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Os homens em processo de adaptação – Antigas representações?

A construção do novo ou do não familiar tem que ser incorporada aos universos consensuais, que seria o processo de adaptação. Esse processo, no entanto, não ocorre apenas com as mulheres que estavam adentrando, mas também com os homens que estavam ali

presentes. Assim, precisa haver uma ancoragem da representação, pois aquilo que não é classificado nem denominado é percebido como estranho, pois não existem e podem ser também ameaçadores (MOSCOVICI, 2010). Nas entrevistas apresentadas a seguir, podemos perceber um pouco de como ocorreu esse processo de adaptação masculina.

A Oficial J aponta as dificuldades dentro da instituição, mostrando ainda a questão do costume, da aceitação da figura da mulher por parte de alguns, já que ainda persistia a interpretação que alguns indivíduos fazem de sua realidade, o que ainda persiste na realidade do nosso conjunto social:

[...] não fui bem recebida quando cheguei na escola de aprendizes- marinheiros pelo então comandante, mas os alunos e demais militares me apoiaram muito. Os comandantes que se seguiram respeitaram o meu trabalho e sempre consideravam as minhas opiniões nas questões profissionais, [...] .

Podemos perceber que ainda persiste, por parte de algumas pessoas, um preconceito com relação à mulher e ele está ligado àquelas pessoas com mais tempo de Marinha. Isso fica evidente na fala da Oficial F, quando relata a existência de preconceitos, após ter passado dez anos na Marinha. Essa atitude preconceituosa vinha de pessoas que ainda não concebiam a ideia de tê-las na citada instituição. Também foi evidenciado pela entrevistada a existência de atitudes de alguns militares que esqueciam que aquela figura feminina, antes de tudo, era uma militar, e colocavam, como diria Carvalho (1990) o “ser mulher antes do ser militar”, fazendo coisas para uma tenente mulher que não fariam para um tenente homem. Lembremo-nos de que, segundo a Oficial F, essa Representação da mulher pode ser atribuída a poucos indivíduos. Mas sabemos que um pensamento individual, que pode levar ao comportamento de um indivíduo, que participa de uma coletividade, pode se tornar produto desta.

Quando eu entrei pra Marinha, as mulheres já estavam na Marinha há dez anos. Então, quando eu entrei, as coisas já estavam bem mais tranquilas, né? Obviamente que eu conheci pessoas que ainda tem aquela questão...o preconceito por ser mulher, foram pouquíssimos, pouquíssimos, mesmo, só naqueles casos assim de... os mais velhos que jamais imaginaram ver mulher na Marinha eu vi preconceito em alguns poucos. Mas assim, alguns, eu vi alguns esquecerem a condição de militar por estarem tratando com uma mulher, o que jamais eles fariam pra um tenente homem faziam pra uma tenente mulher. Foram poucos também, Mas assim, ao longo da minha [...]. Eu acho que foi super tranquilo. Não senti muita dificuldade de lidar com eles e nem senti muita dificuldade deles em lidar conosco mulheres, não.

Outro ponto de divergência ocorreu na aceitação das mulheres que entraram como cabo, enquanto os homens entravam como marinheiros para depois irem a cabo, e isso demorava uns quatro, cinco anos para ocorrer. Com o tempo, com a conquista do espaço pelas mulheres, a conquista do respeito e, provavelmente, a demonstração da capacidade, isto tendeu a melhorar. Também, por parte dos superiores, a entrevistada relata uma superproteção pelo fato de serem mulheres e novinhas, o que, mais uma vez, aponta para a Representação da mulher como seres frágeis que necessitam de proteção e cuidados especiais. Muitas vezes essa Representação vinha de um grupo de homens mais antigos, e a todo instante elas tinha que mostrar a competência da mulher, para delimitar e manter espaços, como até hoje. Já com os mais modernos, tendo competência, depois de 14, 15 anos de mulher na Marinha, “era meio caminho andado”. Ainda assim, esse feto mostra que ainda poderia haver alguma resistência:

