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PARTE I – TEMA, MODELO DE ANÁLISE E FINALIDADES

3. Os estudos sobre a integração de descendentes de imigrantes

3.1. Os estudos internacionais

O ponto de partida centra-se num estudo recente organizado por Crul e Mollenkopf (2012) que compara os percursos da segunda geração de imigrantes nos EUA e na Europa. Este estudo apresenta sucintamente os principais projectos sobre a temática da integração de descendentes de imigrantes realizados nos dois lados do Atlântico. De modo a complementar a informação que nos é disponibilizada neste trabalho pesquisámos outros projectos realizados na Europa sobre imigração e educação.

Os primeiros estudos internacionais realizados sobre os descendentes de imigrantes desenvolvem-se nos EUA. A constatação da entrada precoce no mercado de trabalho por parte de uma geração (segunda geração) que frequentemente não terminava a sua escolarização desafiou as primeiras investigações levadas a cabo por Alexandro Portes e Rubén Rumbaut. Estes investigadores realizaram o primeiro estudo em larga escala sobre os filhos dos imigrantes e as relações com o sucesso escolar. Intitulado Children of Immigrants Longitudinal Study (CILS), este trabalho foi desenvolvido na cidade de Nova Iorque com estudantes com quinze e mais anos nascidos nos EUA ou chegados ainda nas primeiras idades, até à adolescência. Através do trabalho de campo realizado, com a aplicação de questionários aos estudantes, foi possível construir uma base de dados longitudinal, abarcando um

conjunto diverso de variáveis. Esta investigação deu origem a vários livros e números especiais de revistas.32

Na sequência deste estudo desenvolve-se posteriormente um segundo trabalho que pretende comparar os resultados escolares das crianças imigrantes com as nativas. Dirigido por uma equipa de quatro investigadores (Philip Kasinitz, John Mollenkopf, Mary Waters e Jennifer Holdaway), o estudo centra-se na segunda geração,33 mas alarga-se também à geração 1.534 e aos grupos nativos que residem na área metropolitana de Nova Iorque em 1999. Intitulado ISGMNY, este projecto mobilizou jovens oriundos de grupos diversos (dominicanos, afro-caribenhos, chineses, colombianos, equatorianos, peruanos e judeus com origem na Rússia ou outros territórios da União Soviética) e três grupos de comparação (brancos, afro americanos e porto-riquenhos descendentes de pais nativos). Além dos 3 415 questionários realizados telefonicamente, a equipa de investigadores utilizou informação adicional recolhida em institutos nacionais, entrevistas em profundidade a 330 respondentes dos questionários e estudos etnográficos em sítios chave de interacção entre jovens da segunda geração e nativos. Os resultados da investigação foram publicados em alguns livros, artigos de revista e em comunicações a congressos.35

Os resultados alcançados impulsionam uma segunda investigação em Los Angeles, o IIMMLA. A equipa da universidade da Califórnia, responsável pelo desenho do questionário, baseia-se no modelo anterior introduzindo algumas modificações, alargando a idade dos respondentes e incluindo a primeira geração de imigrantes mexicanos e a terceira e gerações seguintes dos indivíduos com origem mexicana. O questionário abrange os grupos mais representativos com origem em El Salvador, Guatemala, China, Coreia, Vietname, Filipinas, incluindo outros grupos imigrantes, e comparando os resultados com os questionários realizados aos brancos e afro- americanos com pais nativos. O questionário foi aplicado em 2004 e os resultados foram já publicados em alguns artigos.

Os resultados destes dois projectos foram fundamentais pelo debate que desencadearam sobre as trajectórias da segunda geração nos EUA.

Na Europa, em simultâneo com os dois trabalhos anteriores, inicia-se o estudo da segunda geração europeia. Tribalat (1995) em França, Crul (1994) na

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Referimos a título de exemplo a publicação Legacies: the Story of the Immigrant Second Generation. (2001).

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A Segunda Geração é definida como as crianças nascidas da primeira geração de imigrantes nos países para onde estes se deslocaram, atendendo à nacionalidade dessas crianças (Crul & Mollenkopf, 2012).

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A Geração 1.5 é constituída pelas crianças da primeira geração que imigraram para o país de acolhimento com os pais, ainda com pouca idade e que aí cresceram (Crul & Mollenkopf, 2012).

