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3.1 Os direitos da criança na família 3.1.1 Uma análise a partir da CDC

Como já foi referido anteriormente, antes do século XVII, a criança era vista como algo insignificante, tendo pouca importância para a família. Nos últimos séculos tem- se batalhado para entender a criança enquanto sujeito de direitos na família e na sociedade. Assim, no início do séc. XX as crianças vêem, finalmente, os seus direitos proclamados, um pouco por todo o mundo, com o aparecimento da Declaração de Genebra (1923), que corresponde à 1ª Declaração de princípios que salvaguarda os direitos da criança. Posteriormente a Declaração Universal dos Direitos das Criança (1959) ampliou a natureza dos direitos de provisão e de protecção das crianças. Anos mais tarde assistimos à proclamação da Convenção dos Direitos da Criança (CDC) em 1989. A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990).

Na origem desta Convenção existiu uma preocupação da comunidade internacional sobre as situações de risco em que muitas crianças viviam. Desta forma, as Nações Unidas têm feito esforços concertados, através dos seus variados instrumentos, para proteger e promover o bem-estar da criança na sociedade. A Convenção dos Direitos da Criança é sem dúvida a Convenção de Direitos Humanos mais ratificada da História, reconhecendo a vulnerabilidade excepcional da criança e proclamado que a infância deve ser objecto de cuidados e assistência especiais.

O preâmbulo assim como vários artigos acentuam a importância da família e a necessidade de um ambiente propício ao crescimento e desenvolvimento saudável da criança, dos quais gostaríamos de destacar:

O Artigo 5

“Os Estados Partes respeitam as responsabilidades, direitos e deveres dos pais e, sendo caso disso, dos membros da família

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alargada ou da comunidade nos termos dos costumes locais, dos representantes legais ou de outras pessoas que tenham a criança legalmente a seu cargo, de assegurar à criança, de forma compatível com o desenvolvimento das suas capacidades, a orientação e os conselhos adequado são exercício dos direitos que lhe são reconhecidos pela presente Convenção”

O Artigo 7

“1 - A criança é registada imediatamente após o nascimento e tem desde o nascimento o direito a um nome, o direito a adquirir uma nacionalidade e, sempre que possível, o direito de conhecer os seus pais e de ser educada por eles

O Artigo 9

“1 -Os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada

E o Artigo 18

“1 - Os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental”

Deste modo, toda a criança deve ter direito a um lar e a um acompanhamento familiar. As crianças desprovidas de um meio familiar ou a viver em situações

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degradantes devem ter a protecção do Estado através da adopção ou de medidas de acolhimento familiar. Este meio familiar não é um meio qualquer. É um meio onde possam ser asseguradas as necessidades físicas emocionais e afectivas de cada criança.

Neste sentido, a Convenção pode ser considera um documento que incorpora uma nova visão acerca da individualidade da criança, dos seus direitos, que poderemos agrupar em três categorias (Hammarberg, 1990): – Direitos de Provisão (e.g. direitos básicos de sobrevivência, saúde, vida familiar, educação), Direitos de Protecção (e.g. direitos acrescidos às crianças vítimas de maus tratos, exploração, abuso sexual) e Direitos de Participação (e.g. direitos de opinião, civis, nome, identidade, direito à informação e direito a emitir a sua opinião nos processos que lhe dizem respeito).

O principal enfoque do direito da participação é, precisamente no sentido de atribuir um papel activo, fortalecendo deste modo o empowerment e a reivindicação de direitos para a igualdade.

Importa fazer, ainda, referência ao 12º Artigo da CDC, uma vez que este se refere à participação, o direito das crianças a participarem no seu próprio projecto de vida, atendendo às suas respectivas capacidades/autonomia:

Artigo 12º - os Estados Partes garantem à criança com a capacidade de discernimento, o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.

Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo de legislação nacional.

Desta forma, foi sendo construída uma nova imagem da infância que considera a criança, não apenas como alguém vulnerável, que necessita de protecção, mas sim como um membro activo da sociedade, “que tem direito ao respeito da sua dignidade

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humana como um ser humano autónomo” (Karp, 1999, cit. in Phillips & Alderson, 2003, p.178).

No entanto, e na verdade, como afirma Giovanni Sgritta (1997, cit. in Sarmento & Pinto, p.18) “as desigualdades e a discriminação contra as crianças não apenas não acabaram nestes anos em que a Convenção foi aclamada por muitos países como um novo signo de civilização e de progresso, como estão actualmente em crescimento”. A importância dada à infância parece ter, segundo Sarmento & Pinto (1997) uma relação proporcional ao seu peso demográfico. Desta forma, é nos países ocidentais que melhor se verifica este efeito, gerado pelo aumento da esperança de vida e pela regressão da taxa de fecundidade.

Geralmente observamos que o nível de desenvolvimento económico de um país está directamente relacionado, de uma forma positiva, com a satisfação dos direitos básicos. Mas nem sempre esta situação ocorre porque é em alguns países com maiores índices de desenvolvimento económico que se encontram maiores discriminações e desigualdades.

Quando comparamos grupos etários e as suas características (em análise estatística comparada em Portugal e no mundo), constatamos que é na infância que encontramos maior percentagem de pobres (Sarmento, 2003a). A infância é o grupo mais vulnerável a situações de fome, epidemias, cataclismos naturais e guerra (Annan, 2001, cit. in Sarmento, 2003a, p.75).

Acresce a estes factores específicos de vulnerabilidade, o facto de despontarem formas emergentes e em desenvolvimento de restrição grave de direitos que configuram situações de exclusão da infância: o incremento de trabalho infantil e de novas formas de exploração, associadas à globalização hegemónica e à deslocalização de indústrias de mão-de-obra pouco qualificada e intensiva para países periféricos e para regiões periferializadas de países centrais e semiperiféricos; o desenvolvimento de redes pedófilas, através do aproveitamento, nomeadamente, das tecnologias de informação e comunicação, mas não apenas, também através do incremento do turismo sexual associado à pedofilia; e ainda o tráfico de crianças, seja no âmbito das actividades acima descritas, seja ainda como trabalho escravo. Estas actividades, e ainda o envolvimento de crianças em exércitos regulares ou

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mercenários constituem incondicionais formas extremas de exploração das crianças e trabalho infantil e revestem-se de uma profunda gravidade, tanto maior quanto se acentuam os sinais da sua intensificação (Sarmento, 2002, cit. in Sarmento, 2003a, p.75).

Finalmente, gostaríamos e rematar esta reflexão com a ideia defendida por Mortier (cit. in Phillips & Alderson, 2003, p.179) que a propósito da emergência e consolidação da ideia da criança como sujeito de direitos refere que “algumas diferenças entre as crianças e os adultos são moralmente significantes”. Esta afirmação vem no sentido de defender que as crianças têm menos poder que os adultos, são mais vulneráveis e dependentes.

3.2 - A ausência de direitos da criança na família