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Se o Congresso de Ensino da Matemática não teve muita repercussão entre os catedráticos de matemática da FF, o mesmo não aconteceu em relação às estudantes e assistentes do curso de matemática, quase todas com os nomes incluídos na lista de participantes. Foi nessa oportunidade que se conheceram o professor Omar Catunda, à época catedrático de análise matemática da FFCL [Anexo: Omar Catunda], e a recém- formada Arlete Vieira de Jesus (depois Arlete Cerqueira Lima).

Omar Catunda impressionara-se com a situação do curso de matemática da FF, chamara-lhe a atenção “o enorme hiato existente entre os quatro professores catedráticos já idosos [da FF] e os jovens estudantes”320. De fato, em 1955, a FF tinha nominalmente duas assistentes de matemática remuneradas, Martha Dantas e Nilza Rocha (Medrado) dos Santos, e quatro assistentes voluntários, Ramakrishna B. dos Santos, Araci C. Esteve, Maria Viete de S. Pereira e Raimundo Peixoto Costa, embora apenas as aulas lecionadas por Ramakrishna e pelas remuneradas tenham ficado registradas nas atas do departamento e nas cadernetas de classe [Anexo: Professores Assistentes, Departamento de Matemática, FF]. A situação do assistente voluntário Ramakrishna B. dos Santos é um bom exemplo do que ocorria:

Eu comecei a dar aula na Faculdade de Filosofia em 48. Foi uma situação muito interessante, porque o professor Aristides havia adoecido, ele sofria de uma úlcera no estômago e precisava fazer um tratamento numa estação de águas de uma certa região do Ceará. Ele me havia feito, no ano anterior, assistente voluntário da cadeira de Geometria Analítica. Então ele me chamou e disse:  Ramakrishna, eu vou propor você como meu substituto durante a minha ausência. Eu tinha simplesmente dois anos de formado. O professor Paulo Cerqueira achou a idéia escandalosa:  Nunca aconteceu isso, nunca se viu um estudante recém-formado praticamente assumir o lugar do titular. Ele disse-me:  Olha Rama, eu gosto muito de você, mas eu vou votar contra. Eu estou lhe dizendo isso porque você sabe que eu gosto muito de você, mas eu não posso ir com essas idéias absurdas de Aristides. Mas Aristides pisou firme e eu fui

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indicado. E tive um grande prazer em minha vida, um ano depois, quando Aristides voltou, eu estava assistindo a aula inaugural da Faculdade, quando Paulo Pedreira de Cerqueira pegou-me pelo braço e disse  Venha cá...  O que o senhor quer?  Venha cá. Ele levou-me até Aristides e disse:  Olhe, eu vim dizer-lhe agora que o seu substituto foi tão bom quanto você pensava, e eu estou muito orgulhoso disso, pois embora eu tenha votado contra, hoje estou certo de que você tinha razão.321

Único homem formado na primeira turma de matemática da FF em 1945, além de assistente de Aristides Gomes, Ramakrishna B. dos Santos tinha boas relações com Isaías Alves:

Eu vim para a Bahia em 1940, para estudar medicina, fiz o curso pré-médico no Colégio da Bahia, passei no vestibular, comecei o curso, mas em setembro descobri que aquela não era a minha vocação e resolvi fazer outra coisa. Aquela rotina de médico não era o que eu queria, eu queria ser cientista. Também não me interessava engenharia, nem direito (...) cheguei na Faculdade de Filosofia querendo fazer química, não havia. Então (...) resolvi me inscrever para matemática (...) foi um momento muito difícil da minha vida ... eu devo agradecer ao professor Isaías Alves ... [pausa, Ramakrishna emociona-se] ... eu devo agradecer a Isaías a grande oportunidade de me formar, pois eu não podia pagar a Faculdade e assumi o compromisso com ele de pagar todas as despesas com a Escola quando me formasse (...) Quando me fiz professor do Colégio da Bahia, em 45, eu recebi meus ordenados (...) e fui pagar a Faculdade, quitar as minhas contas com o dinheiro que recebi (...) paguei e fui comunicar o fato ao professor Isaías (...) Ele disse-me que eu não precisava pagar, porque eu era aluno gratuito. Mas, já que eu tinha pago (...)a instituição estava em dificuldades, bem vindo era o dinheiro. 322

