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Capítulo III. Estudo desenvolvimental de processamento de palavras

2. Estudos desenvolvimentais

2.2 Os estudos de Garlock, Walley e Metsala (2001) e de Metsala,

No trabalho de Garlock, Walley e Metsala (2001), as autoras pretenderam determinar o impacto da AoA, da frequência e da densidade de vizinhança no reconhecimento de palavras faladas em crianças e em adultos. Foram avaliadas 64 crianças do Jardim de Infância (M = 5.6 anos, DP = 0.1), 64 crianças do 2º ano de escolaridade (M = 7.6, DP = 0.1) e 64 adultos (M = 25.6, DP = 0.6). Os participantes foram avaliados numa medida de vocabulário, de leitura e de memória de trabalho (memória de dígitos inversa). Foram ainda avaliados com 2 tarefas de reconhecimento de palavras faladas (gating e repetição de palavras intactas e com fundo de ruído), duas medidas de consciência fonológica (isolamento e subtração do fonema inicial) e repetição de pseudopalavras. Para as tarefas de reconhecimento de palavras faladas e de consciência fonológica foram selecionadas 128 palavras que contrastavam em AoA precoce vs. tardia, frequência alta vs. baixa  e densidade de vizinhança densa vs. esparsa.

Os resultados da tarefa gating indicaram que as crianças mais novas precisaram de mais informação acústico-fonética parcial para reconhecerem palavras face às crianças mais velhas, e estas foram também piores do que os adultos. Deste modo, o reconhecimento torna-se mais rápido e exato à medida que os participantes envelhecem. Nos 3 grupos, ocorreu um efeito de AoA, pois as palavras precoces foram melhor reconhecidas do que as palavras tardias. No entanto, o efeito de AoA foi mais pronunciado no grupo do 2º ano de escolaridade do que nas crianças do Jardim e os adultos. Quanto à densidade de vizinhança, não teve impacto no desempenho das crianças mais novas. Nas crianças mais velhas e nos adultos, as palavras esparsas necessitaram de menos informação acústico-fonética para serem reconhecidas do que as

residentes em vizinhanças densas. Não ocorreu nenhum efeito de frequência e a AoA ou densidade de vizinhança não interagiram com a frequência.

Na repetição de palavras intactas e com fundo de ruído, ocorreram novamente os efeitos gerais de grupo, AoA e densidade de vizinhança, na mesma direção do que os encontrados no gating. A AoA interagiu com a densidade pois, para as palavras precoces, as palavras residentes em vizinhanças esparsas obtiveram uma vantagem no reconhecimento. Para as palavras tardias, as palavras com vizinhanças esparsas foram também melhor reconhecidas, mas apenas nas crianças mais velhas e nos adultos (nas crianças mais novas não ocorreram efeitos de densidade para as palavras tardias). No entanto, note-se que, no geral, as palavras esparsas foram sempre reconhecidas mais lentamente pelas crianças mais novas face às crianças mais velhas e os adultos. Os efeitos de frequência foram novamente mínimos. Nas tarefas de consciência fonológica, as crianças do Jardim voltaram a ser piores do que as crianças mais velhas e os adultos. Não se verificaram efeitos de densidade de vizinhança, mas sim de AoA (com vantagem das palavras precoces) e de frequência. Curiosamente, ocorreu uma vantagem no processamento de palavras de baixa frequência.

Os resultados deste estudo revelaram que tanto a AoA como a densidade de vizinhança têm impacto no reconhecimento, e que os efeitos de frequência nestas tarefas são diminutos. No caso da AoA, a vantagem das palavras precoces face às tardias é visível tanto no gating, como na repetição de palavras intactas e em fundo de ruído e na consciência fonológica, o que está de acordo com os pressupostos do LRM. O efeito da densidade de vizinhança é mais volátil. No gating e na repetição de palavras, o reconhecimento de palavras esparsas foi melhor do que o de palavras densas. Na repetição de palavras, no caso específico dos adultos, a vantagem das palavras esparsas foi visível tanto nas palavras precoces como nas tardias. Nas crianças, o efeito da densidade foi maior para o grupo das palavras precoces. Recordamos que segundo o LRM as palavras densas seriam as primeiras a serem reestruturadas e, como tal, reconhecidas mais rápido, pelo que estes resultados são desafiantes. Para as autoras, a vantagem no processamento de palavras esparsas nas crianças indica que estas são também sensíveis aos efeitos de competição no léxico. Recordamos que, segundo os modelos teóricos

