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No nosso estudo de caso, observamos que os pacientes originariamente tratados na unidade de saúde, à época, Centro Previdenciário de Niterói, eram atendidos por especialistas, apesar de, muitas vezes, poderem ser acompanhados por profissionais de Atenção Primária.

Essa situação se devia à especialização excessiva e à fragmentação do cuidado e não propiciava o atendimento integral, nem uma linha de cuidado com ênfase na continuidade.

Nossa pesquisa teve o objetivo de analisar as dificuldades encontradas no acesso e na continuidade da atenção aos pacientes, nas unidades de saúde para as quais foram contra- referenciados. Nesse sentido, cabe aprofundar os significados do termo Integralidade, visto que acesso e continuidade fazem parte desse princípio do SUS.

A lei 8.080 de 1990, em seu capítulo II, Art. 7º, inciso II, define Integralidade da assistência como:

[...] um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema (BRASIL, 1990a) .

Mattos sugere organizar o princípio da integralidade em três grandes conjuntos de sentidos: o primeiro se refere a atributos das práticas dos profissionais de saúde, o segundo diz respeito à característica da organização dos serviços, e o terceiro aplica-se às respostas dos governos aos problemas de saúde da população ou às necessidades de certos grupos específicos. Assim:

[...] a integralidade emerge como princípio de organização contínua do processo de trabalho nos serviços de saúde, que se caracterizaria pela busca também contínua de ampliar as possibilidades de apreensão das necessidades de saúde de um grupo populacional (MATTOS, 2001, p. 57).

Seguindo a maneira de Mattos compreender “Integralidade”, pretendemos utilizar os sentidos relacionados à organização dos serviços e à prática dos profissionais de saúde. A essa maneira de ver, pretendemos agregar, ainda, as contribuições de outros autores, a fim de analisar acesso, referência, integração e continuidade do cuidado.

Pinheiro assinala que muitos dos conceitos do campo das políticas de saúde, quando colocados em prática, revelam limites para a sua efetivação no tocante à sua eficácia social. Essa autora destaca:

[...] tais limites podem ser percebidos no processo organizativo das instituições que integram o sistema de saúde e que são constitutivos da categoria oferta de serviços de saúde, por conseguinte também importante para discutir a integralidade, entre os quais destacamos os seguintes: a organização do atendimento, o uso dos serviços, referência e contra- referência e níveis de atenção (PINHEIRO, 2001, p. 70) (grifos da autora).

Em relação à compreensão dos sentidos da Integralidade, destacamos a importância das contribuições do Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS). Nele, os debates sistematizaram os sentidos em uso da integralidade e incorporaram novos sentidos (MATTOS, 2002; PINHEIRO, 2003).

Para Giovanella,

[...] no Brasil, a integralidade da atenção é um dos seus pilares de construção, baseada na articulação das ações de prevenção, promoção e recuperação; garantia de atenção nos três níveis de complexidade; conforme as necessidades de indivíduos e coletividades (GIOVANELLA, 2002, p. 46).

Hartz aborda a Integralidade no sentido da integração dos serviços de saúde:

O conceito de integralidade remete, portanto, obrigatoriamente, ao de integração de serviços por meio de redes assistenciais, reconhecendo a interdependência dos atores e organizações, em face da constatação de que nenhuma delas dispõe da totalidade dos recursos e competências necessários para a solução dos problemas de saúde de uma população em seus diversos ciclos de vida. (HARTZ e CONTANDRIOPOULOS, 2004, p.S331).

Tendo em vista a polissemia do termo – apontada por Mattos –, Silva Júnior e Mascarenhas (2004, p.242) resolveram aprofundar o significado de Integralidade e adotaram para esse termo o sentido das práticas profissionais de saúde e da organização de serviço. E, sugeriram avaliar a integralidade do cuidado por meio dos conceitos de acolhimento, vínculo/responsabilização e qualidade da atenção à saúde.