Em 1948, quando lecionou pela primeira vez na FF, ele já era professor interino do CEB, onde foi efetivado por concurso em 1950. Em março de 1952, o departamento de matemática pediu sua contratação para lecionar Teoria das funções e Introdução à álgebra moderna, "caso houvesse recursos disponíveis no orçamento da Faculdade". Mas, Ramakrishna continuou como assistente gratuito, enquanto Martha Dantas foi contratada como assistente de didática do curso de matemática em 1952 − já era diretora do ginásio de aplicação da FF − e Nilza Rocha (Medrado) Santos foi contratada como instrutora de ensino em 1955, depois de passar o ano de 1954 como assistente gratuita. 323

Por que razão elas foram contratadas e ele não? Naquela época, em situações normais, um homem jamais seria preterido por uma mulher. Ramakrishna era mais antigo do que as duas, formara-se antes, tinha boas relações com Isaías Alves e com Aristides Gomes, já era professor concursado do CEB, já comprovara sua competência. Entretanto,

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SANTOS, Ramakrishna Bagavan dos. Entrevista. Salvador, 09/09/1999.

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Idem.

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continuava como assistente gratuito, apesar dos seguidos pedidos para contratação de novos assistentes feitos pelo departamento de matemática. Somente lhe foi oferecido um contrato de assistente em 1956, quando Eloywaldo C. de Oliveira foi liberado sem ônus para exercer a presidência do Instituto de Previdência dos Comerciários e Elysio Lisboa aposentou-se pela compulsória, mas ele recusou, pois acabara de ser aprovado em primeiro lugar no concurso nacional para a Escola Técnica Federal da Bahia e a acumulação de cargos federais era ilegal. Ele dependia do seu salário de professor para sustentar sua família e não poderia trocar a garantia e a estabilidade de uma nomeação por concurso pela insegurança de uma contratação eventual.

Isaías Alves era um "chefe oligárquico", a FF era o seu território e fazia parte da poderosíssima rede de clientela, de troca de favores, que ainda dominava a política e o serviço público na Bahia324. Mesmo a simples nomeação de um professor assistente estaria

submetida a critérios políticos dessa natureza, de modo que os interesses científicos ou didáticos nem sempre estavam em primeiro plano. Como os recursos eram poucos, certamente eram alocados nas áreas ou setores onde as demandas eram mais "urgentes". Por isso, era usual a existência de assistentes gratuitos, que lecionavam anos a fio, sem nunca serem contratados. Maria Helena Lanat Pedreira de Cerqueira, que tornara-se assistente gratuita em 1956, foi a última assistente da década a ser contratada, em 1957, quando a FF tinha exatamente três professores de matemática exercendo efetivamente suas cátedras.

Portanto, Omar Catunda considerou problemática a situação do corpo docente do curso de matemática da FF, pois eram poucos os catedráticos, todos com mais de cinqüenta anos, e eram poucas as assistentes contratadas. Essa constatação foi um dos motivos para que convidasse a recém-formada Arlete Vieira de Jesus para realizar um estágio de pós-graduação sob a sua orientação em São Paulo. Esse foi o primeiro de uma série de estágios que algumas das jovens e recém-formadas professoras baianas passaram a realizar em instituições matemáticas paulistas e cariocas.

