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2 CONCEITOS BALISADORES

4.2 OS “GRILHÕES” MODERNOS

Diante desta matriz, podemos identificar alguns traços marcantes do Estado brasileiro, interpretados por alguns como “grilhões” que, a princípio, impedem o desenvolvimento do país. De início, Schwartzman aponta duas características predominantes:

Primeiro, um sistema burocrático e administrativo que denominamos, para seguir a tradição weberiana, de neopatrimonial, e que se caracteriza pela apropriação de funções, órgãos e rendas públicas por setores privados, que permanecem no entanto subordinados e dependentes do poder central,

formando aquilo que Raymundo Faoro chamou de “estamento burocrático” (1986, p. 3).

A segunda característica decorre da modernização e profissionalização do estamento burocrático, dando origem ao despotismo burocrático: “nossos governantes tendem a achar que tudo sabem, tudo podem, e não tem na realidade que dar muita atenção às formalidades da lei” (SCHWARTZMAN, 1986, p. 3). Eis, então, retratada formação neopatrimonial do Estado brasileiro:

não é simplesmente uma de sobrevivência de estruturas tradicionais em sociedades contemporâneas, mas uma forma bastante atual de dominação política por um “estrato social sem propriedades e que não tem honra social por mérito próprio, ou seja, pela burocracia e a chamada “classe política” (SCHWARTZMAN, 1986).

Importante destacar o tipo de racionalidade que prevalece nesta situação. Na perspectiva weberiana, apresentada por Schwartzman (1986), tem-se a racionalidade formal, que se refere à existência de normas explicitas – leis – que regulam o comportamento dos agentes públicos, normalmente resultante daquela evolução histórica que organiza o poder do Estado via contrato. A ela opõem-se duas outras: a discricionariedade pessoal, própria do patrimonialismo antigo; e a racionalidade substancial ou substantiva, típica das democracias plebiscitárias, que pretende alcançar um conjunto de objetivos, independentemente de regras ou regulamentos formais, invocando as chamadas “Razões de Estado”. Afirma Schwartzman que “a combinação entre governos centrais comandados por suas “Razões de Estado” e massas passivas, destituídas e mobilizáveis é a receita mais acabada para os regimes patrimoniais burocráticos modernos” (1986, p. 5).

Estas características trazem consigo outras três: o neocorporativismo, que pretende organizar os grupos de interesses em instituições controladas pelo Estado e tem como outra face a exclusão; o neomercantilismo, quando o Estado dirige empreendimentos econômicos os mais diversos; e o populismo, que é a outra cara do autoritarismo. Ainda sobre este último, conformeSchwartzman, “o que caracteriza o populismo é a tentativa de estabelecer uma relação direta entre a liderança política e a “massa”, o “povo”, sem a intermediação de grupos sociais organizados” (1986, p.3).Um modo de governar direcionado à base da população, mas que enfraquece as instituições democráticas e as articulações sociais – responsáveis que deveriam ser pelas transformações sociais estruturantes – vez que fortalecem a personalização messiânica de algum líder em particular. Desta forma, a população é seduzida, sem que melhorias substanciais de longo prazo sejam efetivamente implementadas.

Lamounier, por sua vez, apresenta o clientelismo. Na realidade brasileira contemporânea, segundo este autor, o clientelismo não deve ser encarado como uma espécie de sobrevivência, como “um “arcaísmo”, um conjunto de práticas que não mais se coaduna com a etapa evolutiva alcançada pela sociedade, mas que se sobrevive e se reproduz por força de alguma inércia cultural” (2014, p.222). Antes, o clientelismo, diante das mudanças sociais e econômicas, transformou-se; atualmente, opera junto aos inúmeros e vultosos processos de compra inaugurados pelo Estado. Distingue-se, assim, dois tipos de clientelismo:

Se o primeiro (“voto de cabresto”, nomeação de apadrinhados para o serviço público, utilização de máquinas municipais no interior das fazendas, empréstimos camaradas em bancos oficiais), tradicional, evoca o parentesco e a pequena comunidade, o segundo, eminentemente moderno, tem como horizonte o conjunto do espaço econômico. Se aquele é uma extensão natural de vínculos primários, este se baseia em cálculos racionais de ganho e de poder político. Se o clientelismo tradicional declina, e é cabível admitir que isso esteja de fato ocorrendo, o moderno demonstra notável vigor e parece aumentar exponencialmente (LAMOUNIER, 2014, p. 223,224). O clientelismo moderno, portanto, nasce no processo decisório, onde haja espaço para algum grau de discricionariedade. Apesar de assemelhar-se ao tipo tradicional, pois implica na troca de favores, as diferenças são importantes. Vale mencionar a complexidade das operações e valores transacionados e, mais importante para a identificação do domínio da ideologia neoliberal, a “modernidade”. Lamounier define esta diferença nos seguintes termos: Trata-se aqui de um “mercado” despojadamente utilitário, isento de qualquer viscosidade afetiva ou ligadas a marcas de honra ou de status, no sentido que estes termos possuíam no universo das famílias patrícias. O fornecedor de apoios e serviços é aqui um peculiar “empresariado”, uma miríade de personagens cujas identidades ou origens sociais se tornaram rigorosamente irrelevantes (2014, p.225)

Schwartzman (1986) expressa que o Brasil possui uma longa tradição autoritária, não superada por rearranjos institucionais (que também podemos definir como rupturas inconlcusas). Como explica o autor,

o termo autoritarismo é pouco mais do que uma expressão de conveniência que utilizamos para nos referir a uma história cheia de contradições e contra- exemplos, onde, no entanto, um certo padrão parece predominar: o de um Estado hipertrofiado, burocratizado e ineficiente, ligado simbioticamente a uma sociedade debilitada, dependente e alienada.

Afirma também que a sociedade não tem sido capaz de se opor e superar este traço marcante, pois confunde dois problemas de ordens diversas: I) Estado patrimonial (irracional, centralizador, autoritário) X Setores sociais autônomos (racionalismo privado); e II) Ideologia

liberal (não-intervencionismo, privatismo) X Planejamento governamental (intervenção na vida econômica e social do país). O autor conclui, com razão, que o Brasil precisa “completar simultaneamente as duas transições” (1986, p. 1). Ou seja, constituir uma administração mais ágil e eficiente, capaz de gerir as demandas sociais; e enfrentar o desafio do planejamento governamental, extremamente necessário numa sociedade desigual como a nossa, definindo valores sociais e nacionais acima dos interesses privatizados.

Refletindo com Martins,

É impossível entender o Brasil tradicional, o Brasil moderno e já nesta altura o Brasil pós-moderno, sem levar em conta esta tensa combinação de moderno e tradicional que freia o nosso desenvolvimento social e político e que se renova a cada momento. Somos, estruturalmente, uma sociedade de

história lenta, um conjunto de relações socialmente arcaicas mediatizando,

viabilizando e, ao mesmo tempo, tolhendo e limitando o desenvolvimento econômico, social e político (2011, p. 8).

Uma questão indispensável é a forma de organização da democracia, ainda que seja entre nós um “lamentável mal-entendido”. A institucionalidade da democracia no Brasil hoje deve ser pensada sob a perspectiva de três dimensões, sendo cada uma delas portadoras de “princípios, formas organizacionais e mecanismos operativos específicos” (GOMIDE; PIRES, 2014, p. 33) que se influenciam reciprocamente. O sistema representativo constitui a primeira dimensão. Neste âmbito, estão as instituições responsáveis pelas eleições, pelo estabelecimento de procedimentos que disciplinam a existência e funcionamento dos partidos políticos e a disputa entre grupos politicamente organizados. A segunda dimensão, por sua vez, diz respeito às instituições participativas, como, por exemplo, as como conferências, os conselhos gestores de políticas públicas. Por esta razão, denomina-se esta dimensão de sistema participativo que, como o nome informa, pretende garantir estruturalmente a participação dos cidadãos nos processos relacionados às políticas públicas. A terceira dimensão é o sistema de controles da burocracia, que corresponde aos mecanismos de accountability: o controle de procedimentos e da atuação dos agentes administrativos, o controle de resultados, o controle parlamentar e judiciale o controle social. Estes instrumentos pretendem prevenir a corrupção, garantir direitos e “contrapor-seao insulamento e à prevalência da especialização e do discurso técnico típicos das burocracias modernas, por meio da ampliação do escrutínio destas por parte de atores da sociedade e do próprio Estado” (GOMIDE; PIRES, 2014, p. 33)