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Referimos a título de exemplo a publicação Inheriting the Cty: The Children of Immigrants Come of Age. (2008)

Holanda, Vennman (1996) e Lesthaeghe (1996) na Bélgica são os autores de referência desta fase de início da investigação sobre os descendentes de imigrantes. O primeiro projecto europeu que compara as estratégias nacionais para a integração da segunda geração intitula-se Effectiveness of National Integration Strategies toward

Second Generation Migrant Youth in Comparative European Perspective (EFFNATIS).

Este projecto, iniciado por Friedrich Heckmann, compara a segunda geração de grupos em França, Alemanha e Reino Unido, avançando com algumas reflexões para a Espanha, Holanda, Suécia e Finlândia.36 A este projecto seguiu-se o estudo coordenado por Maurice Crul e Jans Schneider, o TIES Project, The Integration of the

European Second Generation, iniciado em 2005 e que compara a segunda geração de

jovens adultos com idades entre 18 e 35 anos e a população nativa em quinze cidades europeias37 localizadas em oito países. Este projecto recorre aos modelos de questionário e às experiências dos projectos americanos. Foram inquiridos cerca de 10 000 indivíduos. Os grupos de imigrantes que integram a amostra são provenientes de três países, Turquia, ex-Jugoslávia e Marrocos, tendo todos nascidos na Europa. A principal finalidade é comparar os percursos de jovens com a mesma origem étnica em cidades e países diferentes. Para tal, um dos primeiros objectivos era analisar as especificidades e contextos das cidades e dos países na promoção da integração da segunda geração. Num segundo momento, a pesquisa orientou-se para as instituições locais, escolas, mercado de trabalho, políticas de cidadania e anti-discriminação. Os resultados da comparação internacional foram publicados em 2012 num volume intitulado The European Second Generation Compared: Does the Integration Context

Matter?, mas existe também um conjunto de separatas nacionais, artigos e papers

disponíveis no sítio do TIES.

Num momento posterior, os investigadores envolvidos nos estudos ISGMNY, IIMMLA e TIES desenvolveram um estudo comparativo transatlântico que publicam na recente obra The Changing Face of World Cities (2012). Para este estudo os autores mobilizam os grupos mais representativos em cada cidade, não apenas por serem os que detêm maiores quantitativos, mas também pelas características que apresentam, pelas semelhanças na origem e motivações para a emigração, pelo grau de instrução de que são portadores e condições de habitação no destino. Os grupos envolvidos são os dominicanos (Nova Iorque), os mexicanos (Los Angeles) e os turcos (Europa).

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O relatório final deste projecto intitulado Effectiveness of Nacional Integration Sstrategies Towards

Second Generation Migrant Youth in a European Comparative Perspective, encontra-se publicado por

Heckman, Lederer e Worbs (2001).

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As cidades envolvidas são Paris e Estrasburgo em França, Berlim e Frankfurt na Alemanha, Madrid e Barcelona em Espanha, Viena e Linz na Áustria, Amesterdão e Roterdão na Holanda, Bruxelas e Antuérpia na Bélgica, Zurique e Basel na Suiça e Estocolmo na Suécia.

Ainda integrado nos projectos europeus, o projecto Ethnic Differences in

Education and Diverging Propspects for Urban Youth in na Enlarged Europe

(EDUMIGROM), iniciado em 2008, explora num conjunto de nove países (República Checa, Dinamarca, Alemanha, França, Hungria, Roménia, Eslováquia, Suécia e Reino Unido), de que forma os sistemas educativos, políticas educativas, práticas e experiências em regimes políticos diferentes contribuem para o processo de “minorização”. Pretende-se saber de que forma as práticas na educação obrigatória levam à redução, manutenção ou desaparecimento das desigualdades nas oportunidades dos jovens no acesso ao mercado de trabalho, nos contactos sociais, nas relações interétnicas e estratégias de formação da identidade entre adolescentes com origens diversas. O estudo, focado na forma como as escolas moldam as posições e perspectivas de adolescentes da segunda geração e de jovens de origem cigana, define como metodologia de recolha de informação a aplicação de questionários (5 086) em turmas de escolaridade obrigatória, com idade entre 14 e 17 anos. Estes questionários, aplicados a vinte e cinco grupos étnicos, são complementados pela recolha de informação através de entrevistas qualitativas com diferentes actores e intervenientes, focus-grupo com estudantes, pais e professores, observação de aulas, estudo etnográfico nas escolas e fora delas e estudos de caso com organizações civis. Alguns resultados deste estudo foram já publicados em

papers disponíveis no sítio do projecto38 e que permitiram sintetizar, em linhas gerais, as principais intenções e orientações que apresentamos (Szalai, 2011a; Szalai, 2011b).