Catunda abordou-me e fez a oferta; senti-me lisonjeada, mas reagi: meu ideal era ser professora secundária, adorava os meus alunos e tinha um entusiasmo enorme pelas aulas que dava; além disso, estava noiva, ia me casar ... Catunda insiste, passa no CNPq e envia-me os formulários para a obtenção da bolsa, oferecendo-se para meu orientador;

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o noivo apoia e faz questão!325

Novamente estamos diante das dificuldades e dos limites postos pelas relações sociais de gênero da época para a trajetória e o sucesso profissional das mulheres em geral e para as mulheres cientistas, em particular. Para Arlete Cerqueira Lima, como no caso de Martha Dantas, deixar a Bahia para realizar estudos de pós-graduação em São Paulo também significou algo extraordinário! Mas, essas foram apenas algumas das dificuldades enfrentadas, às quais foram acrescidas outras de ordem científica e acadêmica:

Em 1957 estou eu na USP entrando pela primeira vez em contacto com a chamada Matemática Moderna: da teoria dos conjuntos às estruturas algébricas e topológicas. Quanto ao Cálculo Diferencial e Integral, em um ano, em São Paulo, foi dado tudo que vi em quatro anos na Bahia, com o agravante de que, lá, o livro texto era o de Catunda e aqui, o de Granville. Eu estava perplexa com a minha ignorância, com o nível da Matemática na Bahia!326

Com qual matemática Arlete tomou contato no seu estágio em São Paulo? Qual era a matemática que era ensinada na FF? Quais os motivos das diferenças entre as práticas científicas desenvolvidas na USP e aquelas com as quais ela estava acostumada na Bahia?

Do ponto de vista formal, o curso de matemática oferecido pela FF seguia o modelo curricular estabelecido pela FNFi em obediência ao Decreto 1.190, de 04/04/1939 [Anexo: Curso de Matemática, FNFi, 1940]. Essa era a grade curricular vigente em todos os cursos reconhecidos do país. Compare-a por exemplo com aquelas dos cursos da FF e da FFCL. A grade da FF [Anexo: Curso de Matemática, FF, 1945-1962] era idêntica àquela adotada na FNFi em 1940, pelo menos até o início dos anos 60, exceto pela inclusão das disciplinas Introdução a álgebra moderna e Teoria das funções, em 1949 e 1956 respectivamente, cujos programas adotados eram aqueles oficiais da FNFi. Já a primeira grade curricular do curso da FFCL, implantada em 1934 [Anexo: Curso de Matemática, FFCL, 1934-1942], sofreu algumas mudanças em 1942 para que fosse ajustada ao referido modelo da FNFi [Curso de Matemática, FFCL, 1952].

A seção de matemática da FFCL tinha duas cadeiras até 1942. Análise matemática era ocupada pelo italiano Luigi Fantappiè, cujos assistentes eram Omar Catunda e Cândido Lima da Silva Dias. Geometria analítica, projetiva e descritiva era ocupada pelo italiano Giacomo Albanese, cujo assistente era Benedito Castrucci. A cadeira Mecânica racional

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LIMA, Arlete Cerqueira. Depoimento, p. 43.

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não permaneceu na seção de matemática, como na Bahia, mas passou para a seção de física quando foi assumida por ítalo-russo Gleb Wataghin, depois da morte prematura do seu primeiro ocupante, Teodoro Ramos [Anexo: Catedráticos e Assistentes de Matemática, FFCL, 1934-1942].

A grade curricular do curso da FFCL, de três anos, refletiu essa distribuição das cadeiras da seção de matemática até 1942, quando as implicações da guerra levaram ao afastamento dos italianos e as duas cadeiras que ocupavam foram desdobradas, cada uma em duas. A cadeira Análise matemática permaneceu ocupada por Omar Catunda, mas a de análise superior ficou sem um ocupante definitivo até 1948, quando foi ocupada por Édison Farah. Benedicto Castrucci assumiu Geometria analítica, descritiva e projetiva e Cândido L. da S. Dias assumiu Complementos de geometria e geometria superior. A cadeira Complementos de matemática foi acrescida de uma outra parte, Crítica dos princípios da matemática, mas continuou com o mesmo professor interino, Fernando F. de Almeida. Em suma, a seção de matemática da FFCL ficou com as mesmas cadeiras que existiam na FNFi [Anexo: Catedráticos e Assistentes de Matemática, FFCL, 1942−?] e a grade curricular do seu curso passou a refletir isso.