Para esses autores, acolhimento incluiria as noções de acesso, referência, capacidade de escuta e percepção das demandas e seus contextos biopsicossociais. Incluiria, ainda, a discriminação de riscos e a coordenação de um trabalho de equipes multiprofissionais, numa perspectiva interdisciplinar, e, por fim, um dispositivo de gestão para ordenamento dos serviços oferecidos.

Vínculo e responsabilização englobariam não só a noção de longitudinalidade, mas a instituição de referências terapêuticas e a responsabilidade do profissional, ou da equipe, de

articular ações e de encaminhar pessoas aos outros recursos disponíveis, com vistas à resolução dos problemas de saúde da população.

A qualidade da atenção à saúde pressupõe a referência a um modelo idealizado que leva em conta um conjunto articulado de ações, com efetividade comprovada em determinadas situações de saúde e doença.

Para Giovanella,

[...] a integração, coordenação e continuidade são processos inter- relacionados e interdependentes que se expressam em vários âmbitos: sistema, atuação profissional e experiência do paciente ao ser cuidado (GIOVANELLA, 2009, p. 784).

Dentre as proposições de Silva Júnior e Mascarenhas para a compreensão da Integralidade, destacamos as noções de acesso, de discriminação de riscos, de um dispositivo de gestão para ordenamento dos serviços oferecidos, da instituição de referências terapêuticas, e da longitudinalidade (grifos nossos).

Para entendermos melhor os conceitos de Longitudinalidade e Continuidade do

Cuidado, utilizamos o artigo de revisão bibliográfica sobre esses termos, de Cunha e

Giovanella (2011). No texto, as autoras destacam não ser o termo Longitudinalidade habitual na literatura brasileira e que os artigos internacionais utilizam o termo Continuidade do

Cuidado com sentido semelhante.

As autoras ressaltam, porém, que apesar da semelhança entre os termos, algumas de suas dimensões não coincidem totalmente. E cita Starfield, para quem Longitudinalidade8 se relaciona ao acompanhamento do paciente ao longo do tempo por médico generalista ou equipe de APS, independentemente do tipo de problemas de saúde. Nesse contexto, a relação terapêutica se caracteriza por responsabilidade, por parte do profissional de saúde, e por confiança, por parte do paciente (STARFIELD, 2002, p. 248).

Para Starfield, a Continuidade do Cuidado se relaciona a um problema de saúde específico e à sucessão de eventos entre uma consulta e outra; inclui os mecanismos de transferência de informação, para subsidiar decisões com relação ao tratamento do paciente; e não implica o estabelecimento de uma relação terapêutica ao longo do tempo (STARFIELD, 2002, p. 249).

No artigo de revisão, Cunha e Giovanella citam outros autores que também diferenciam esses termos. De modo semelhante a Starfield, Pastor-Sánchez et al. compreendem a longitudinalidade como o acompanhamento dos distintos problemas de saúde por um mesmo médico, e a continuidade do cuidado como o acompanhamento, por um mesmo médico ou não, de um problema específico do paciente (PASTOR-SÁNCHEZ et al., 1997, apud Cunha e Giovanella, 2011, p. 1030).

Nessa pesquisa, vamos utilizar o conceito de Continuidade do Cuidado citado por Starfield e Pastor-Sánchez et al.: o acompanhamento, por um mesmo médico ou não, de um problema específico do paciente, nas unidades de saúde para as quais os pacientes foram encaminhados.

Em relação ao termo “Cuidado”, utilizamos a contribuição de Silva Junior, Alves & Alves (2005), que no artigo: “Entre Tramas e Redes: Cuidado e Integralidade”, aprofundam o significado do termo. Para tanto, valem-se da visão de Boff, que cita os clássicos dicionários de filologia, segundo os quais, a palavra “cuidado” deriva do latim cura:

Em sua forma mais antiga, cura em latim se escrevia coera e era usada num contexto de relações de amor e de amizade. Expressava a atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por um objeto de estimação (BOFF, 1999, p.91).

