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3 OS DIREITOS SOCIAIS E O MERCADO INTERNO

No documento DIREITO DO TRABALHO CONTEMPORÂNEO (páginas 87-91)

O Capitalismo é um sistema econômico e uma ideologia baseada na propriedade privada dos meios de produção, na busca constante pelo lucro e na acumulação de capital, que se manifesta na forma de bens e dinheiro. Esse tipo de sistema consome os recursos naturais do planeta, degradando o meio ambiente e explorando ao máximo o trabalhador por meio da sua força física e intelectual. Para conter essa busca desenfreada de tirar vantagem a qualquer preço, inclusive ao custo da vida humana, é que se faz necessário inserir os Direitos Sociais nesse sistema, tornando este socialmente responsável.

Os Direitos Sociais são direitos que pretendem garantir aos indivíduos o exercício e o usufruto dos direitos fundamentais em condições de igualdade, para que tenham uma vida digna, por meio da proteção e garantias promovidas pelo Estado de Direito. Eles se encontram no preâmbulo do texto constitucional brasileiro, artigo 1º (Dos Princípios Fundamentais), artigo 5º, XXIII (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) e artigos 6º, 7º ao 11 (Dos Direitos Sociais), sendo considerados cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988.

Souto Maior afirma que os Direitos Sociais são “uma regra de caráter transcendental, que impõe valores à sociedade, e, consequentemente, a todo o ordenamento jurídico”. E, portanto, essa imposição de valores serve tanto para o Estado, quanto aos cidadãos, nas suas relações intersubjetivas.12

As empresas têm obrigações de natureza social devido ao próprio sistema capitalista lhes permitir o lucro por meio da exploração do trabalho. Assim, devem cumprir com as regras estabelecidas pelo projeto constitucional.

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Contudo, na realidade, as empresas nacionais têm desrespeitado essas regras, cometendo subcontratações, falências fraudulentas, estratégias de fragilização do empregado - como transformação do trabalhador em pessoa jurídica, justas causas forjadas, falta de registro, dispensas sem pagamento de verbas rescindidas, o não pagamento das horas extras -, causando um prejuízo não apenas ao trabalhador, mas a toda estrutura social. Sem falar na repercussão no desenvolvimento econômico do país, em que há uma redução do mercado interno, beneficiando apenas as empresas multinacionais, que exportam seus produtos para o exterior.

As pequenas e médias empresas e os trabalhadores são os mais prejudicados quando há a prática do Dumping Social. Aquelas entendem que são os encargos sociais que as fazem falir, sem suspeitar que é a concorrência desleal de certas empresas que causam esse resultado.

O próprio Estado brasileiro utiliza-se dessa estratégia, como nas licitações pelo menor custo para construção de obras, contratação de pessoas sem concurso público, tendo como resultado a redução dos custos, porém sem garantia de serviço com qualidade. As obras públicas dessa licitação como pontes, estradas, ruas, túneis, são construídas à custa do sacrifício dos direitos sociais subtraídos.13

Os danos causados pelo dumping social também impõem custos públicos à manutenção do judiciário trabalhista, além de sobrecarrega-lo com decisões repetitivas de violações praticadas pelas mesmas empresas.

Por sua vez, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, tem como objetivo prevenir e repreender as infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do

poder econômico.14

O desrespeito aos direitos trabalhistas é considerado um crime pelo CADE, nesse sentido, o artigo 36 da Lei 12.529/2011 prescreve que:

13 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MOREIRA, Ranúlio Mendes; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2ª Ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 37.

14 CADE. Histórico do Cade. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/historico-do-cade > Acesso em 2/5/2019.

Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

Essas diretrizes vão contra as práticas do dumping social. Configurada a fraude aos direitos trabalhistas, como o não pagamento da sobrejornada, a não concessão de férias, ou a não quitação de décimos terceiros salários, entre outros, de modo reiterado, e sendo essa a causa do aumento do lucro de uma empresa, seguramente caracterizará a prática de concorrência desleal, exercendo de modo abusivo uma posição dominante no mercado interno.

Não obstante esses apontamentos, os quais se considerou pertinente destacar, o fato é que tem havido muito descumprimento aos direitos do trabalhador. Não são poucos os relatos de trabalhadores submetidos a condições semelhantes às de escravo, inclusive no ambiente urbano, como acontece na indústria têxtil, numa perversa articulação da superexploração da sua mão de obra. Também não são poucas as constatações das condições de trabalho extremamente precárias, sem o mínimo de respeito à saúde e à segurança laborais, com meio ambientes de trabalho que levam ao adoecimento e a acidentes, muitas vezes fatais. Tal trabalho exercido de forma degradante pode inclusive ser considerado como moderna forma de escravidão.