Aqui, importa chamar atenção sobre algumas características dos brasileiros professores de matemática da FFCL. Omar Catunda [Anexo], o mais velho, formou-se engenheiro pela Escola Politécnica de São Paulo em 1930 e foi o único que não se diplomou matemático na FFCL, embora tivesse renovado profundamente sua formação matemática no período em que foi assistente de Fantappiè, de 1934 a 1939. Todos os demais professores ainda eram jovens com vinte e poucos anos quando diplomaram-se matemáticos na própria FFCL sob a influência dos italianos, dos quais foram alunos ou assistentes na segunda metade dos anos 30 ou na primeira dos 40.

Depois da saída dos italianos, os professores de matemática da FFCL tiveram contato e sofreram forte influência da escola francesa do grupo Bourbaki327. André Weil (1906-

1998) ocupou interinamente a cadeira de análise superior e lecionou Formas diferenciais e espaços de Hilbert em 1945, Topologia geral e grupos topológicos em 1946 e Integrais

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Nicolas Bourbaki foi o pseudônimo adotado por um grupo de matemáticos franceses, do qual fizeram parte André Weil, Jean Dieudonné e Jean Delsarte. Eles constituíram uma das mais importantes escolas matemáticas do século XX, cujo trabalho coletivo, os Seminários Bourbaki e a série de livros Éléments de Mathématique, teve grandes repercussões na área. A Sociedade Amigos de Bourbaki, que continua realizando os seminários e publicando a série, tem suas atividades divulgadas em http://www.bourbaki.ens.fr/index.html. Veja também POUR LA SCIENCE. Les génies de la science: Bourbaki, n. 2, fev. 2000 (http://www.pourlascience.com). WEIL, André. Souvernirs

abelianas em 1947, tendo como assistente Édison Farah. Oscar Zariski (1899-1986), que era bielo-russo e veio por causa da exigência ou indicação de Weil, lecionou Álgebra moderna e introdução à geometria algébrica em 1945, tendo como assistente Luiz Henrique Jacy Monteiro, que também trabalhou com Jean Dieudonné (1906-1992), que lecionou Álgebra moderna e grupos de Galois em 1946 e Topologia plana em 1947328. Finalmente, Jean

Delsarte (1903-1968) lecionou Teoria das distribuições em 1948, Espaços vetoriais topológicos e teoria da integração em 1949 e Hipergrupos e algebras de Lie em 1951, encerrando as visitas do grupo Bourbaki naquela década.

De acordo com Elza Gomide, assistente de Omar Catunda, formada em 1945, A vinda dos franceses provocou uma das grandes mudanças, eles trouxeram uma nova escola matemática, mais moderna. A escola italiana, especialmente na parte de álgebra, das estruturas mais abstratas, tinha ficado um pouco à margem, e − ainda tendo grandes elementos, grandes matemáticos − não tinha o que havia de mais moderno, e foi o que os franceses trouxeram.329

O próprio Oscar Zariski reconheceu bem de perto as diferenças entre a escola italiana, que enfatizava métodos geométricos, e as escolas que enfatizavam métodos algébricos, como os franceses do Bourbaki. De fato, no início de sua carreira, na década de 20, fugindo dos problemas políticos que vivenciava na URSS, ele obteve o seu doutoramento em Roma, sob a orientação de G. Castelnuovo, F. Enriques e F. Severi, esse o mesmo orientador científico de Fantappié. Segundo Zariski:

However, even during my Rome period, my algebraic tendencies were showing and were clearly perceived by Castelnuovo who once told me: "You are here with us but are not one of us." This was said not in reproach but good naturedly, for Castelnuovo himself told me time and time again that the methods of the Italian geometric school had done all they could do, had reached a dead end, and were inadequate for further progress in the field of algebraic geometry.330

No Rio de Janeiro ocorreu algo semelhante. Os matemáticos italianos Grabielle Mammana, Luigi Sobrero e Achile Bassi atuaram respectivamente nas cadeiras de análise, mecânica racional e celeste e geometria superior entre o final dos anos 30 e a primeira metade dos 40, quando os problemas decorrentes da guerra inviabilizaram a presença

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Como assistente, L.H. Jacy Monteiro compilou as notas de aula de Zariski no volume Teoria dos ideais (1945), e as notas de aula de Dieudonné em Teoria dos corpos comutativos, v. I e II (1946). Anuário da Faculdade de FFCL, 1939- 1949, v. II, p. 619, 1953.

