma data precisa de sua criação, mas é sabido que tem milhares de anos, já que contar histórias sempre foi uma característica do ser humano, mesmo antes de existir a linguagem escrita.

Storytelling é a palavra em inglês, que está relacionada com uma narrativa e

significa a capacidade de contar histórias relevantes. Em inglês a expressão tell a story significa "contar uma história" e o storyteller é o contador de histórias34.

Essa narrativa compreendida pelo storytelling tem sido muito utilizada também em empresas na área de marketing. Conforme demonstra a professora especialista neste assunto, Martha Terenzzo da ESPM35, “o storytelling não é apenas a arte de contar histórias, mas um

processo, uma metodologia, nos quais se utiliza uma série de técnicas para atingir um objetivo de comunicação ou mercadológico de uma determinada empresa”.

Antes de começar a preparação para contar uma história, é importante identificar os elementos imprescindíveis da história, o estilo da abordagem e em quem vai ser focada a história, ou seja, as estratégias metodológicas próprias do storytelling.

Bruno Scartozzoni36 fez um compilado com vários cases que utilizaram as várias

técnicas do storytelling para atingir seus públicos. Contudo, Scartozzoni ressalta que uma boa história costuma ser interativa, visual, ter um clímax (o ponto alto da história), ser capaz de despertar emoções, usar diálogo realista, apelar para o nível dos sentidos, ter um personagem com o qual o público se identifica, ter um conflito facilmente identificado e que é resolvido.

Martha Terenzzo da ESPM (ibidem) trata de algumas estratégias utilizadas na construção da narrativa do storytelling tais como: a jornada do herói, o uso de personas e arquétipos de Jung37, assim como as chamadas “palavras mágicas” (era uma vez, numa tarde

chuvosa de março...), dentre outras. As estratégias, segundo a professora, servem justamente

34 Definição de storytelling adaptada da Wikipedia <http://en.wikipedia.org/wiki/Storytelling>. Acessado em

fevereiro de 2014.

35 Trechos retirados do vídeo-entrevista da professora Martha Terenzzo com o título “Storytelling: de arte a

metodologia” para a HSM Education < https://www.youtube.com/watch?v=dvS_5aZmt14#t=23 >. Acessado em fevereiro 2014.

36 O compilado de links, textos e vídeos sobre storytelling encontra-se no site de Bruno Scartozzoni, um dos mais

conhecidos palestrantes sobre o assunto no Brasil < http://www.caldinas.com.br/p/storytelling-e-transmidia.html>. Acessado em fevereiro de 2014.

37 Carl Gustav Jung foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a psicologia analítica. Ele criou alguns

dos melhores conceitos psicológicos conhecidos, incluindo o arquétipo, o inconsciente coletivo, o complexo, e a sincronicidade.

para engajar a audiência ou público, pois, por trás da história há uma verdade humana, e isso leva à identificação do leitor com ela e seu consequente engajamento nessa história.

Joseph Campbell (1995), autor do livro O Herói Com Mil Faces, mostra os pontos em comum entre de dezenas de personagens de mitos e arquétipos de heróis gregos que têm a mesma trajetória, o que ele chama de mono-mito ou jornada do herói, ou seja, utilizam-se das mesmas técnicas para contar histórias no desenvolvimento da narrativa.

Figura 3.5 – Estrutura do Storytelling

Fonte: http://ed.ted.com/lessons/what-makes-a-hero-matthew-winkler

A saga do herói, de acordo com Matthew Winkler38, é um ciclo com 12 passos (ou

a volta de 12 horas de um relógio), os quais levam a jornada a começar e terminar no mundo normal do herói, mas a missão passa por um mundo especial, não conhecido. Ao longo do caminho há alguns eventos decisivos. O início de tudo se dá na situação normal, cotidiana do personagem principal (o herói) e em seguida inicia-se uma série de acontecimentos que seguem por esta ordem:

38 Esses trechos do educador Matthew Winkler foram retirados de sua apresentação em vídeo no TEDEd com o

título “What makes a hero?” <http://ed.ted.com/lessons/what-makes-a-hero-matthew-winkler>. Acessado em fevereiro de 2014

1. Chamado para uma aventura: o herói recebe uma mensagem misteriosa, que pode ser tanto um convite quanto um desafio;

2. Ajuda: o herói precisa de alguma ajuda e poderá vir de alguém mais velho, mais sábio;

3. Partida: o herói cruza o portal entre o seu lar normal e seguro e entra nesse mundo especial e na aventura;

4. Desafios: ser um herói não é um trabalho fácil, pois ele precisará solucionar enigmas, esmagar monstros, escapar de armadilhas, entre outros.

