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Os efeitos do inadimplemento, pelo credor, do dever de colaboração

1. A NOVA CONCEPÇÃO DE OBRIGAÇÃO

1.9. Os efeitos do inadimplemento, pelo credor, do dever de colaboração

Antes de adentrar no exame do inadimplemento antecipado, analisaremos brevemente os efeitos da inobservância, pelo credor, do dever de colaboração, tema que se revelará essencial para o presente estudo.

Como discutido anteriormente, a concepção da “obrigação como processo” impõe que o credor deverá observar o dever de colaboração para que o devedor possa cumprir a prestação devida, e por consequência, a obrigação reste adimplida, sendo que esse dever de cooperação é dotado de exigibilidade jurídica330. Nesse momento, será feita uma análise dos efeitos da violação desse dever pelo credor, tema ainda pouco discutido na doutrina brasileira.

O artigo 394 do Código Civil preconiza que se considera em mora (mora

accipendi) o credor que não quiser receber o pagamento no tempo, lugar e forma que a lei

ou a convenção estabelecer. Do conceito legal de mora do credor, é possível extrair os requisitos para a configuração da mora do credor: (i) a oferta do devedor, desde que seja

330

Neste sentido, Thiago Luís Santos Sombra afirma que “se já não há um direito abstrato ao adimplemento pelo devedor, como sustentado, e se o ônus não é apto a encerrar todas as situações, não se pode negar que o dever lateral de cooperação amplia o rol de condutas juridicamente exigíveis do credor em uma relação obrigacional, notadamente quando associado à liberação do vínculo, mediante a imposição e consequências sob os ditames da mora do credor, da impossibilidade superveniente não imputável ao devedor, da culpa in contrahendo e da culpa post pactum finitum. Em poucas palavras, o credor não se revela mais tão árbitro do momento do adimplemento como outrora”. SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 150.

109 completa, no lugar e tempo oportunos; e (ii) a recusa sem justa causa do credor em recebê- la.

No entanto, a nosso ver, o caráter cada vez mais colaborativo da obrigação demonstra a insuficiência do conceito legal de mora accipendi e, por consequência, do atual modelo de proteção dos interesses do devedor frente a condutas do credor que violem os deveres anexos impostos pela boa-fé objetiva, as quais acabam por inviabilizar o adimplemento contratual331.

Com efeito, o conceito de mora do credor previsto no artigo 813 do Código Civil português – segundo o qual “o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação”332

– está mais alinhado com a concepção moderna de obrigação, em que ambas as partes contratantes devem colaborar para que o devedor possa cumprir a prestação devida e possa ser atingido o resultado útil

programado.

Consoante observa Judith Martins-Costa, “não só o devedor está numa situação subjetiva de dever, em relação ao credor: este também está em situação de dever em relação ao devedor”, de maneira que “ocorre a mora do credor quando este não cumpre

331 Na mesma linha, J. W. Hedemann afirma que “también el acreedor puede incurrir en retraso al no aceptar la prestación (‘mora accipiendi’). En tal supuesto, la liquidación de la relación obligatoria queda paralizada por causa del acreedor, con lo cual la llamada mora del acreedor constituye otro ‘obstáculo para el cumplimiento de la prestación”. HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado. 1958. p. 187. Em tradução livre: “o credor também pode incorrer em mora por não aceitar a oferta (‘mora accipiendi’). Nesse caso, o término da relação obrigacional fica paralisado por causa do credor, sendo que a mora do credor constituí outro “obstáculo ao cumprimento

da obrigação”. A esse respeito, Thiago Luís Santos Sombra ressalta que “é certo que o ordenamento dispõe

de alguns poucos métodos de solução voltados para a posição do devedor, como sói ocorrer nos contratos de depósito, empreitada e transporte, por exemplo; porém, carece de uma disciplina mais específica para a inobservância dos deveres laterais e, em especial, o de cooperação por parte do credor [...]”. SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 69. 332

Em comentários ao artigo 813 do Código Civil português, Almeida Costa afirma que: “Portanto, o atraso no cumprimento será imputável ao credor sempre que este se recuse ilegitimamente a colaborar com o devedor no cumprimento da obrigação – nos termos em que lhe caiba fazê-lo, segundo o caso. A cooperação do credor no cumprimento pode traduzir-se no simples acto de aceitar a prestação, mas pode ainda assumir outras expressões: apresentar-se o devedor, ele próprio ou um seu representante, no lugar convencionado para a prestação (domicílio do devedor ou outro local), exercer o direito de escolha numa obrigação genérica ou alternativa, passar a quitação, restituir o título da dívida, etc.” ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 225-226.

110 com o dever de cooperação que lhe concerne, deixando de colaborar para que a dívida seja solvida”333

.

