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Quando falamos sobre o assédio, constatamos ser este ainda um tema delicado, tendo em vista que estamos abordando um assunto que, como percebemos pelas entrevistas, ainda causa certo incômodo, pois a maioria relata que soube de casos, mas não entrou em detalhes. Quanto aos constrangimentos, uma ou outra relataram. Por isso, podemos perceber que, apesar de várias vezes o tema ser tratado como casos “normais” – paquera, assédio ou constrangimento – em lugares onde existem homens e mulheres trabalhando no mesmo ambiente, ainda percebemos dificuldades em tratar do tema. Poderíamos pensar que esse cuidado ocorre por se tratar de entrevistadas que fazem parte do quadro da Marinha, portanto, na ativa, mas isso ocorre também com aquelas que estão na reserva. Sobre esse tema, D’Áraujo (2004) evidencia:

Segundo as autoridades militares, o relacionamento entre homens e mulheres nos quartéis leva a considerações de ordem afetiva e sexual. Supõe-se que a mulher seja objeto do desejo do homem e, portanto, deveria ser poupada de um contato mais próximo com ele no dia-a-dia.

Aqui, de acordo com a concepção tradicional, não se admite que o homem possa ser objeto de desejo da mulher. Ao contrário, vista como alheia à iniciativa sexual, a mulher (objeto do desejo) poderia ser fonte de distúrbios. (D’ ARAÚJO, 2004, p. 448-49)

Quando o assunto é o assédio da mulher em relação ao homem, D’Araújo (2004) relata que o mesmo era recorrente entre os jovens das Forças Armadas, mas os homens entrevistados pela autora não chegam a mencioná-lo. Em seu trabalho, Takahashi (2002) relata que, junto aos cadetes do quadro de intendência da Força Aérea, os oficiais dão muito poder às mulheres, no que tange às denúncias de assédio sexual. E que eles passam por alguns tipos de perseguição, que não denunciam devido ao machismo, o receio de ser motivo de chacota devido à denúncia, afetando até mesmo o relacionamento dentro da instituição com cadetes mais modernas, pois a questão de que elas podem prejudicá-los devido ao poder que lhes foi dado acaba virando uma paranoia.

A Oficial A alega que houve paqueras normais e aquelas mais insistentes com ela, mas era só ela os enquadrarem, falar do regulamento, que era motivo para terem receio. Mas que ela ficou sabendo de dois casos que a Marinha resolveu, não colocando os transgressores para fora, mas acabou com a carreira deles, ou seja, não conseguiram chegar aos altos escalões:

O que eu vi foram paqueras e que às vezes se tornavam insistentes, mas que conseguíamos nos safar a postura de engraçadinha... “Oh chefe, não me perturba muito não porque o senhor tem muito mais a perder do que eu né? Porque eu não tenho mulher nem filho...Há! Mas você tem carreira... Que carreira eu tenho, quem tem carreira é o senhor, o senhor é da Escola...”entendeu? Então, eu não sei, nós fomos muito orientadas e no caso...na minha turma não vejo... não teve nenhuma situação dessa. Eu tive paquera, tive aquele oficial mais chato, insistente que ficava de brincadeirinha...tipo...Há! Eu sou mais antigo é só eu querer... eu falava “ haaa chefe! Se cria...” porque no momento que abre a guarda para fazer um comentário de... e eles conhecem o regulamento, não pense você que eles não conhecem. Na hora que você, brincando, os enquadra o sistema é muito forte. Agora os casos... eu sei, já ouvi falar de dois casos, elas foram muito espertas, elas entraram com processo por fora, entendeu? E a Marinha queimou o cara. O que é o queimar o cara? Queimar o cara, acabou a carreira dele, porque você também não pode botar para fora, muito difícil...entendeu?



