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Pedro da Silva Telles73 apontou os bons preços do café, a imigração estrangeira e a

descentralização político−administrativa propiciada pelo regime republicano como os fatores determinantes da fundação de cinco novas escolas de engenharia no Brasil ao final do século XIX, dentre as quais a da Bahia. Além disso, ele observou que a escola baiana foi fundada por um grupo privado e que sofreu com a falta de recursos até ser encampada

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GUIMARÃES, Archimedes Pereira. Escola Politécnica da Bahia, p. 19 e 34

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Veja as transcrições do capitulo Do Instituto e seus fins transcrito às páginas 42 e 61.

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pelo governo federal. Todavia, João Augusto Rocha, Olival Freire Júnior e Aurino Ribeiro Filho, quando afirmaram que os dois primeiros fatores apontados por Pedro da Silva Telles não tiveram relevância no contexto baiano, conjecturaram que a descentralização político−administrativa foi o fator decisivo para o surgimento da EP, argumentando que, embora a iniciativa formal da criação tivesse partido de um grupo privado, este contou com o apoio expressivo do governo estadual, materializado nas sucessivas dotações de recursos para a sua manutenção74. Estranhamente, Simon Schwartzman não incluiu a EP

na sua lista das novas faculdades e escolas de nível superior criadas no período da descentralização republicana ao final do século XIX, na qual aparecem a Escola Politécnica de São Paulo (1893), a Escola de Engenharia Mackenzie (1896), a Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896). Na verdade, ele não faz qualquer referência a EP, fato que pode ser atribuído à existência de "lacunas óbvias" na sua obra, como o próprio autor admite75.

De acordo com o historiador baiano Cid Teixeira, um dos fatores que contribuíram para a fundação da EP foi a decadência econômica das elites açucareiras baianas ao final do século XIX, cujos filhos necessitavam de uma formação superior adequada para ocupar os cargos públicos disponíveis, mas que, em muitos casos, não podiam mais ser enviados às escolas e faculdades de outros estados ou da Europa, por causa da situação financeira ruim das suas famílias76. As faculdades já existentes, de Medicina (FAMED) e de Direito

(FLDB), além da ESBA, respondiam parcialmente a essa demanda, mas, como esse historiador destacou, a formação de profissionais para a ocupação de certos cargos técnicos especializados somente poderia ser atendida com a fundação de uma escola de engenharia. 77

No regulamento do IP78, encontrei uma série de informações que podem ser

utilizadas numa tentativa para compreender melhor o argumento de Cid Teixeira. Por exemplo, no seu primeiro capítulo −Do Instituto e seus fins − elaborado e aprovado por ocasião da sua fundação, lê-se:

3o. Promover o progresso do Estado, estudando, em auxílio aos particulares e ao Governo, as questões technicas mais importantes de sua actualidade, propagando ao

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ROCHA, João Augusto de Lima, FREIRE JÚNIOR, Olival, RIBEIRO FILHO, Aurino. Escola Politécnica da Bahia, um século de existência.

75

SCHWARTZMAN, Simon. Formação da comunidade científica no Brasil, p. 84 e 388-389.

76

COELHO, Edmundo Campos. As profissões imperiais, p. 254.

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TEIXEIRA, Cid. Conferência pública.

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mesmo tempo, por todos os meios de vulgarização, os principios, normas e praticas mais convenientes e opportunos ao traçado e construcção de sua vias-ferreas, melhoramento de seus portos e rios navegaveis, aperfeiçoamento de suas construcções architectonicas, exploração racional de suas minas, desenvolvimento de sua agricultura e industria, e aproveitamento de suas variadas e opulentas riquezas naturaes, bem como disseminando o conhecimento de todas as questões que estão hoje resolvidas ou somente encaminhadas pela engenharia e pela industria.

4o. Estimular a iniciativa particular para todos os commettimentos do progresso, auxiliando-a em suas tentativas, secundando-a em seus esforços e amparando-a em seus desfallecimentos; assim como promover, por meio de exposições no Estado e fóra delle, o conhecimento de seus recursos, em busca de attrahir capitaes que os fecundem, abrindo ao futuro da Bahia uma nova era de prospera felicidade e fortuna.79

Notável a ênfase na promoção do progresso do Estado, no futuro da Bahia, na "nova era de prospera felicidade e fortuna", que poderia ser interpretada, conforme sugere Cid Teixeira, como uma referência à situação crítica pela qual passava o tradicional setor agroaçucareiro exportador e às possibilidades decorrentes da exploração técnica e industrial das riquezas naturais locais vislumbradas por intelectuais da época, como teria sido o caso de Arlindo Fragoso.