Teve, no início, né? o.... os homens praças não admitiam que as mulheres ingressassem também como cabo, porque eles já tava na Marinha, porque eles entravam como marinheiros para depois ir a cabo, demoravam uns quatro, cinco anos, mais ou menos, e a gente ingressava na Marinha como cabos e eles não aceitavam. Só que a gente já vinha com um nível técnico do meio civil e eles não, né?[...] Ah! Dos superiores, por vezes essa postura assim, "Ah! Ela é muito novinha, ela é mulher,..." as vezes uma postura, assim, super protetora, né? Que cabia a gente ir é... se desvencilhando e mostrando que a gente tinha tanta competência quanto o outro cabo novinho que tivesse entrado na Marinha, um outro marinheiro novinho, né? a gente é evitar essas situações de superproteção porque poderiam acabar colocando a gente numa situação constrangedora diante dos nossos pares. [...] Se eu te disser que eu tive mais dificuldade com os mais antigos do que com o mais modernos, é verdade. Porque os mais modernos você tendo, é...competência, você tendo educação, cê tem meio caminho andado, já 14, 15 anos depois do ingresso da mulher, né? meio caminho andado. Agora, em relação aos mais antigos, ainda tinha muito que mostrar o..., a competência em prol da mulher, ainda tinha muito que delimitar espaços, e manter espaços como até hoje, até hoje a gente tem que manter espaços. (OFICIAL C)

Há aquelas que sofreram perseguições, demonstrada na fala da Oficial B, mas a causa é colocada na esfera do individual e não do coletivo, e a justificativa para essa abordagem é que essas pessoas que perseguiram mulheres também o fizeram com alguns homens. Assim:

[...] no íntimo, os homens torceram sempre por nós, nós darmos certo e o que eu acho que mais importante foi que nós não decepcionamos eles, entendeu? As pessoas umas as próprias mulheres as vezes que, que criavam entre si é, é, é, ... alguma, algum se não ou alguns homens que não tinham essa

compreensão, tentaram as vezes perseguir alguma mulher, mas eles também perseguiam alguns homens. Então, o problema era de alguns [...].

A Oficial C evidencia a questão do ser mulher:

Tem um lado que atrapalha e um lado que ajuda. O lado que ajuda é que às vezes as pessoas acham que por ser mulher precisam de mais ajuda, de mais atenção, você acaba recebendo mais atenção, às vezes de, de homens mais antigos que, digamos assim, se compadecem de ajudar, né? quando veem que você não tem experiência para né? é... agir em determinada situação, se compadecem mais em ajudar, as vezes a gente sente isso. Porque a mulher é, tem, tinha pouca experiência à época. Então, às vezes teve esse lado assim que ajudou.

Ao contrário de mulheres que observam o tratamento da mulher diferente do tratamento conferido aos oficiais, a entrevistada Oficial C relata como positivo o fato de as mulheres serem ajudadas por terem a visão de que elas precisam de mais atenção, então, por não ter a devida experiência, isso acaba ajudando a ter a colaboração dos colegas mais antigos. Dando continuidade à fala da entrevistada, temos:

[...] às vezes, até hoje, às vezes até hoje você encontra alguns oficiais que tiveram ao longo da sua carreira o convívio muito mais com homens... então, até hoje se eles tiverem que trabalhar somente com mulheres, a gente verifica que eles têm um pouco de dificuldade.

Desta forma, outro ponto levantado pela entrevistada diz respeito àqueles homens que, apesar de conviverem em sociedade com mulheres, dentro de uma instituição militar, onde sempre tiveram mais convívio, durante sua carreira, com homens, sentem dificuldades se tiverem que trabalhar em um ambiente que tenha mais mulheres.