Os projectos que acabamos de expor, por se centrarem em aspectos da integração que consideramos centrais para o presente trabalho, servir-nos-ão de suporte à análise dos questionários aplicados às crianças e jovens imigrantes e nativas e respectivas famílias em escolas da AML.

3.2. Os estudos nacionais

Em Portugal, é com o pós 25 de Abril de 1974 que chegam à escola crianças oriundas de culturas diversas. É num intervalo temporal relativamente curto que ocorre a descolonização, a abertura do país à Europa e a sua posterior integração nos circuitos migratórios internacionais, ao mesmo tempo que se vivem os primeiros passos na democratização do ensino. Após a chegada das populações com origem nos PALOP, na sequência da descolonização, assistimos, ainda na década de 80, à entrada dos primeiros brasileiros. A estes imigrantes vêm juntar-se, a partir de meados

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Ethnic Differences in Education and Diverging Prospects for Urban Youth in an Enlarged Europe. http://www.edumigrom.eu/ .

dos anos 90, os europeus de leste e uma nova corrente migratória brasileira que atinge o seu auge nos primeiros anos do séc. XXI, quando também se intensifica a presença de populações asiáticas com origens diversas.

Num estudo que elaborámos recentemente sobre a integração das crianças e jovens descendentes de imigrantes em escolas localizadas no centro histórico de Lisboa,39 tivemos oportunidade de proceder a uma revisão dos estudos e trabalhos produzidos no âmbito da temática e que mobilizamos agora para uma breve apresentação do estado da arte em Portugal sobre a integração de imigrantes em contexto escolar. Apesar de não existir um estudo que abarque as dimensões da integração que pretendemos analisar, optámos por orientar este levantamento para os diversos trabalhos que têm implícita a intenção de estudar a relação entre populações imigrantes e escola.

Os primeiros estudos sobre a educação de populações migrantes nas escolas portuguesas surgiram na década de 90 associados, fundamentalmente, às dificuldades decorrentes da integração em meio escolar de alunos originários dos PALOP. São referência desta fase inicial de investigação os trabalhos de: Cardoso (1997), sobre a imagem dos professores relativamente à escolarização das crianças de origem africana; Cortesão e Stoer (1995a, 1995b, 1996, 2000) e Stoer e Cortesão (1999a, 1999b) centrados na educação inter/multicultural; Vieira (1995, 1999a, 1999b) em torno da formação de professores e interculturalidade; Villas-Boas (1999) sobre a relação família escola entre as minorias étnicas imigrantes e Seabra (1994, 1999, 2000), incidindo sobre etnicidade, família e socialização das crianças imigrantes na escola, em particular de origem africana.

Nos últimos anos, o número de estudos tem aumentado e têm-se diversificado as áreas de investigação sobre a temática da educação e imigração, facto que associamos à intensificação e diversificação dos fluxos migratórios com destino ao País e, em particular, à Área Metropolitana de Lisboa. O aumento do número de alunos de diferentes origens geográficas, nas escolas portuguesas, tem colocado interrogações, em particular junto do corpo docente e dos órgãos de gestão, relacionadas maioritariamente com as estratégias a adoptar para incorporar os recém- chegados nos novos contextos. As questões que emergem mais frequentemente centram-se nas relações interétnicas em meio escolar, na relação entre famílias imigrantes e escola, na exclusão social em meio escolar, no desempenho escolar dos alunos imigrantes, no ensino e aprendizagem de conteúdos disciplinares específicos.

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O estudo intitula-se Educação e Imigração: A Integração dos Alunos Imigrantes nas Escolas do Ensino

A escassa divulgação de informação estatística sobre os quantitativos de alunos estrangeiros nas escolas portuguesas, sobre o seu desempenho escolar e os percursos que realizam tem conduzido, por vezes, a generalizações e construções estereotipadas em relação ao seu perfil, associadas a situações de insucesso e violência escolar, divulgadas frequentemente pelos órgãos de comunicação social.

