• Nenhum resultado encontrado

Os documentos legais e o espaço escolar da primeira infância

Analisamos alguns documentos legais elaborados como forma de garantir um espaço adequado como um direito da criança institucionalizada, a partir da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (LDB) de 1996, quando a Educação Infantil se constitui como parte da

Educação Básica, empregando sempre a versão mais atualizada.

No texto da LDB de 1996 (BRASIL, 1996), a importância de um espaço adequado para o atendimento infantil não comparece. O espaço educacional é mencionado com o uso de outras palavras, no entanto, a lei pouco se refere à questão da qualidade da estrutura.

O documento afirma que, embora a lei compreenda a educação de forma mais abrangente, trata predominantemente do ensino em instituições próprias, ou seja, nas escolas regulares. Posteriormente, cita a qualidade do ensino associada ao número de criança por turma e subsídios necessários, todavia, não relaciona ao tamanho do espaço físico da escola à quantidade de crianças, nem as condições da infraestrutura aos subsídios necessários. Esclarece que a Educação Infantil é de responsabilidade dos municípios, o que a prejudica muito, em relação aos investimentos financeiros, pois, para Palma Filho (informação verbal)9,

muitos municípios se mantêm de recursos dos Estados e da União.

No que se relaciona aos recursos, o espaço educacional é enfocado de duas maneiras diferentes:

Art. 70º. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:

II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;

III - uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;

Art. 71º. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:

V - obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar [...]

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) constituem um documento de caráter mandatório, com primeira versão homologada em 1999 e última revisão, em 2009. Nesta análise, utilizamos o parecer homologado CNE/CEB nº 20/2009, que traz um texto mais denso, detalhado e atualizado sobre o panorama da Educação Infantil.

9 Afirmação expressão longo das aulas dos dias 20 e 21 de janeiro de 2015, na Disciplina denominada “Políticas

Nesse documento, a palavra espaço aparece mais de trinta vezes, a princípio como forma de definir a Educação Infantil como aquela executada em espaço de vivência coletiva institucionalizada, diferente da doméstica, para crianças de zero a cinco anos. O termo espaço também surge como sinônimo do termo ambiente e vice-versa.

O documento apresenta a preocupação e a necessidade de um espaço como parte do currículo e adequado para as crianças pequenas. Entre as preocupações citadas, constam as com relação: à disponibilidade de um espaço interno e externo adequado para a movimentação das crianças; à limpeza, ventilação, iluminação; à quantidade de criança em adequação ao tamanho da sala de aula; à acessibilidade de materiais; à facilidade de interação entre as crianças; à adequação as crianças com necessidades educativas especiais. O parecer homologado CNE/CEB nº 20/2009, afirma:

O conhecimento científico hoje disponível autoriza a visão de que desde o nascimento a criança busca atribuir significado a sua experiência e nesse processo volta-se para conhecer o mundo material e social, ampliando gradativamente o campo de sua curiosidade e inquietações, mediada pelas orientações, materiais, espaços e tempos que organizam as situações de aprendizagem e pelas explicações e significados a que ela tem acesso. (BRASIL, 2009, p. 7, grifo nosso).

O documento menciona a preocupação com um espaço propício, no artigo nº 8, inciso 1:

VI - os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaços internos e externos às salas de referência das turmas e à instituição;

VII - a acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos e instruções para as crianças com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação [...] (BRASIL, 2009, p.20).

Uma década depois da LDB, em 2006, foi publicado o documento “Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito da criança de zero a seis anos à Educação”. Nele, a garantia de um espaço adequado comparece em um dos objetivos da Educação Infantil: “Garantir espaços físicos, equipamentos, brinquedos e materiais adequados nas instituições de Educação Infantil, considerando as necessidades educacionais especiais e a diversidade cultural” (BRASIL, 2006, p.19). Das quatorze metas apresentadas, três se referem à infraestrutura das escolas de Educação Infantil, em termos de adaptar as existentes, analisar as que pretendem abrir, divulgar os padrões mínimos de qualidade:

 espaço interno, com iluminação, insolação, ventilação, visão para o

espaço externo, rede elétrica e segurança, água potável, esgotamento sanitário;

 instalações sanitárias e para a higiene pessoal das crianças;  instalações para preparo e/ou serviço de alimentação;

 ambiente interno e externo para o desenvolvimento das atividades,

conforme as diretrizes curriculares e a metodologia da Educação Infantil, incluindo o repouso, a expressão livre, o movimento e o brinquedo;

 mobiliário, equipamentos e materiais pedagógicos;

 adequação às características das crianças com necessidades educacionais

especiais. (p. 21-22).