Por essa razão, entendemos que a mora do credor deveria passar a ser entendida não apenas como a recusa injustificada em aceitar a prestação devidamente ofertada, mas também como a recusa em cooperar, quando esta colaboração é necessária para viabilizar o adimplemento contratual334. Nas palavras de Pontes de Miranda, a “mora do credor é a omissão do credor em cooperar para que a dívida se solva, até onde essa cooperação é indispensável”335

.

Dentro dessa visão, para que se caracterize a mora do credor, é necessário que (i) o devedor tenha que prestar e possa prestar; (ii) o inadimplemento decorra de fato imputável ao credor; e (ii) o credor tenha recusado ou omitido ato positivo ou negativo de cooperação indispensável para que ocorra o adimplemento336.

333 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 240. No mesmo sentido, Thiago Luís Santos Sombra acrescenta que “é inconteste, e a doutrina majoritária atesta este ponto, que, quando a cooperação seja essencial ao adimplemento, a conduta omissiva se subsume aos preceitos da mora creditoris, afinal sem a cooperação não se viabiliza a execução, a oblação e, por conseguinte, sequer de recusa ou aceitação do credor se perquirirá”. SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 70-71.

334

CARVALHO SANTOS, J. M. Código Civil brasileiro interpretado. v. XII. Direito das obrigações. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1958. p. 319. No mesmo sentido: “A mora do credor pode ser conceituada como a recusa injustificada de aceitar a prestação devidamente ofertada, ou de aceder ao convite do credor para prestar a sua cooperação, quando está é necessária para tornar a prestação materialmente possível.” SAVI, Sérgio. Inadimplemento das Obrigações, Mora e Perdas e Danos. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 472. Nas lições de Agostinho Alvim, “se para liquidar a obrigação é necessária a cooperação do credor, escusar-se-á o devedor sempre que aquêle lhe negar. É um caso de mora accipiendi”. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 39. Antunes Varella destaca que “diz-se que há mora do credor (mora credendi), quando a obrigação se não cumpre, porque o credor, sem causa justificativa, recusa a prestação que lhe é regularmente oferecida ou não realiza os actos de sua parte necessários ao cumprimento”. VARELA, João de Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970. p. 781. No mesmo sentido, Giovanni Ettore Nanni afirma que “a falta de cooperação do credor é pressuposto da mora accipiendi, a qual pode ser exigida em várias situações: ir ao encalço do devedor, buscar a quantia ou coisa, exercitar o direito de escolha, apresentar as contas, fornecer o material, intervir com a própria presença etc.” NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio constitucional da solidariedade. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 316.

335

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo XXIII. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 288-289.

336 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo XXIII. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 288-294.

111 Importante salientar que não se exige, para que se possa considerar o credor constituído em mora, que a sua não cooperação seja devida a procedimento culposo. Para caracterizar a mora do credor, basta a “inexistência de motivo justificado”337

para o credor não aceitar a prestação no tempo, local e modo pactuados e/ou não colaborar com o devedor no programa obrigacional. Daí porque Agostinho Alvim afirmou que “a justa ou injusta causa da recusa influenciam sôbre a mora do credor” e que “a culpa é indiferente”338

.

Por adotarmos uma concepção ampla de inadimplemento (conforme examinado no item anterior), consideramos que não importa se o dever de colaboração violado pelo credor é dever de prestação principal, secundário ou anexo. A violação de qualquer dever de colaboração, desde que relevante, conduz à mora creditoris, que acarretará as consequências a serem examinadas na sequência.

Novamente, não há a necessidade de se valer da teoria da violação positiva do crédito para explicar a situação de descumprimento de dever lateral de colaboração pelo credor. Um conceito amplo de mora do credor, visualizado à luz da concepção de “obrigação como processo”, é suficiente para abarcar essa questão. Da mesma forma entende Thiago Luís Santos Sombra:

Se o cumprimento imperfeito, compreendido por muitos autores como modalidade de violação positiva do contrato, situa-se em nosso ordenamento jurídico no campo da mora, bem como abrange os deveres laterais, justificado

337 ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito Civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 232. 338ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 32. No mesmo sentido, Judith Martins-Costa: “De há muito estão ultrapassadas as concepções que requeriam a culpa no suporte fático para caracterizar a mora do credor. Mesmo os que não dispensam a culpa como elemento da mora do devedor a afastam da mora creditoris, como o faz Agostinho Alvim, que só a tem como ‘indiferente’. O credor deve receber, pois se assim não ocorrer, o devedor não se poderá liberar e o adimplemento – fim precípuo da relação obrigacional – não será atingido. O problema central aí é outro, qual seja o da justa causa para não receber a prestação.” MARTINS- COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 240-240. Luis Diez- Picazo e Antonio Gullon também entendem que “la mora credendi no exige ninguna especial culpabilidad del acreedor moroso, sino simplemente la negativa sin razón a recibir”. DIEZ-PICAZO, Luis e GULLON, Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Madrid: Editorial Tecnos. 1978. p. 174. Em tradução livre: “a mora credendi não exige a culpa do credor em atraso, mas sim simplesmente a recusa injustificada de receber.”