de reconhecimento para o adulto (NAM, cf. Capítulo I, página 33), as palavras densas, ao possuírem muitas palavras fonologicamente similares entre si, suscitam maior competição entre candidatos lexicais, o que atrasaria o seu reconhecimento. Parece, assim, que pelo menos aos 5.6 anos, a criança já processa palavras esparsas mais rapidamente, tal como os adultos, pelo menos para o subgrupo das palavras precoces.

Das 128 crianças avaliadas neste estudo (64 do Jardim + 64 do 2º ano), 48 voltaram a ser avaliadas num estudo posterior de Metsala, Stavrinos e Walley (2009). Neste trabalho, 24 crianças frequentavam o 1º/2º ano de escolaridade (M= 7.0 anos) e as restantes 24 frequentavam o 3º/4º ano (M = 9.7). As crianças do 1º/2º ano eram as do Jardim de Infância e as do 3º/4º ano frequentavam o 2º ano de escolaridade no estudo original de 2001. As crianças foram testadas ca. de 1 ano depois de terem sido avaliadas no estudo original, o que transforma o estudo de 2010 num follow-up. Vamos designar a avaliação original por T1 e a avaliação um ano depois por T2. As tarefas aplicadas foram as mesmas que no estudo original de Garlock, Metsala, & Walley (2001), de modo a poder-se comparar o desempenho das crianças após um ano de intervalo. Como no estudo de 2001, os efeitos de frequência foram diminutos para todas as tarefas, neste trabalho foram apenas manipulados a AoA precoce vs. tardia e a Densidade de Vizinhança densa vs. esparsa.

Os resultados do gating revelaram a existência de efeitos gerais de grupo, AoA, e densidade de vizinhança. Assim, após o ano de intervalo, as crianças necessitaram de menos informação acústico-fonética parcial para reconhecerem palavras no T2 face ao T1. As palavras precoces continuam a ter vantagem no reconhecimento, bem como as palavras esparsas. Tal como verificado no T1, a AoA interagiu com o grupo, e a vantagem das palavras precoces face às tardias foi mais pronunciado no grupo das crianças mais velhas. A AoA também interagiu com a densidade, indicando, mais uma vez, que houve um efeito facilitador no reconhecimento de palavras esparsas para o subgrupo das palavras precoces. Para as palavras tardias, não houve efeitos da densidade de vizinhança. Na repetição de palavras intactas e com fundo de ruído, ocorreu novamente um efeito geral de grupo, AoA e densidade de vizinhança, similar aos descritos para o gating. Ocorreu uma interação entre

AoA, Grupo e Densidade: para o grupo das crianças mais velhas, houve uma melhoria no reconhecimento de palavras precoces ao longo do ano. Por outras palavras, no T1, o reconhecimento de palavras precoces não diferia entre as crianças mais novas e mais velhas. Já no T2, há uma diferença no reconhecimento de palavras precoces nas crianças das 2 faixas etárias estudadas.

As autoras tentaram também estabelecer relações entre o desempenho nas duas tarefas de reconhecimento de palavras faladas (gating e repetição de palavras intactas e em fundo de ruído) e a leitura e consciência fonológica no T2. No geral, as crianças com melhor desempenho nas tarefas de reconhecimento no T1, eram as que melhor liam no T2. O reconhecimento de palavras esparsas (medida compósita que juntou o reconhecimento deste grupo de palavras no gating e repetição de palavras) no T1 previu 5.3% da variância na consciência fonológica no T2, mesmo quando foram controlados fatores como a idade e até o desempenho na consciência fonológica no T1. Contudo, o reconhecimento de palavras esparsas não se associou com a leitura, o que segundo as autoras, demonstra que existe uma relação indireta entre o reconhecimento e a leitura, mediada pela consciência fonológica (ver também McBride-Chang, 1986).