Outro exemplo de como esta questão foi relatada pelas entrevistadas:

Comigo, não aconteceu. Assim, aquelas..., como é que eu vou te dizer (pausa)...uma, uma, um elogio, um galanteio, normal, como em qualquer outro ambiente, às vezes ocorria, mas normal que a gente dava uma desvencilhada, tranquilo. Agora, soube de casos sim, de situações assim, mais insistentes com colegas e tal (pausa) deixa eu ver se eu lembro de alguma coisa específica.... que aí a colega até foi transferida por conta disso... soube sim, soube de casos que infelizmente que aconteceram isso, chegaram a acontecer isso. (OFICIAL C)

A Oficial D chega a fazer referência a outros casos que aconteceram, mas também superficialmente:

[...] Tive sim. Essas minhas amigas de turma que eram advogadas elas me contaram vários casos sim. Teve uma colega que foi servir é... lá no [...], ela já passou pra reserva, e ela tava sendo assediada sexualmente, inclusive, por uma pessoa e ela tava numa situação muito difícil. A encarregada da turma do meu curso, uma das sindicâncias foi por causa disso, porque ela alegou que o superintendente estava assediando ela sexualmente, que tinha até mostrado o membro pra ela e isso gerou...uma das sindicâncias do curso foi por causa disso porque o Mar-e-guerra tava assediando ela. Eu sei que ele tomou cadeia, mas ela tomou cadeia também. Então, então, eu não entendi se tinha alguma razão nisso ou não. Aconteceu, não eram muitos, mas aconteceu sim.

A Oficial B fala que não teve conhecimento de assédio e nem foi assediada, mas que sofreu constrangimento, que ela acredita que ocorreu por questões pessoais:

Agora, é ...eu tive uma pessoa que começou é... me perseguir e me dá uma informação errada, mentirosa, por um problemas outras. A pessoa já tinha um problema com um (membro da família da entrevistada) , quando serviu e, eu,...foi a única explicação que eu tive. [...] o cara tinha um , um, uma, um conceito pra me dá, foi quando nós efetivamos nos primeiros anos, dez primeiros anos nós efetivamos. O ... e aí ele... eu depois eu tive acesso a isso, entendeu?, a, a Marinha é assim, documentos ficam arquivados e você com tempo você assume a posição que aquela pessoa estava a quem você estava subordinada. 5 anos depois, 8 anos depois, lá no Nordeste. Ele não era do Nordeste. Aí eu..., vou dá um exemplo, pra você ver como é verdade isso. Tinha um questionário assim: As militares..., a militar, todas as mulheres foram avaliadas. Procura se aprimorar no campo é ...profissional e ta, ta, tal? Ele falou pra mim Não! E a minha resposta não era só faz qualquer tipo de atividade... [...] quando... quando é recomendada pela direção. Eu já falei aqui pra você que em pouco tempo quanta, eu, eu, eu... eu usei a primeira pessoa várias vezes. Eu várias vezes que, que eu fiz curso disso, fiz curso daquilo, fiz curso daquilo, fiz curso e lá .... E o cara falar que eu só procurava é... fazer quando por ordem da direção? Mentira, né?

A Oficial J já tinha sofrido assédio, mas não quis entrar em detalhes. Segundo seu relato, ela diz que passou “por algumas situações constrangedoras, tais como assédio de chefes e ciúmes de esposas de oficiais”.

Já no relato das que não presenciaram nem passaram pelo assédio nem pelo constrangimento, a Oficial I nos relata que percebeu “que na Marinha você é simplesmente mais moderno ou mais antigo, não importava o sexo” e a Oficial E já responde diretamente “não, nunca percebi”.

Sendo assim, percebemos que mesmo comparando a situações que ocorrem em ambientes de trabalho existentes na sociedade, o assédio ainda se apresenta como um tema tabu, pois os relatos que obtivemos sobre a existência de casos de assédio procuraram não aprofundar o tema e outros que nem quiseram comentar o tema. Também evidenciamos pelas falas que mesmo que ocorra o assédio, o caso procura ser resolvido com o máximo de urgência e discrição pela instituição.