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2.2 Da Produção textual

2.2.2 Os gêneros textuais

As teorias que abordam os conceitos de gêneros e tipos textuais estão sendo bastante discutidas atualmente. Cabe aqui fazermos uma breve discussão acerca desses conceitos, que são indispensáveis para o ensino e a aprendizagem da produção textual.

Marcuschi (2002) acredita que os gêneros textuais são formas culturais e cognitivas de ação social e não modelos estanques com estruturas rígidas. Portanto, afirma que “temos que ver os gêneros como entidades dinâmicas [...], pois, assim como a língua varia, também os gêneros variam, adaptam-se, renovam-se e multiplicam-se”.

Os gêneros textuais são os textos orais e escritos materializados nas situações comunicativas que operam diariamente em contextos sócio-históricos, sendo, assim, as manifestações verbais que acorrem por meio de textos legitimados por uma sociedade.

Marcuschi (2008) ainda alega que

os gêneros textuais têm sua identidade e eles são entidades poderosas que na produção textual nos condicionam a escolhas que não podem ser totalmente livres nem aleatórias, seja sob o ponto de vista léxico, grau de formalidade ou natureza dos temas. (2008, p. 156.)

Portanto, na produção textual, os gêneros impõem uma padronização, mas também convidam o escritor a escolhas, estilos, criatividade e variação, provocando uma seleção cuidadosa dos elementos constituintes da produção.

Segundo Schneuwly e Dolz (2004, p. 120), os gêneros podem ser agrupados seguindo algumas regularidades linguísticas, respondendo a três critérios, a saber:

1. que correspondam às grandes finalidades sociais atribuídas ao ensino, cobrindo os domínios essenciais de comunicação escrita e oral em nossa sociedade; 2. retomem, de maneira flexível, certas distinções tipológicas, da

maneira como já funcionam em vários manuais, planejamentos e currículos; 3. sejam relativamente homogêneos quanto às capacidades de linguagem implicadas no domínio dos gêneros agrupados.

Estes autores agruparam os gêneros textuais em um quadro de aspectos tipológicos mediante os critérios já expostos, mas salientam que os agrupamentos “não são estanques uns em relação aos outros; não é possível classificar um gênero de maneira absoluta num dos agrupamentos propostos” (p. 121):

Quadro 1: Aspectos tipológicos dos gêneros textuais

DOMÍNIOS SOCIAIS DE COMUNICAÇÃO CAPACIDADES DE LINGUAGEM DOMINANTES EXEMPLOS DE GÊNEROS ORAIS E ESCRITOS Cultura literária ficcional NARRAR

Mimeses da ação através da criação de intriga

Conto maravilhoso Fábula

Lenda

Narrativa de aventura Narrativa de ficção científica Narrativa de enigma Novela fantástica Conto parodiado Documentação e memorização de ações humanas RELATAR

Representação pelo discurso de experiências vividas, situações no tempo

Relato de experiência vivido Relato de viagem Testemunho Curriculum vitae Notícia Reportagem Crônica esportiva Ensaio biográfico Discussões de problemas sociais

controversos

ARGUMENTAR

Sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição

Texto de opinião Diálogo argumentativo Carta do leitor Carta de reclamação Deliberação informal Debate regrado Discurso de defesa Discurso de acusação Transmissão e construção de saberes EXPOR

Apresentação textual de diferentes formas de saberes

Seminário Conferência

Artigo ou verbete de enciclopédia Entrevista de especialista

Tomada de notas

Resumo de textos expositivos ou explicativos

Relatório científico

Relato de experiência científica

Instruções e prescrições DESCREVER AÇÕES

Regulação mútua de comportamentos Instruções de montagem Receita Regulamento Regras de jogo Instruções de uso Instruções

*Fonte: Schneuly e Dolz (2004, p. 121).