Assim, a realidade do ambiente institucional comprova a existência do que “Santos e Avritzer (2002) denominaram “demodiversidade”” (GOMIDE; PIRES, 2014, p. 35), ou seja,

os distintos formatos através dos quais opera da democracia brasileira. Longe de significar uma fragilidade, a multiplicidade nos modos de atuação enriquece as práticas democráticas e significa sua consolidação nos marcos das relações entre Estado e sociedade. Contudo, o sistema não é responsivo, e as razões não provêm da qualidade das instituições em funcionamento, e sim do perfil das relações políticas e eleitorais que se configuraram no país. Estas descrições devem ser objeto das reflexões de Wanderley Guilherme dos Santos, que afirma o Brasil tratar-se de uma poliarquia, definida “por elevado grau de institucionalização da competição pelo poder (existência de regras claras, públicas e obedecidas) associado à extensa participação política, só limitada por razoável requisito de idade” (1993, p.80). Esta morfologia, “excessivamente legisladorae regulatória” (SANTOS,W.,1993, p.79), alia-se a “um hobbesianismo social pré-participatório e estatofóbico” (SANTOS,W., 1993,p.79), consubstanciando, de acordo com este autor, um híbrido institucional que é razão importante para a dificuldade de governar o país. Como resultante, uma poliarquia que corresponde “a pouco mais do que minúscula mancha na turbulenta superfície do país” (SANTOS,W., 1993, p.80). Conclui Wanderley Santos que “é este híbrido que faz com que o governo governe muito, mas no vazio – um vazio de controle democrático, um vazio de expectativas legítimas, um vazio de respeito cívico”(1993, p. 80).

Este híbrido institucional, haja vista a história recente, está sob a égide do pensamento neoliberal, entendido como

reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar.[...] Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política (ANDERSON, 1995, p. 1).

A hegemonia alcançada por esta vertente ideológica alcançou não apenas os governos de direita, como também – e aqui reside uma surpresa ética – aqueles que se apresentavam como de esquerda. Analisando os resultados alcançados por este ideário, Anderson (1995) afirma que, em termos econômicos, o neoliberalismo não obteve êxito pois não houve a revitalização do capitalismo avançado; socialmente, foram significativos os objetivos alcançados – sociedades ainda mais desiguais – embora a presença do Estado ainda se faça sentir mais do que o modelo prescreve; por fim, política e ideologicamente, “o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonham, disseminando a simples ideia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, tem de adaptar-se a suas normas” (1995, p.12). Por esta

razão, “o temário político segue sendo ditado pelos parâmetros do neoliberalismo, mesmo quando seu momento de atuação econômica parece amplamente estéril ou desastroso” (ANDERSON, 1995, p. 8). O império da “razão instrumental”, como se verá no subitem 5.1.

Portanto, de acordo com a concepção neoliberal, o Estado funciona de maneira equivocada, assumindo responsabilidades que não deveriam estar contidas em sua agenda e, desta forma, dá causa a períodos de instabilidade. Seguindo esta linha de raciocínio, para superar as tais crises seria fundamental enquadrar o Estado, reduzindo-o às suas funções de articulador e gerente das relações sociais de produção. Por conseguinte, a perspectiva neoliberal, enxergando o Estado como instaurador das crises, apresenta como solução, dentre outras, a redução dos gastos e dos serviços públicos ofertados, o que traz como consequência direta “o enfraquecimento das áreas de governo voltadas para a entrega de bens e serviços públicos à sociedade e o fortalecimento das áreas responsáveis pelo ajuste fiscal, desestatização, controle e criação de regras para travar o gasto público” (MELO et alli,2012, p.10).

Para que a máquina pública passasse a funcionar obedecendo às diretrizes fundamentais do neoliberalismo, as reformas administrativas foram implementadas, sendo no Brasil conhecidas como gerencialismo. Neste contexto, é importante destacar a observação elaborada por Navarro et alli:

Cabe investigar com mais cuidado a contribuição efetiva do discurso do gerencialismo no aprimoramento da gestão pública. Ocorre que ele pode consumir a energia das instituições para a organização de meios em detrimento da emergência dos principais desafios do país, subtraindo dimensões fundamentais do planejamento, em especial a que possibilita explicar a realidade e fazer acontecer as escolhas para viabilizar a vontade do povo e objetivos da República. As inconsistências são ainda maiores quando se nota que o discurso da melhoria de gestão foi aplicado a partir da reorganização de processos e procedimentos com vistas à redução de custos, enxugamento administrativo e remodelagem organizacional, como se isto, associado à introdução de indicadores de qualquer natureza, fosse capaz de alçar o Estado a um patamar mais elevado de prestação de serviços públicos (2012,p.27).