Por fim, as estratégias abordam, em cinco tópicos, o tema espaço, focalizando principalmente o financiamento, a necessidade de apoiar municípios e o Distrito Federal, para garantir os padrões mínimos e a aquisição de mobiliários e materiais. Destaca-se a sugestão de elaborar padrões de acordo com a infraestrutura da região.

O primeiro volume dos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação

Infantil (2006) menciona o espaço escolar como um direito da criança: “A criança, parte de

uma sociedade, vivendo em nosso país, tem direito: [...] a espaços, tempos e materiais específicos.”

O segundo volume, ao tratar das competências dos sistemas de ensino em nível municipal, considera a questão da acessibilidade e dos materiais, prevendo que os municípios

 elaborem padrões de infraestrutura para as instituições de Educação

Infantil de acordo com os parâmetros nacionais e com a Lei de Acessibilidade;

• adotem medidas para garantir que os imóveis onde funcionam as

instituições de Educação Infantil estejam em conformidade com os padrões municipais de infra-estrutura estabelecidos e de acordo com a Lei de Acessibilidade; [...]

 garantam o fornecimento anual e a reposição de materiais pedagógicos,

livros, CDs e brinquedos para as instituições de Educação Infantil; (BRASIL, 2006, p. 22).

Nos Parâmetros, há um item exclusivo sobre o espaço escolar denominado: “Quanto à infraestrutura das instituições de Educação Infantil”. Esse item é subdividido em dois tópicos. O primeiro é intitulado “Espaços, materiais e equipamentos das Instituições de Educação Infantil destinam-se prioritariamente as crianças” e versa sobre os atributos necessários para que se garanta a qualidade do espaço escolar com respeito à criança. O segundo tópico, denominado “Espaços, materiais e equipamentos presentes na instituição de Educação Infantil destinam-se, também, às necessidades das famílias e/ou responsáveis pelas crianças matriculadas e dos profissionais que nela trabalham”, tem o enfoque no atendimento das necessidades dos adultos usuários do ambiente escolar.

Também em 2006 foi disponibilizado um documento específico para se trabalhar a questão da qualidade dos espaços educacionais em que as crianças pequenas estão inseridas, intitulado Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil

(2006a). Esse documento foi elaborado com base nas pesquisas do Grupo Ambiente- Educação (GAE), composto por uma equipe multidisciplinar de diversas instituições, que tem como objetivo estudar a qualidade dos ambientes educacionais, especificamente, a relação entre o desenvolvimento infantil, o espaço físico e o projeto pedagógico.

Este é, ainda hoje, o principal documento que indica como construir uma escola de Educação Infantil que atenda às necessidades das crianças. Nele, é possível notar um caráter mais arquitetônico. São oferecidas sugestões para as diversas equipes responsáveis pela construção e manutenção das escolas de Educação Infantil. São apresentadas etapas para a elaboração de um projeto, no caso de uma escola nova, incentivada a interdisciplinaridade e explicitada a necessidade da escuta das vozes dos usuários.

Os parâmetros necessários para um espaço físico de qualidade identificados no documento são: parâmetros contextuais-ambientais que se remetem sobretudo às condições do local onde se pretende construir a escola e interferem diretamente no projeto (temperatura, ventos, quantidade de ruído, infraestrutura do entorno etc.); parâmetros funcionais e estéticos, que remetem à organização e à aparência da escola (a setorização da escola, a necessidade de espaços externos amplos, adaptação dos mobiliários, cores etc.) e os parâmetros técnicos que dizem respeito aos materiais adotados na construção e acabamento do prédio e seus objetos, além da infraestrutura interna.

