1. A ESCRITA COMO PRÁTICA SOCIAL: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS
1.1.3 Os domínios do SEA no percurso da alfabetização
[...] o tratamento que se dá à escrita na escola não pode inibir os alunos ou afastá-lo
do que se pretende; ao contrário, é preciso aproximá-los, principalmente quando são
iniciados “oficialmente” no mundo da escrita por meio da alfabetização. Afinal, esse
é o início de um caminho que deverão trilhar para se transformarem em cidadãos da
cultura escrita [...] (BRASIL, 1997, p. 67).
Considerando esse percurso teórico percebe-se que para além da forma convencional
da escrita, bem como dos fatores endógenos, as relações que vão sendo estabelecidas na
sociedade assumem igual importância na construção da escrita na criança e pela criança.
Destarte, nos cabe discutir sobre como essa construção vêm se organizando e se consolidando
no processo de alfabetização.
1.1.3 Os domínios do SEA no percurso da alfabetização
De modo geral, a preocupação com o domínio do SEA normalmente tem início no
contexto escolar e, sobre esse contexto, é certo afirmar que historicamente as práticas de
ensino lançaram mão de alguns métodos equivocados para explicar a progressão ou
estagnação dos alunos nas atividades de leitura e escrita (MORTATTI; FRADE, 2014). Em
detrimento a essa realidade, temos percebido novos direcionamentos tanto nos documentos
oficiais, quanto nas iniciativas discursivas dos estudos empíricos que vem sendo desenvolvido
no contexto de ensino superior (ALBUQUERQUE, MORAIS E FERREIRA 2008; MORAIS,
2005). Tais direcionamentos têm contribuído, sobretudo, para a reflexão de que a criança não
aprende leitura, escrita e produção textual sem uma sistematicidade:
Defenderemos que o enfoque da escrita alfabética como sistema notacional é
necessário para construirmos didáticas da alfabetização que, libertando-se dos
velhos métodos associacionistas (globais, fônicos, silábicos, etc.), permitam
alfabetizar letrando. Ou seja, para que possamos ensinar, de forma sistemática, tanto
a escrita da linguagem (o Sistema de Escrita Alfabética) como a linguagem que se
usa para escrever os muitos gêneros textuais que circulam em nossa sociedade
(MORAIS, 2005, p. 30).
De fato, para além de uma receita pronta importa considerar que, ao longo do ciclo de
alfabetização, existe um processo gradual a ser considerado, direitos a serem assegurados
visto que a criança precisa progressivamente aprender compreender a complexidade
envolvida numa atividade de leitura e escrita, desde as mais basilares tais como:
[...] compreender que as palavras são escritas com letras e que há variação na sua
ordem, contar oralmente as sílabas das palavras e compará-las quanto ao tamanho,
perceber as semelhanças sonoras iniciais e finais, reconhecer que as sílabas variam
quanto a sua composição, além de perceber que as vogais estão presentes em todas
as sílabas [...] (MORAIS, 2012, p. 19).
Essa perspectiva nos remete a uma analogia popularmente utilizada para se discutir a
questão de pular etapas, por esse pensamento encontramos no documento oficial Elementos
Conceituais e Metodológicos para definição dos Direitos de Aprendizagem (BRASIL, 2012),
base para confirmar a implementação de práticas de ensino que concebe a alfabetização como
o momento mais marcante da vida da criança em sociedade:
A Educação Básica empreende seu trabalho político-pedagógico em busca de
garantir o direito à alfabetização de crianças dos seis aos oito anos de idade, pois a
linguagem constitui o sujeito na interação social. Para isto, é necessário
proporcionar-lhes vivências e experiências de oralidade, leitura e escrita que
envolvam seu mundo físico, social, cultural, a partir das quais possam compreender
e produzir textos orais e escritos variados e de qualidade, de diferentes gêneros
textuais, com diversas finalidades, com vistas à sua participação autônoma em
variadas esferas de interação social (BRASIL, 2012, p.115).
Com isso, entendemos que o processo de leitura e escrita na escola não deve se
configurar como uma atividade mecânica, um mero reconhecimento de letras e códigos, uma
rotina maçante, mas sim um processo que direciona a criança a assimilar valores, culturas,
uma rotina que estimule a criatividade, a imaginação, bem como as emoções.
De acordo com Leal (2005), não há dúvida que existam dificuldades pontuais no
processo de ensino e aprendizagem, em algumas situações é necessário oferecer um tempo a
mais para que o conhecimento se consolide na criança, essa inclusive é uma perspectiva de
heterogeneidade. No entanto, é imperativo pensar que, no percurso da alfabetização, todas as
crianças precisam ter acesso às particularidades envolvidas no processo de compreensão e de
uso de sua língua.