5. Abordagem: é o momento da maior provação do herói, no qual ele deve enfrentar o seu maior medo;

6. Crise: é a hora mais negra do herói, pois ele enfrenta a morte e pode até mesmo morrer, apenas para renascer.

7. Recompensa: o herói reivindica, como prêmio, algum tipo de tesouro, reconhecimento especial ou poder;

8. Desfecho: essa parte pode variar muito nas histórias, pode ser os monstros que se curvam diante do herói ou o perseguem enquanto ele foge desse mundo peculiar;

9. Retorno: depois de toda essa aventura, o herói retorna para o seu mundo normal; 10. Vida nova: essa missão mudou o herói, ele sobrepujou sua vida anterior; 11. Resolução: todas as tramas do enredo são resolvidas;

12. Situação normal: mas agora, elevada a um nível novo.

No relato em formato de storytelling desse estudo de caso aqui apresentado, a Professora Alice, a heroína da narrativa, também percorre esses dozes passos. Tudo se inicia num dia comum na escola, onde a personagem trabalha como professora de Língua Estrangeira (Inglês), na qual ela se vê na sala dos professores corrigindo provas. Em seguida os 12 passos começam a ser dados:

1. A chamado para aventura acontece quando ela recebe uma mensagem em seu celular;

3. A partida da Professora Alice acontece quando ela cai nas escadas que levam à midiateca no subsolo, lugar que Betinho a ajudou a encontrar, e acaba, metaforicamente, caindo na toca do coelho;

4. São vários desafios que a Professora Alice encontra no País das Maravilhas Tecnológicas, o que, inclusive, por vezes a deixa com raiva;

5. Abordagem é o momento em que professora encontra a Lagarta, que faz Alice ganhar consciência nova e renascer, pois a faz ligar todos os pontos de conhecimento que ela ia adquirindo durante a jornada;

6. A crise acontece quando a Professora Alice encontra a Rainha Vermelha; 7. A recompensa da nossa heroína são as possibilidades dos conhecimentos

adquiridos;

8. O desfecho é realizado quando a professora foge dos soldados da Rainha; 9. O retorno da heroína se dá quando ela acorda na sala dos professores novamente; 10. A Professora Alice percebe a vida nova durante a reunião do conselho de classe

(nas considerações finais);

11. E é no conselho de classe que Alice consegue resolver os seus dilemas iniciais, desde antes de iniciar a aventura no País das Maravilhas Tecnológicas;

12. E por fim, Alice consegue voltar ao mundo original (o status quo da escola de antes), porém vê tudo agora de forma ressignificada e ainda consegue contagiar todo o contexto em que atua.

O storytelling, portanto, é a expressão de emoções. Tanto que esse processo que há no storytelling é, como já foi visto, muito utilizado na área da publicidade para ganhar a atenção do público, pois atualmente há uma sobrecarga de informações no tempo real das pessoas, e, por isso, elas não têm tempo de prestar atenção a tudo. Então, uma das maneiras de atrair a atenção das pessoas, tanto no mundo mercadológico como em outras áreas, é por meio de coisas que elas gostam e uma das coisas de que as pessoas mais gostam, de acordo com Martha

Gabriel39, é a vivência de histórias e jogos. A atenção hoje é o bem mais valioso que se pode

ter do público conectado que vai ser registrado na audiência.

Com a reiteração desse ponto, pretendi conhecer e dar a conhecer melhor esse processo do storytelling e aplicá-lo na dissertação por compreender que é possível reinventar, em alguns casos, pelo menos, a escrita acadêmica, torná-la mais envolvente, atraente, sem perder o seu significado científico, mas que possa tanto adaptar-se como acolher os leitores/pesquisadores desses tempos em que a atenção é fragmentada e valiosa. O propósito da Academia, desta forma, deve estar focado em criar pontes entre o fazer científico construído nas universidades e a sociedade.

Uma das formas mais eficazes de criar essas pontes, como já mencionado anteriormente (sessão 3.4), é na linguagem, pois ela é o elo entre os seres humanos e quanto mais próximos da linguagem do outro chegarmos, mais elos podemos criar. Vale lembrar o que Duff (2002, p. 15) disse ao afirmar que as abordagens de pesquisa em Linguística Aplicada vêm se transformando a cada período histórico, pois tem por objetivo cada vez mais se aproximar dos participantes de pesquisa e entender melhor a sua forma de se relacionar com o mundo por meio da linguagem.