Quando precisamos escrever algo, buscamos nos gêneros textuais características de como esse texto se organiza (forma estrutural), o que o compõe (conteúdo), qual a sua

finalidade (propósito comunicativo), o suporte textual8, papéis dos interlocutores e contextos situacionais. Ao participarmos de situações interativas com gêneros textuais, aprendemos quais são as características mais recorrentes em cada um, apropriando-nos destas para usos (leitura e produção) posteriores.

A escola deve criar situações que proporcionem a leitura e a escrita de textos de diferentes gêneros, visando a atender sua função sociocomunicativa. A articulação entre leitura e produção de textos é necessária, pois o contato efetivo e a leitura de diferentes gêneros textuais contribuem para produções escritas de qualidade, que cumprem com sua função e atingem seus interlocutores eficientemente.

Leal e Melo (2006) apontam dois motivos para realizar essa articulação. O primeiro se refere à necessidade de ter o que dizer ao escrever, e para isso precisamos adquirir e construir conhecimentos por meio de leituras diversas. O segundo diz respeito à oportunidade de se familiarizar com diversos gêneros para saber qual é o mais adequado para atender a finalidade desejada na situação de escrita.

No entanto, ressaltamos que não há gêneros textuais ideais para o ensino da língua materna. Mas, ainda segundo Marcuschi (2008, p. 207), “é provável que se possam identificar gêneros com dificuldades progressivas, do nível menos formal ao mais formal, do mais privado ao mais público e assim por diante”. O Parâmetro Curricular Nacional (PCN, 1997), voltado para a língua portuguesa, sugere um trabalho de compreensão e produção de textos, expondo uma lista de gêneros para serem explorados em práticas de compreensão de textos e outros para a prática de produção de textos. Contudo, apesar das sugestões, são redutores quanto à diversidade de gêneros textuais disponíveis e significativos para o trabalho em sala de aula, voltando-se especialmente para gêneros mais formais ao invés dos mais praticados no dia a dia.

Corroborando com Melo (2009), não podemos negar que,

O trabalho pedagógico na abordagem dos gêneros textuais em sua variedade reflete a própria multiplicidade e dinâmica da experiência humana, reconhecidos, explorados e valorizados por meio de atividades escolares de leitura e de escrita, de produção textual e de análise lingüística. O gênero textual é, portanto, uma via privilegiada para alfabetizar e letrar. (MELO, 2009, p. 82)

Dessa forma, em nossa pesquisa incluímos a produção de textos que envolvem as capacidades de linguagem da ordem do narrar e do relatar, selecionando quatro gêneros

8 Utilizamos o termo “suporte textual”, assim como Marcuschi (2008, p. 174), ao defini-lo como “um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto.”

diferentes: texto com base em uma sequência de imagens, conto, autobiografia e notícia. Ressaltamos que dois deles englobam a cultura literária ficcional, pressupondo o ato de narrar e os outros fazem parte da memorização de ações humanas, ou seja, relatos de experiências vividas.

Os gêneros textuais de caráter narrativo seguem uma estrutura característica com traços básicos que envolvem uma situação inicial, a complicação, as ações, a resolução e a situação final (LABOV e WALESTSKY, 1967). Estes textos apresentam uma estrutura organizada em começo, meio e fim, constituindo-se de eventos, que são os elementos composicionais do enredo da história.

Salientamos que desde muito cedo as crianças escutam histórias em diversas situações, seja para dormir, por entretenimento em brincadeiras, seja na escola e ao mesmo tempo também são solicitadas a contar história. Tal fato, característico de nossa cultura, provoca a compreensão do esquema narrativo desde muito cedo, pois assim as crianças vão internalizando esse modelo que perpassa todas as histórias, imaginando, criando personagens, fantasias e resolvendo situações de conflitos nas histórias. Essa estrutura requer uma noção temporal dos fatos, exigindo o emprego de conectivos, de modos verbais segundo a sucessão de acontecimentos dos fatos, desenvolvendo o raciocínio lógico da criança. Em pesquisa realizada com crianças de 2ª série, Vieira (apud KATO, 2002), constatou que a estrutura do texto narrativo é aprendida mais cedo que outros tipos de estruturas.