O documento alude à possibilidade de se fazer reformas e adaptações, considerando a voz do usuário, mediante o uso da Avaliação de Pós-Ocupação (APO), e indica onde na legislação pode ser encontrada a defesa de um espaço adequado para a Educação Infantil. Destacamos os principais aspectos encontrados nos Parâmetros Básicos de Infraestrutura

para Instituições de Educação Infantil (2006a):

 A participação do usuário, desde o planejamento até a organização do espaço escolar;

 A necessidade de interdisciplinaridade na elaboração do projeto;

 Consideração das diferenças regionais: temperatura, umidade, claridade etc.  A obrigatoriedade do acesso a todos, inclusive de portadores de necessidades especiais;

 A valorização da autonomia infantil;  Avaliação ambiental constante;  Respeito à natureza do terreno;

 Setorização do prédio em: sociopedagógico, assistência, técnico e serviços  Adaptação dos mobiliários;

 Uso de materiais resistentes e duradouros;  Uso dos cantos;

 Atenção no uso das cores, texturas e formas geométricas;  Privilégio de espaço de encontro coletivo;

 Necessidade de amplos espaços externos;

No documento Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos

fundamentais das crianças (BRASIL, 2009a), há quatro seções que tratam da questão da qualidade dos ambientes escolares: “Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante”, “Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza”, “Nossas crianças tem direito a higiene e à saúde” e “Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos” (BRASIL, 2009a).

Os Indicadores da Qualidade na Educação Infantil (BRASIL, 2009b) constituem um documento que propõe uma avaliação da qualidade da instituição. Entre as sete dimensões avaliadas, uma é sobre o espaço educacional, intitulada “Dimensão Espaços, materiais e mobiliários”. Primeiramente, o documento apresenta como deve ser a escola em relação a essa dimensão, e depois a subdivide em três seções, sendo que a primeira tem sete perguntas, ligadas com a adequação do espaço físico, dos mobiliários e dos materiais para as crianças; a segunda possui oito perguntas e versa sobre a variedade e acessibilidade dos materiais em relação às crianças; a última seção tem quatro perguntas e indaga sobre a adequação do espaço físico e dos mobiliários para os adultos. Consideramos dezenove questões insuficientes para avaliar um assunto tão complexo quanto o espaço escolar.

No Plano Nacional da Educação (PNE) (BRASIL, 2014), que tem vigência até 2024, das dezessete estratégias que tratam da questão da Educação Infantil, duas se referem aos espaços educacionais:

1.5) manter e ampliar, em regime de colaboração e respeitadas as normas de acessibilidade, programa nacional de construção e reestruturação de escolas, bem como de aquisição de equipamentos, visando à expansão e à melhoria da rede física de escolas públicas de Educação Infantil;

1.6) implantar, até o segundo ano de vigência deste PNE, avaliação da Educação Infantil, a ser realizada a cada 2 (dois) anos, com base em parâmetros nacionais de qualidade, a fim de aferir a infraestrutura física, o quadro de pessoal, as condições de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de acessibilidade, entre outros indicadores relevantes [...] (BRASIL, 2014, s.p.).

Com base nesses documentos, pode-se afirmar que há uma conscientização lenta e gradativa sobre a importância da qualidade do espaço para uma educação de qualidade. Porém, o fato de esse direito constar nas leis e documentos oficiais não é plenamente positivo. Lima (2008, p. 30) afirma: “Quando diversos instrumentos legais tentam preservar um direito básico, é sinal de que ele não está sendo plenamente assegurado”.

No espaço educacional, a criança, ao realizar atividades simples e cotidianas, como brincar e se locomover, adquire experiências, interage socialmente, desenvolve habilidades motoras, capacidades cognitivas, elabora conflitos emocionais, exercita a criatividade, a imaginação e a memória. Nesse sentido, é relevante dispor de um espaço preparado e qualificado.