A informação estatística que se encontra disponível no sítio do Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação (GEPE)40 está neste momento desactualizada face à dimensão e diversidade da população estrangeira nas escolas portuguesas. Só o contacto directo com GEPE permite obter os dados recentes (anos lectivos de 2008- 2009 e 2009-2010) para uma análise da dimensão e dispersão actual dos alunos estrangeiros nas escolas portuguesas, aspecto a que já nos referimos anteriormente. Neste sentido, é ainda muito incipiente o conhecimento dos quantitativos e diversidade dos alunos estrangeiros que frequentam o sistema de ensino português, assim como é escassa, ou quase inexistentes, a investigação desenvolvida com base neste suporte estatístico.

A nível europeu e mundial, é possível ter acesso a diversos estudos que integram informação sobre Portugal, em particular os que comparam desempenhos escolares entre alunos imigrantes e nativos (PISA, 2009; Relatório de Desenvolvimento Humano, 2009) e os que medem o investimento dos países em políticas e medidas educativas para a integração de populações migrantes (Relatório Eurydice, 2004; Relatório de Desenvolvimento Humano, 2009; Relatório do MIPEX III, 2011). A informação disponibilizada por estes estudos permite um melhor conhecimento sobre a realidade portuguesa, comparativamente a outros países, e a desconstrução de algumas imagens menos positivas associadas ao desempenho dos alunos estrangeiros.

O investimento na publicação de estudos sobre a educação de populações migrantes, levado a cabo pelo Observatório da Imigração, revela uma preocupação com esta temática, nomeadamente no que diz respeito à necessidade de conhecer melhor e divulgar as características deste público escolar, os principais problemas vividos na escola e as práticas desenvolvidas no sentido da sua integração. Citamos como exemplo os estudos de Seabra, Mateus, Rodrigues e Nico (2011); Silva e Gonçalves (2011); Marques e Martins (2005) e a publicação de teses de mestrado e doutoramento concluídas nos últimos anos no âmbito desta temática (Casimiro, 2008; Mirotshnik, 2008; Araújo, 2008; Martins, 2008 e Pires, 2009).

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Gabinete do Ministério da Educação, criado pelo decreto regulamentar nº 25/2007, de 29 de Março. http://www.gepe.min-edu.pt/np4/estatisticas.

Tratando-se de um tema de abrangência pluridisciplinar, tem suscitado a investigação em diversos campos das ciências sociais, em particular, da Antropologia, da Psicologia Intercultural, da Sociologia, da Geografia e da Linguística. A pesquisa sobre a investigação realizada em algumas instituições de ensino superior em Portugal, efectuada nos repositórios das universidades de Lisboa, Coimbra, Porto e Minho, permitiu localizar mais algumas teses de mestrado e doutoramento desenvolvidas no âmbito da educação e diversidade étnica e cultural, nos últimos dez anos. Pela diversidade de temáticas que abordam, agrupámos estes estudos em seis linhas de investigação:

(1) desempenho escolar e etnicidade (Nascimento, 2005; Correia, 2006; Martins, 2007; Seabra, 2008; Pais, 2010; Lopes, 2011; Linares, 2011); (2) relações interétnicas em meio escolar (Silva 2002, Pontes, 2006; Oliveira,

2007; Botas, 2010; Silva, 2012);

(3) diversidade étnica e escolarização (Diogo, 2004; Santos, 2004; Martins, 2005; Relvas, 2006; Rocha, 2006; Brito, 2008; Pereira, 2008; Rodrigues, 2009; Teófilo, 2010; Garcia, 2011; Pinto, 2011);

(4) relação família-escola (Gonçalves, 2009);

(5) formação de professores e interculturalidade (Branco, 2011);

(6) didácticas específicas, estratégias em contextos de diversidade (Pinto, 2005; Vieira, 2006; Sousa, 2008; Baptista, 2009; Pereira, 2010; Araújo, 2011; Silva, 2011).

Para além da investigação realizada no âmbito da formação avançada, encontram-se também em curso projectos de investigação que procuram dar continuidade a algumas das linhas de investigação anteriormente apresentadas e avançar com novas temáticas de pesquisa. A maioria destes projectos está a ser desenvolvida em centros de investigação das universidades localizadas em Lisboa. Desses centros podemos referir, a título de exemplo, o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e Empresas; o Grupo de Investigação em Currículo e Formação de Professores, do Instituto de Educação; o Centro de Estudos de Sociologia, da Universidade Nova de Lisboa; o núcleo de Investigação MIGRARE – Migrações, Espaços e Sociedades, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa; e, também, o Centro de Estudos das Migrações e Relações Interculturais, da Universidade Aberta.