Um segundo aspecto interessante é a relação das questões técnicas mais relevantes do período, destacando-se em primeiro lugar na ordem da apresentação o traçado e a construção das estradas de ferro, em segundo lugar, a navegação fluvial e marítima, bem como a construção e o aparelhamento dos portos. Conforme observado por Milton Vargas80, desde o período imperial que essas duas questões ocupavam as primeiras

posições da lista das prioridades das obras de engenharia no país, por causa da função primordial que as estradas de ferro e os portos cumpriam na estrutura da economia agroexportadora81. Ora, a construção do porto de Salvador, que se iniciara em 1873,

somente foi concluída em 1914, enquanto a cadeira Portos de mar, com seu respectivo titular, já aparecia no currículo da EP desde a sua fundação em 1896, embora somente tivesse sido criada na Escola Politécnica do Rio de Janeiro nesse mesmo ano. Por outro lado, a estrada de ferro ligando Salvador a Juazeiro, que começara a ser construída em 1852, atingindo Alagoinhas em 1874, somente foi terminada em 189682, contando seus

79

INSTITUTO POLYTECHNICO DA BAHIA. Estatutos, p. 5-6.

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VARGAS, Milton. Engenharia Civil na República Velha

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Sobre a importância particular que teve para Salvador o sistema de transportes baseado na articulação sistemática da navegação marítima e fluvial com as estradas ferroviárias, veja FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro de. Salvador e a Bahia contemporânea.

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quadros técnicos, desde 1882, com a participação do engenheiro Franciso Lopes da Silva Lima, um dos fundadores da EP [Anexo: Catedráticos da Escola Polytechnica]. Todavia, o aspecto principal a ser examinado em relação a essas duas questões seria o fato dessas duas grandes obras terem sido realizadas por empresas estrangeiras, utilizando majoritariamente tecnologia e mão-de-obra especializada estrangeira83. Ou seja, embora

mencionadas diretamente no estatuto, é possível que essas obras não tenham constituído efetivamente algum tipo de demanda específica que influenciasse na fundação da Escola.

O que não está dito no estatuto é que, além das atividades relacionadas com a construção de prédios residenciais ou comerciais, a exploração das minas, ou mesmo o desenvolvimento da agricultura e da indústria, as funções e ocupações para engenheiros civis na Bahia − e no Brasil em geral − estavam em grande parte associadas aos cargos técnicos e administrativos direta ou indiretamente vinculados aos setores de obras e serviços públicos, tais como os mapeamentos geográficos das fronteiras, os levantamentos topográficos e geodésicos, a abertura e manutenção das vias e logradouros, os serviços de água, de iluminação e de transportes. O que me parece mais provável, como argumentaram Olival Freire Júnior, João Augusto Rocha e Aurino Ribeiro Filho, é que a descentralização administrativa decorrente da implantação do regime republicano tenha acarretado a necessidade de ampliação e organização dos setores estatais responsáveis pela prestação desses serviços ou pela realização dessas obras e, conseqüentemente, gerado cargos ou funções técnicas ou administrativas correspondentes. Quem ocuparia esses cargos, quem exerceria essas funções? A engenharia era a única dentre as tradicionais profissões liberais que ainda não dispunha de uma escola superior de formação profissional na Bahia. Portanto, a necessidade de garantir esse mercado profissional para os filhos das elites locais, cujas condições financeiras ruins impediam que eles continuassem sendo enviados para estudar no exterior ou em outros estados, pode ser destacada como um dos fatores que contribuíram fortemente para a fundação do IP e da EP. Esse interesse das elites locais compunha-se bem com o próprio interesse corporativo do engenheiros, para os quais a existência da Escola constituir-se-ia num fator essencial para a legitimação e consolidação do monopólio profissional, não somente para o exercício das funções atinentes à sua especialidade, mas, principalmente, para a ocupação dos

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diversos tipos de cargos técnicos e administrativos oferecidos pelo poder público.84

Portanto, independentemente de outros fatores que possam ter contribuído para a fundação da EP85, quero destacar aqui esses dois. A Escola foi fundada para atender a

quem? Cid Teixeira apresentou uma resposta satisfatória, ao menos por enquanto: para atender aos filhos da aristocracia decadente que não podiam mais, na grande maioria dos casos, estudar no estrangeiro. Seria do interesse desses grupos sociais estender para o âmbito da engenharia uma estratégia de manutenção de posições e privilégios sociais que já estava bem estabelecida na medicina. Por que razão um grupo de engenheiros resolveu se unir em torno da EP? Aqui entram no jogo os interesses corporativos de um importante grupo social local que precisava estabelecer as bases do seu monopólio profissional, principalmente no serviço público. A existência de instituições como o IP e a EP constituir- se-ia num passo fundamental para isso. Todavia, há uma terceira pergunta que me parece importante nesse caso: por que razão o governo baiano apoiou essa iniciativa de um grupo privado?