É preciso mencionar, contudo, que diante dos dados concernentes às políticas públicas sociais, os gastos apropriados traçam uma curva ascendente no Brasil contemporâneo. O neoliberalismo não se fez sentir de forma tão radical como pretende o modelo teórico. As suas consequências são perceptíveis na priorização do capital financeiro, com o comprometimento do Orçamento da União para pagamento dos juros, e no planejamento estatal precário, pouco competente.

Neste contexto de reforma neoliberal, é importante conhecer a ação do Estado brasileiro, quando pautada primordialmente no planejamento – associado à busca de objetivos nacionais estratégicos (CARDOSO JR, 2014) – ou na gestão – aparato administrativo. O Brasil foi colonizado sem qualquer esforço de planejamento, como mencionado; um longo período norteado pela acumulação primitiva e suas redescrições. A partir de 1930, percebe-se com nitidez que o Estado se concentra na tarefa de desenvolver-se, o que à época significava promover a industrialização. Como país de capitalismo tardio, sem tecnologia e capital acumulado, a industrialização só se tornaria factível com a liderança decidida do Estado, de forma que, para alcançar a finalidade do desenvolvimento e a superação de atraso, a tarefa de planejar era essencial. Assim, motivado pela vontade política industrializante, o sistema de planejamento estrutura-se mais rapidamente que os aparelhos administrativos responsáveis pela gestão – “com destaque óbvio aos sistemas destinados à estruturação e ao gerenciamento da burocracia, bem como às funções de arrecadação, orçamentação, gestão da moeda, implementação, monitoramento, avaliação e controle das ações de governo” (CARDOSO JR, 2014, p.11).Como explica Cardoso Jr.:

Em outras palavras, a primazia do planejamento frente à gestão, ao longo praticamente de quase todo o século XX, decorreria, em síntese, do contexto histórico que obriga o Estado brasileiro a correr contra o tempo, superando etapas no longo e difícil processo de montagem das bases materiais e políticas necessárias à missão de transformação das estruturas locais, visando ao desenvolvimento nacional. Basicamente, fala-se, neste contexto, da montagem dos esquemas de financiamento e de apropriação tecnológica – isto é, suas bases materiais– e da difusão da ideologia do industrialismo e da obtenção de apoio ou adesão social ampla ao projeto desenvolvimentista – ou seja, suas bases políticas (2014, p. 11).

A gestão das atividades estatais, em que pese a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) e as disposições contidas no Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), elaborado pelo governo militar, e na Constituição Federal de 1988 (CF/88), permaneceu por longo período numa posição subalterna. Em 1990, com o domínio neoliberal e diante das recomendações do Consenso de Washington, as posições se invertem e a gestão ocupa o centro das preocupações a atividades estatais. Numa época de ideário neoliberal, de fato, o planejamento surge como uma incômoda e desnecessária intervenção.

Neste momento, cabe destacar alguns trechos e comentários presentes na relevante discussão colocada por Pinho (1998) sobre o aparelho executivo do Estado. Inicialmente, destaca este autor a opinião de Bresser Pereira (1997): o Estado mínimo, de acordo com o

ideário neoliberal, é irrealista, dado que os “cidadãos continuam a exigir mais do Estado” e que as políticas públicas desempenham um papel tão grande no capitalismo contemporâneo que o mercado não tem condições de substituí-lo. Nesse sentido, sendo a ação governamental tão vital, observam-se, desde o Decreto Lei 200/1967, tentativas de reformulação da máquina administrativa buscando torná-la ainda mais promotora do desenvolvimento capitalista e provedora das demandas da sociedade.

De acordo com Pinho, para Nogueira (1996), o Estado seria conduzido por um conjunto administrativo que expressava uma macrocefálica bifrontalidade: uma racional- legal e outra patrimonialista, que “comunicam-se e interpenetram-se em clima de recíproca competição e hostilidade” (PINHO, 1998, p. 62). Observa-se uma máquina quase esquizofrênica, um híbrido administrativo onde a estrutura patrimonialista busca atualizar-se, ser contemporânea. As palavras de Pinho reforçam o referencial utilizado, ao identificar um patrimonialismo camaleônico que, apesar das alterações da ordem econômica brasileira, demonstra alta capacidade de resiliência, sendo capaz de “absorver mudanças modernizantes da sociedade brasileira e de se amoldar à nova situação” (1998, p. 63). Tal capacidade, de acordo com este autor, decorre do fato de que “quem gere a ordem econômica é fundamentalmente a mesma ordem política”, sendo esta caracterizada por “interesses patrimonialistas fortemente enraizados e instalados” (1998, p. 72).