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resulta o posicionamento que entende estar a infringência ao dever lateral de cooperação também inserida na mora creditoris.339

Vale destacar que, quando o credor deixa de cumprir deveres primários ou secundários ou, ainda, deveres de conduta impostos pela boa-fé objetiva340, tais como o dever de colaboração, isso pode retardar o adimplemento pelo devedor ou acarretar a impossibilidade de cumprimento da obrigação, ou seja, um inadimplemento absoluto por fato imputável ao credor341.

A esse respeito, Agostinho Alvim afirma que “se há mero atraso do credor em cooperar ou receber, verifica-se a mora” (por exemplo, o credor que não se dispõe a receber a prestação) e “se o credor deixa de cooperar, quando tal obrigação lhe assiste, e o cumprimento da obrigação, por parte do devedor, se tornou impossível, terá havido inadimplemento absoluto por parte do credor” (por exemplo, o empresário que não procurou obter teatro onde pudesse ser realizado um determinado recital)342.

De maneira sistemática, podemos afirmar que, em regra, se o credor descumpre o seu dever de cooperar com o programa obrigacional, inclusive quanto aos deveres laterais, verifica-se uma situação de mora accipiendi; todavia, se esse descumprimento tornar impossível ou extremamente oneroso, por parte do devedor, a entrega da prestação

339 SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 78.

340 A esse respeito, Luis Diez-Picazo e Antonio Gullon comentam que “la imputabilidad al acreedor de su propia insatisfacción puede ser consecuencia de la falta de cumplimiento por el mismo de su carga de cooperar con el deudor, a fin de que este se encuentre en las necesarias condiciones para llevar a cabo la prestación prometida”. DIEZ-PICAZO, Luis e GULLON, Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Madrid: Editorial Tecnos. 1978. p. 172. Em tradução livre: “a atribuição ao credor de sua própria insatisfação pode resultar da inobservância do seu dever de cooperar com o devedor, para que este tenha as condições necessárias para realizar a prestação devida.”

341 HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado. 1958. p. 113. No mesmo sentido: “El hecho de que la responsabilidad del deudor constituya el supuesto normal y el de más frecuente examen, no excluye que, por lo menos en algunos casos, la infracción del crédito o su insatisfacción puedan ser imputados al propio acreedor.” DIEZ-PICAZO, Luis; GULLON, Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Madrid: Editorial Tecnos. 1978. p. 172. Em tradução livre: “O fato de que a responsabilidade do devedor constitui o curso normal e a hipótese mais frequente não exclui que, pelo menos em alguns casos, a violação de crédito ou insatisfação possam ser atribuídas ao credor.”

342 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 51-52.

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devida, terá havido inadimplemento absoluto por fato imputável ao credor. A importância

prática dessa diferenciação reside nas suas consequências, conforme se verá adiante.

Este também é o posicionamento adotado por Giovanni Ettore Nanni:

[...] no que concerne à violação dos deveres laterais propriamente ditos, e especialmente do dever de cooperar, tal transgressão acarreta a obrigação de reparar os danos causados, que poderá se resumir às consequências de um adimplemento defeituoso (prestação debitória realizada com deficiências) ou um inadimplemento absoluto, se a violação chegar a frustrar o próprio adimplemento.343

Caso a violação do dever de cooperação pelo credor enseje uma situação de mora accipiendi, o devedor continuará vinculado ao cumprimento da obrigação, mas estarão presentes os efeitos da mora do credor previstos no artigo 400 do Código Civil344, a saber, (i) a isenção da responsabilidade do devedor pela conservação da coisa (salvo em caso de dolo), ou seja, há uma diminuição da responsabilidade do devedor, que somente responderá pela eventual deterioração da coisa em caso de dolo; (ii) a obrigação de ressarcir as despesas feitas pelo devedor com a conservação da coisa, bem como os prejuízos que a sua mora tiver causado ao devedor; e (iii) a obrigação do credor de receber a coisa pela estimação mais favorável ao devedor, em caso de oscilação de preço entre o dia estabelecido e o dia da purgação da mora345.