Outro ponto a ser abordado seria a diferenciação entre homens e mulheres, que, segundo a Oficial E, não ocorre, mas evidencia algumas características que relata como sendo características próprias da figura feminina. Assim, comenta, fazendo coro com a Representação de nossa sociedade, que a mulher tem a capacidade de desenvolver vários trabalhos ao mesmo tempo, ao contrário do homem, e isso acaba sendo levado para dentro da instituição:

Não, até mesmo pela maneira que você conduz a carreira, essa diferença ela não aparece. Se você domina o seu assunto, né? Você tem a responsabilidade, você cumpre tudo que tá ali, essa diferença não aparece. É como qualquer outra profissão, se você quiser ter regalias ou não, mas é

simples demais, se você cumpriu tudo aquilo que você tem pra fazer, essa diferença ela some porque veio do término do seu trabalho, de você prontificar suas atividades, de você liderar um grupo de homens e de mulheres. Se você fizer a sua parte, essa diferença ela realmente não aparece. Agora, a mulher ela tem muito mais possibilidade de, de desenvolver vários trabalhos ao mesmo tempo, isso já é científico, né? Porque nosso cérebro não trabalha compartimentado. Dona de casa é assim, né? Bota...da mamadeira, bota roupa na corda, bota o feijão no fogo, arruma a casa, atende o telefone,...a gente tem essa capacidade e desenvolve na área administrativa a mesma capacidade, né? Se pode gerenciar várias tarefas ao mesmo tempo e você tá aqui centralizada, é uma capacidade feminina, que as empresas observam isso.

Ainda em relação à Representação, também partia delas a questão de transformar o desconhecido em conhecido, modificando aquilo que era visto como estranho em algo próximo, e isso é determinado pela linguagem, imagens e ideias compartilhadas por um dado grupo. A Representação não é criada isoladamente por um indivíduo. Uma vez que é compartilhada por todos e reforçada pela tradição, ela forma uma realidade social (MOSCOVICI, 2010). Por isso, às vezes, há dificuldade em colocar essa Representação já enraizada de lado e, neste sentido, ainda percebemos pessoas que, dentro da instituição, persistem em ver o “ser mulher antes do ser militar” (CARVALHO, 1990). Nessa perspectiva, isso também fica claro no relato da Oficial A:

Olha só, de ser mulher, eu acho o seguinte. O que, o que é ...nós, pelo menos da minha turma, se preocupou muito, até porque fomos muito bem orientadas em relação a coisa, foi mostrar a Marinha, no caso aos homens, que nós estávamos chegando não para ser melhores do que eles, mas sim mostrar que éramos tão competentes quanto, entendeu?

Outro exemplo do processo de adaptação que os homens tiveram que passar e da transformação do desconhecido em conhecido.

Eles mesmos ti...Uma vez uma amiga minha teve um problema sério, menstruada e queria sair, porque ela tava precisando, que ela tava numa situação crítica que ela tinha acabado de menstruar e o oficial que era o chefe do nosso departamento querendo conversar com a gente até que eu disse para ele : Chefe! Pois não deixa ela sair? (nome da entrevistada), mas por que, ela só espera mais cinco minutos, mania de você... Eu falei: Chefe...Então, eu entendo que nós fomos muito difíceis para eles, eu falei Chefe, ela acabou de menstruar. O homem ficou roxo, eu falei, ela acabou de menstruar, ela tá no onça, ele Não, não, não, não, não... virou meio de lado com vergonha... (OFICIAL A)

Não podemos esquecer aquelas que julgam não ter havido nenhum problema nesse processo de adaptação, mas, quando diz isso, não entra muito em detalhes, o que demonstra que houve uma exigência, mas “com um padrão de exigência compatível com as instituições militares” (OFICIAL H).

A Oficial B mostra que a relação com os homens presentes na instituição foi respeitosa, mas não descarta a possibilidades de ter havido dificuldades. Nesse sentido temos:

Agora quem cursou..., o instrutor foi respeitoso, não teve problema. Quem teve algum tipo de problema, é ...e propriamente dito, as pessoas é ...que muitas dessas pessoas....tenho Amigas que até hoje saíram da Marinha, que no início porque quiseram, inclusive no início dos três anos, primeiros cinco anos e outras foram desligadas com conceito num, num deu pra elas continuarem, mas muitas foram por conta própria sentiram que aquele regime não era adequado ao perfil emocional delas pra continuar, né?