Segundo Nogueira, a reforma da administração “tornou-se inseparável de uma reforma do Estado, pois depende de uma profunda revisão das funções e práticas estatais, das instituições políticas e das relações Estado – sociedade civil, cujo padrão histórico é perverso e de baixa qualidade” (apud PINHO, 1998, p. 76). A questão da reforma é muito mais ampla, “tornou-se eminentemente política, dizendo respeito à democracia, à refundação de pactos e consensos societais, à participação da cidadania, à valorização das instituições representativas e não apenas à mera racionalização administrativa” (PINHO, 1998, p. 76).

Sobre as consequências da tentativa recende de reforma administrativa, Oliveira destaca que os processos de desregulamentação significam séria ameaça à cidadania, tanto nos países desenvolvidos quanto no Brasil, onde “o “desmanche” – como o chamou Roberto Schwarz – chegou antes de o edifício estar de pé: é o “desmanche” do simulacro do Estado de Bem-estar” (2001, p. 16). No entanto, esta visão não deve acarretar paralisia, pois o desafio que se apresenta, a globalização, exige grandes esforços uma vez que “caduca não apenas a democracia representativa, radicalizando a separação entre dominantes e dominados; tende a caducar mesmo o Estado-Nação, o que desfaz a própria cidadania” (OLIVEIRA, 2001, p. 16).

Como elemento constituinte da democracia e elo essencial entre o Estado e a Sociedade, uma reflexão mais detalhada sobre a accountability se faz necessária. Pinho e Sacramento ensinam que a “accountability nasce com a assunção por uma pessoa da responsabilidade delegadapor outra, da qual se exige a prestação de contas, sendo que a análise dessas contas pode levar à responsabilização” (PINHO & SACRAMENTO 2009, p. 1350). A partir deste conceito, é possível perceber os dois momentos da accountability formulados por Schedler e citados pelos autores: answerability, que se traduz no dever dos mandatários públicos de prestar informações e explicações sobre as suas decisões e atos, ao tempo em que se responsabilizam por eles; e enforcement, quer dizer, a capacidade dos órgãos competentes de impor sanções àqueles que descumprirem ativa ou passivamente seus deveres públicos.

Apresentando a contribuição de Campos, os autores registram que para a administração pública brasileira tornar-se accountable necessário se faz observar as

seguintes ocorrências, as quais, como podem ser verificadas, guardam certa interdependência e estão diretamente relacionadas à democracia: a) organização dos cidadãos para exercer o controle político do governo; b) descentralização e transparência do aparato governamental; e c) substituição de valores tradicionais por valores sociais emergentes (CAMPOS, 1990, p. 48 apud PINHO et al, 2009, p. 1344).

Neste mesmo sentido, os autores nos informam que o Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD)

alertou, mais recentemente, para o fato de que a realização do valor político da accountability depende de dois fatores: um deles é o desenvolvimento da capacidade dos cidadãos de agir na definição das metas coletivas de sua sociedade, já que uma população indiferente à política inviabiliza tal processo; o outro é a construção de mecanismos institucionais que garantam o controle público das ações dos governantes ao longo de todo o seu mandato (PINHO et al, , 2009, p. 1352).

Diante do exposto, resta evidente que a realização da accountability depende de uma sociedade politicamente forte, capaz de articular-se em tomo de interesses coletivos e de exercer, tanto difusa quanto diretamente, o controle das ações executadas pelo Estado, Pinho et ai (2009) reconhecem que nos últimos 20 anos a sociedade civil brasileira assumiu iniciativas que revelam uma aproximação, ainda que tímida e lenta, da accountability.

Esta aproximação encontra a resistência interposta pelos "interesses do que Faoro (1979) chama de estamento, grupo que controla o Estado e tem sido resistente às transformações fundamentais à modernização, mantendo um "capitalismo politicamente

orientado"" (PINHO et al, 2009, p. 1362). Ou seja, o estamento incorpora as estruturas econômicas e tecnológicas do capitalismo sem, contudo, adotar sua racionalidade impessoal, o que permite a sobrevivência do patrimonialismo brasileiro. Mais uma vez, "deitou-se remendo de pano novo em vestido velho, vinho novo em odres velhos, sem que o vestido se rompesse, nem o odre rebentasse" (FAORO, 1979, p. 733-748 apud PINHO et al, 2009, p. 1362). De modo semelhante, afirma Nogueira (1998) que o Estado brasileiro, caracterizado