Beaungrade e Dressler (1981) enfatizam que à medida que as crianças interagem com as histórias infantis, elas vão construindo seus esquemas cognitivos com relação às estruturas de histórias, os quais são adicionados às outras estruturas textuais que possuem.

Conforme mencionado anteriormente, ouvimos histórias desde pequenos, sejam elas orais ou lidas nos livros. Algumas dessas histórias já fazem parte do imaginário infantil, como os três porquinhos, a chapeuzinho vermelho, a cinderela, dentre outras. Estas histórias compartilham algumas características composicionais e, por isso, são consideradas um conto.

O conto é um gênero textual, relacionado ao ato de narrar, bastante familiar para as crianças, alguns de seus elementos constituintes são bem característicos e fáceis de serem reconhecidos, pois são narrativas curtas, lineares, com uma linguagem simples e direta, envolve poucos personagens e estes se movimentam em torno de ações, que se passam em um único espaço e tempo e que se encaminham para um único desfecho. Sua estrutura segue as características da narrativa, que é de fato familiar para as crianças.

Outro modelo de texto que apresenta essa estrutura narrativa pode ser produzido a partir de uma sequência de eventos expressas em imagens. Já que estas podem servir de apoio

a escrita da criança, pois apresentam a sequenciação dos eventos ocorridos no enredo da história. Acreditamos que os textos produzidos com apoio de imagens podem ajudar as crianças a manter o tópico da narrativa e elaborar o desfecho de acordo com o evento principal e com os acontecimentos ocorridos, visto que, segundo Spinillo (1993) as crianças, em nível inicial de escolarização, apresentam dificuldades nesses aspectos.

De acordo com Aumont (1993) as imagens são capazes de representar o tempo e o espaço, indicando os eventos ocorridos e diante disso, auxiliam na sustentação da narrativa.

Corroborando, Bitar (2002) esclarece que, a compreensão das figuras implica uma realização cognitiva, que gradativamente permite que a criança perceba a imagens como uma representação icônica que simboliza algo. Fiorindo (2009), ao pesquisar sobre a produção de narrativas orais, constatou que

as imagens em sequência são concebidas como signos, que representam significantes (imagens) e significados (sentidos), pois contribuem para a organização e estruturação da narrativa oral infantil, já que fornecem pistas para diversas interpretações, de acordo com o conhecimento de mundo dos sujeitos. (2009, p. 200).

Além disso, assevera que a sequência de imagens é um instrumento pedagógico valioso, pois evoca lembranças e estimula o desenvolvimento do raciocínio lógico dos aprendizes.

Os gêneros textuais que enfocam a capacidade de relatar compartilham de características que se voltam ao domínio social da comunicação indicando a documentação e memorização de ações humanas. Estes gêneros textuais exigem uma representação pelo discurso de experiências vividas situadas no tempo.

Embora o Dicionário dos gêneros textuais (COSTA, 2009, p. 37) considere a autobiografia uma espécie de “narração que fala sobre a vida de um indivíduo, escrita pelo próprio, sob forma documental, ou seja, é uma prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, acentuando a vida individual, em particular, sobre a história de sua personalidade”, em nossa pesquisa a consideraremos um gênero textual da ordem do relatar, pois acreditamos que a autobiografia é um relato escrito de sua própria vida. O que não exclui as sequências de narrativa necessárias para esta produção.

O outro gênero textual selecionado para esta pesquisa também é considerado um gênero textual da ordem do relatar, embora predomine a narração. A notícia é um gênero textual jornalístico e pode ser veiculada em jornais, escritos e falados, e em revistas, ela é a expressão de um fato novo.

Tendo como referência essas conceituações e suas implicações para o ensino- aprendizagem da língua escrita, cabe agora recorrermos a outros aspectos relevantes para o andamento de nossa pesquisa. Detalharemos em seguida o processamento da produção textual, uma vez que envolve aspectos complexos inerentes ao ensino-aprendizagem da língua escrita.