Vale transcrever os preciosos ensinamentos de Karl Larenz sobre a questão:

La conducta del acreedor puede retrasar también el cumplimiento de la obligación o provocar para el deudor la imposibilidad de cumplirla. Puede tener lugar este retraso cuando el acreedor no acepta la prestación que le es ofrecida en tiempo y lugar oportunos, obstaculizando así que el resultado de la prestación se produzca oportunamente o faltando en otros casos a su colaboración en el cumplimiento, sin la cual no puede éste ser llevado a cabo por el deudor. En ambos casos hablamos de mora accipiendi o mora del acreedor. Como es natural

343

NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio constitucional da solidariedade. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 317.

344 Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.

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que el deudor no responda del retraso únicamente producido por la conducta del acreedor, se ve aquél libre en estos supuestos de las consecuencias de la mora del deudor. Aunque ciertamente continúe obligado a la prestación, en cuanto y en tanto su cumplimiento sea todavía posible.346

Pode-se citar o caso em que o Superior Tribunal de Justiça347 entendeu que empresa brasileira devedora de valor à empresa italiana não estaria em mora ao deixar de realizar o pagamento devido, na medida em que a empresa italiana não cooperou para possibilitar a remessa do valor à Itália, deixando de estar devidamente registrada no Banco Central do Brasil, o que era indispensável para a remessa dos fundos. Assim, o Superior Tribunal de Justiça não condenou a devedora em juros de mora, por entender que houve mora da credora em seu dever de cooperar.

Mencione-se que o artigo 401 do Código Civil estabelece os requisitos para a purga da mora pelo credor: ele terá que se oferecer para receber o pagamento sujeitando-se aos efeitos da mora até a data da oferta (artigo 401, inciso II, do Código Civil), além de reembolsar o devedor pelas despesas empregadas na conservação da coisa, bem como indenizá-lo por prejuízos eventualmente sofridos e decorrentes da mora do credor.

Por outro lado, na hipótese de a violação do dever de cooperação pelo credor tornar impossível ou extremamente onerosa, por parte do devedor, a entrega da prestação

devida, entende-se que esse comportamento do credor deve acarretar as mesmas

consequências do caso fortuito e da força maior, excluindo a responsabilidade do devedor nos moldes do artigo 393 do Código Civil, e liberando-o do vínculo obrigacional.

A esse respeito, Margarita Castilha Barea leciona que:

346 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Tomo I. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editora Revista de Derecho Privado. 1958. p. 375. Em tradução livre: “A conduta do credor também pode atrasar o cumprimento da obrigação ou acarretar para o devedor a impossibilidade de cumpri-la. Este atraso pode ter lugar quando o credor não aceita a oferta que lhe é oferecida no tempo e legar pactuados, impedindo, assim, que a prestação seja entregue oportunamente, ou faltando em outros casos a sua colaboração para o adimplemento, sem a qual o devedor não consegue atingi-lo. Em ambos os casos falamos de mora accipiendi ou mora do credor. Naturalmente o devedor não responde pelo atraso causado unicamente pela conduta do credor, de maneira que aquele estará livre das consequências da mora do devedor. Não obstante, continua obrigado à prestação, enquanto o seu cumprimento ainda for possível.”

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[...] el hecho del acreedor que incide sobre la prestación hasta hacerla definitivamente imposible determina la producción del supuesto de hecho de la imposibilitad sobrevenida inimputable, seguida de sus efectos típicos de extinción de la obligación y liberación del deudor. 348

Para ilustrar, vale mencionar o caso em que, em litígio envolvendo empreiteira e dona da obra, o Tribunal de Justiça de São Paulo349 entendeu pela resolução do contrato por impossibilidade, sem culpa do devedor, no caso a empreiteira, tendo em vista que a dona da obra não providenciou licença na prefeitura, sem a qual a obra não poderia prosseguir.

Essa breve explanação sobre as consequências do descumprimento, pelo credor, do dever de colaboração será essencial no estudo do inadimplemento antecipado do contrato, pois permite concluir que o devedor não restará prejudicado caso o credor se omita em seu dever de cooperar e acarrete, com isso, uma situação de quebra antecipada.

348 BAREA, Margarita Castilla. La imposibilidad de cumplir los contratos. LAEL: Dykinson. 2000. p. 83-85. No mesmo sentido: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo XXIII. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 292. Em tradução livre: “o fato do credor que incide sobre a prestação até torná-la definitivamente impossível implica no inadimplemento inimputável ao devedor, com os efeitos típicos de extinção da obrigação e liberação do devedor.”

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2. INADIMPLEMENTO ANTECIPADO

2.1. Considerações gerais sobre o inadimplemento antecipado

Em sua concepção tradicional e estática, entendia-se que, durante o lapso temporal que se inicia com a constituição da obrigação e se estende até o termo contratual, existiria um “vazio prestacional” em que o devedor não seria obrigado a nada, não