Aprofundando essa preocupante realidade, relata-se o fato ocorrido em 2018, em Minas Gerais, na qual constatou-se que seis trabalhadores da Fazenda Cedro II se encontravam em condições análogas à escravidão. Alguns deles chegavam a trabalhar de 6h às 23h e dormiam em alojamentos com condições precárias de higiene. Os trabalhadores não tinham banheiro adequado e nem cozinha para preparar as suas refeições.

As empresas compradoras do produtor de café eram a Nespresso, marca controlada pela Nestlé, e a Starbucks. A decisão de suspender a compra do café da Fazenda Cedro II pelas empresas multinacionais aconteceu somente depois da

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publicação do cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à escravidão.15

A “lista suja do trabalho escravo” equivale a um cadastro contendo a relação dos nomes dos empregadores que mantém trabalhadores em condições análogas às de escravo. Observa-se que o referido cadastro se apresenta como um instrumento consentâneo com os ditames legais e constitucionais, não produzindo nenhuma punição para aqueles que figuram na listagem de que ele trata. E por meio dele não se pode deixar de reconhecer sua importância, uma vez que é ele que dá publicidade aos nomes dos empregadores dessa prática que representa uma afronta à dignidade humana dos trabalhadores.16

O caso da prática de dumping social pela Trifil é mais um exemplo que demonstra o descaso das empresas quanto ao cumprimento de normas técnicas e das legislações trabalhistas. A fabricante de moda íntima Trifil foi condenada em quatro milhões de reais por dumping social. Foram constatados mais de trezentos acidentes em dez anos, sendo que um deles causou a morte de um trabalhador ao ser sugado por uma máquina de tintura, em setembro do ano 2013.

A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público do Trabalho na Bahia após investigações iniciadas em 2006. A procuradora do trabalho, Cláudia Soares, ressaltou que essa condenação servirá de alerta para outras empresas que estejam precarizando os direitos laborais com a finalidade de reduzir custos da produção. A indenização por dano moral foi a de maior valor para essa prática já aplicada no Estado da Bahia. 17

Outro caso emblemático, porém, do ano de 2010, é a condenação da Companhia Vale do Rio Doce a pagar a maior indenização por dumping social: duzentos milhões de reais. O motivo foi a não inclusão de horas de deslocamento –

15 REPÓRTER BRASIL Nespresso e Starbucks compraram café de fazenda flagrada com trabalho escravo. Disponível em: < https://reporterbrasil.org.br/2019/04/nespresso-e-starbucks-compraram-cafe-de-fazenda-flagrada-com-trabalho-escravo/ > Acesso em 2/05/2019.

16 LIMA, Carlos Eduardo de Azevedo. Vulnerabilidade laboral e os Direitos Humanos na seara trabalhista. Dissertação apresentada no Programa de pós-graduação Stricto Sensu da Universidade Católica de Brasília, sob a orientação do professor José Eduardo Sabo Paes. Brasília, 2016, p. 49.

17 TRT 5ª Região. Trifil é condenada a pagar R$ 4 milhões por dumping social em Itabuna. Disponível em: < https://www.trt5.jus.br/node/24712 > Acesso em: 2/05/2019.

horas in itinere – na jornada de trabalho de seus empregados e terceirizados que atuam nas minas de Carajás (PA).

Segundo o processo, um trabalhador gastava em média duas horas e vinte minutos por dia para ir e vir à principal mina de Carajás. Considerando que a jornada praticada nas minas obedece ao regime de seis dias de trabalho por dois de descanso, o percurso geraria um total de 52 horas por mês de deslocamento.

Para o juiz trabalhista, como se tratava de um local de difícil acesso, que não era servido por transporte público regular, o deslocamento dos quase vinte mil empregados diretos e terceirizados das minas era realizado pelo transporte da própria empresa, o que configurou o pagamento das horas in itinere.18

Em contrapartida, as situações de crise econômica, com a reduzida oferta de novos e bons empregos, contribuem para que o trabalhador fique em condição de vulnerabilidade, submetendo-se às propostas de emprego precárias e irregulares por necessidade da própria subsistência e de sua família. Não seria outro o motivo para aceitar condições aviltantes à dignidade humana.

Obviamente que as situações descritas aqui foram trazidas como forma de ilustração, entre diversas outras que poderiam ser mencionadas. No entanto, os verdadeiros responsáveis por qualquer ilicitude são aqueles que estão correlacionados à exploração da atividade econômica, descumprindo as leis trabalhistas, como modo de possibilitar a majoração do lucro e de levar vantagem sobre a concorrência.

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