A criança precisa, ser desafiada a refletir para compreender o que se lê
concomitantemente, e realizar constantes tentativas de produzir sua própria escrita. As
práticas em sala de aula precisam estar cada vez mais próximas das realidades sociais da
criança, logo, um planejamento de aula bem organizado com gêneros comuns, como as listas,
poemas, bilhetes, receitas, contos, piadas, entre outros, podem favorecer uma melhor
compreensão da criança que está inserida num contexto de sociedade letrada (TFOUNI,
2010).
Concordando com esse pressuposto, Soares (2004) afirma ser preciso reconhecer que
não existe um único método ou uma única forma para conduzir um aluno a escrever bons
textos, o ensino precisa, desenvolver estratégias que conduzam a criança a refletir sobre o
sentido e função das palavras em seu cotidiano, ou seja, estratégias em que o ensino das
convenções ortográficas e gramaticais, sejam constituídas por meio de manipulação de textos
reais que convidem a criança, a reconhecer nesses textos situações também reais de uma
sociedade e de uma cultura.
Para compreender o ensino da linguagem escrita como uma prática social nos situamos
também nas discussões da Psicogênese da Língua Escrita de Emília Ferreiro e Ana Teberosky
(1999), essas autoras primeiramente defendem em suas pesquisas que, no processo de ensino,
e aprendizagem, para além de um método, um manual ou um recurso didático, existe um
sujeito buscando a aquisição de conhecimento. É importante destacar que para elas a escrita é
um objeto essencialmente cultural, pois ficou claro em seus estudos que a apropriação da
escrita acontece por meio de etapas em que o ensino deve valorizar especialmente a criança
em si, potencializando o que elas já conhecem e conseguem realizar e explorando nelas novos
saberes.
Essa concepção de escrita como processo, difundida por Emília Ferreiro e Ana
Teberosky nos anos 70, tem comprovadamente norteado inúmeras pesquisas no âmbito
educacional brasileiro, visto que, nos dias de hoje, ainda há constatações de que algumas
práticas têm recapturado métodos de ensino de escrita que dentre outras questões, ignoram as
tentativas de autoria que as crianças demonstram em suas produções textuais, ou seja, ainda
existem algumas realidades que adotam a manipulação da escrita mecânica (ANTUNES,
2003).
No âmbito escolar as atividades de leitura e escrita são práticas naturalmente
solicitadas, contudo, em algumas realidades as estratégias de ensino parecem ser apenas de
caráter avaliativo, assim a construção do dialogismo crítico e reflexivo no processo de escrita
ainda é uma realidade relativamente acanhada nas salas de aula, especialmente no que se
refere ao ensino de produção textual (MENEGASSI; ANGELO, 2010).
Com um pensamento semelhante Faria, Cavalcanti e Silva (2016) comentam que:
Hoje já se sabe que a aprendizagem da escrita envolve dois processos análogos:
entender a natureza do sistema de escrita da língua – as letras, as palavras – e o
funcionamento da linguagem que se usa para escrever – os aspectos discursivos.
Porém, ainda há muita polêmica em relação a esta questão e muitas práticas se
distanciam dessa visão (FARIA; CAVALCANTI; SILVA 2016, p. 205).
A propósito do que se preconiza o ensino da escrita, conforme já mencionado, uma
das maiores inquietações parecem ainda ser a busca por compreender os antecedentes e
consequentes do baixo rendimento dos alunos brasileiros. As discussões têm sido na direção
de que formar escritores proficientes parece não ser uma tarefa muito fácil, pois embora já se
contemple a constância de estudos científicos em direção ao esclarecimento e orientações para
elaboração de estratégias de ensino da escrita, as Avaliações Nacionais4 não tem evidenciado
o avanço dessa competência em boa parte das escolas brasileiras (BRASIL, 2017).
Presumivelmente, a escola é uma das principais instituições sociais apontadas como
responsável pela formação intelectual e social de crianças e adolescentes. De fato, sua atuação
consiste na elaboração de estratégias educacionais e sistemáticas que ofereçam condições para
a construção do conhecimento e desenvolvimento pleno dos alunos (MARCUSCHI, 2008).
Ao levar em consideração esta perspectiva, é importante situar que o ensino da escrita
precisa ser planejado de forma que desenvolva na criança o interesse pelo significado do que
se lê, prevendo despertar nelas a consciência de que a escrita também pode ser uma atividade
significativa e prazerosa (LEITE; BITTENCOURT; SILVA, 2015).
Nessa direção, recuperamos o pensamento de Vygotsky (2000) quando afirmou em
sua teoria sociointeracionista que a criança desenvolve habilidades a partir da interação social,
portanto seguindo esse pensamento entendemos que as atividades compartilhadas como as de
4