E aindaBoff:

Cuidar das coisas implica ter intimidade, senti-las dentro, acolhê-las, respeitá-las, dar-lhes sossego e repouso. Cuidar é entrar em sintonia com, auscultar-lhes o ritmo e afinar-se com ele. [...] A centralidade não é mais ocupada pelo logos-razão, mas pelo pathos-sentimento (BOFF, 1999, p.96).

No mesmo artigo, Silva Junior, Alves & Alves (2005) discutem a Integralidade na atenção à saúde e destacam a organização de malhas de cuidado ininterrupto e progressivo. E acentuam a necessidade de negociações e pactuações no âmbito da gestão e do cuidado, para garantir os fluxos efetivos dos pacientes na busca de recursos para solução de seus problemas nos diversos níveis de atenção (grifos nossos).

No tocante à construção de Redes de Cuidados, os autores salientam

[...] a necessidade da sensibilização das equipes que trabalham nos serviços de referência às unidades básicas de saúde ou módulos de saúde da família, quanto ao acolhimento, o estabelecimento de vínculos e a responsabilização para com os usuários (SILVA JÚNIOR; ALVES & ALVES, 2005, p. 85).

Entre os vários aspectos do termo “Integralidade”, nós nos concentraremos naquele que diz respeito à organização dos serviços e à prática dos profissionais de saúde. E, de modo específico, à análise do acesso e da continuidade do cuidado aos pacientes com Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus contrarreferenciados do HMCT para outras unidades de saúde da rede municipal de Niterói.

Quanto à análise do Acesso, começamos pela definição dessa palavra do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: “ato de ingressar, entrada, possibilidade de chegar a”. Quanto aos pacientes encaminhados do Hospital Municipal Carlos Tortelly para outras unidades de saúde de menor complexidade da rede municipal de Niterói, um dos nossos objetivos foi analisar a entrada na outra Unidade de Saúde, e a possibilidade de terem esses pacientes uma consulta na unidade referenciada.

Para especificar a dimensão do “Acesso” usada na pesquisa, utilizamos um artigo de Jesus & Assis (2010) que fazem uma revisão e análise dos conceitos de acesso aos serviços de saúde, com a intenção de estabelecer ligações entre a discussão teórica e a prática do planejamento no campo da saúde coletiva.

Nesse artigo, os autores relacionaram a definição da palavra acesso do dicionário Houaiss com os serviços de saúde, e a entenderam

[...] como “porta de entrada”, como o local de acolhimento do usuário no momento de expressão de sua necessidade e, de certa forma, os caminhos percorridos por ele no sistema na busca da resolução dessa necessidade (JESUS & ASSIS, 2010, p. 162).

Jesus & Assis (2010) aprofundaram o modelo analítico desenvolvido por Giovanella e Fleury, em 1996, e ampliado por Assis et al., em 2003. E o complementaram com uma interpretação, para a qual se utilizaram do referencial teórico de Santos e Albuquerque, e apresentaram uma síntese das “dimensões analíticas da categoria acesso aos serviços de

saúde”, as dimensões econômica, técnica, política e simbólica.

A dimensão econômica diz respeito à relação entre oferta e demanda; a dimensão

técnica se relaciona a organização, regionalização, hierarquização, definição de fluxos,

qualidade, resolubilidadade dos serviços de saúde; a dimensão política se refere a políticas de saúde, conformação histórica do modelo de atenção à saúde e a dimensão simbólica inclui, dentre outras, as representações sociais do processo saúde-doença e da forma como o sistema de saúde se organiza para atender às necessidades das pessoas (JESUS & ASSIS, 2010, p. 164).

Em relação à análise do Acesso, em nossa pesquisa, inicialmente demos primazia à

dimensão técnica, que abarca o aspecto da organização e da definição dos fluxos.

Constatamos, no entanto, que todas as dimensões se relacionam, influenciam na atenção à saúde oferecida nas unidades de saúde, estão presentes nas discussões das dificuldades enfrentadas pelos pacientes nas unidades para as quais foram encaminhados.