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GOMIDE, Elza Furtado; LEITE LOPES, Maria Laura. Memórias vivas, p. 97.

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deles na FNFi. Ernesto Luiz de Oliveira Júnior, que fora assistente de Fantappiè e Albanese na FFCL de 1934 até 1936, já era catedrático interino de geometria analítica, projetiva e descritiva da FNFi em 1940331, e José Abdelhay, formado na FFCL em 1939,

tornou-se assistente de Mammana, a quem substituiu posteriormente na cátedra de análise332. Trabalho análogo àquele realizado pelos franceses em São Paulo foi feito no Rio

de Janeiro pelo português Antônio Aniceto Monteiro, que ficou na FNFi entre 1945 e 1949, e pelos americanos Adrian Albert e Marshal Stone, ambos oriundos da Universidade de Chicago, que lá estiveram em 1947333.

Portanto, a matemática com a qual Arlete Cerqueira Lima tomou contato no seu estágio em São Paulo foi essencialmente essa herdada dos italianos e franceses, mas já devidamente apropriada pelos seus sucessores brasileiros, matemáticos maduros em plena atividade profissional ao final dos anos 50.

Os currículos da FNFi, da FFCL e da FF eram formalmente os mesmos, as disciplinas do departamento de matemática da FF adotavam nominalmente os mesmos programas da FNFi, normalmente copiados ipsis litteris [Anexo: Análise Matemática, FF, 1943-1968], mas, os cursos ministrados pelos catedráticos do departamento raramente seguiam os programas adotados. Segundo Ramakrishna B. dos Santos, "nosso curso foi de uma matemática do século XIX, uma matemática clássica". Para Martha Dantas, "tanto o Curso de Bacharelado, quanto o de Licenciatura, eram fracos àquela época. Ao terminá-los, eu não me sentia devidamente preparada para enfrentar o ensino de Geometria no Curso de Colégio"334. Arlete Cerqueira Lima lembrou

que

(...) o curso de Matemática era melancólico: carecia de fundamentação teórica, o Cálculo Integral se restringia a uma variável, as Funções Analíticas paravam no estudo dos números complexos, a Geometria Algébrica er ao estudo das Cônicas e a Geometria Diferencial também. A Álgebra Moderna era a clássica. Não havia absolutamente nada de Matemática moderna, nem mesmo a Teoria dos Conjuntos; não havia Estatística no currículo.335

As diferenças encontradas por Arlete Cerqueira Lima entre o curso da FF, onde se

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FACULDADE NACIONAL DE FILOSOFIA (Universidade do Brasil). Programas para os cursos de física e

matemática, 1940. 332

CASTRO, F. M. de Oliveira. A Matemática no Brasil, p. 87.

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SILVA, Circe Mary Silva da. António Aniceto Ribeiro Monteiro (1907-1980) no Brasil; AMARAL, Elza Maria Alves de Sousa. António A. R. Monteiro: um matemático português no Brasil; GOMIDE, Elza Furtado; LEITE LOPES, Maria Laura. Memórias vivas; NACHBIN, Leopoldo. Ciência e sociedade.

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SANTOS, Ramakrishna B. dos. Entrevista; DANTAS, Martha. Depoimento, p. 12.

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formou professora secundária de matemática, e os cursos da FFCL e da FNFi, onde foram formados os primeiros matemáticos brasileiros que não eram engenheiros, expressavam exatamente as diferenças dos respectivos projetos institucionais. O primeiro, inspirado nas idéias pedagógicas e políticas de Isaías Alves, reivindicava uma novo tipo de profissionalização para o professor secundário, aí incluído o professor de matemática, mas orientava declaradamente tal profissionalização para a reprodução dos tradicionais valores culturais nacionais. Nesse caso, em razão dessas duas características, os catedráticos baianos, que dirigiram o curso de matemática, consideravam mais do que suficientes os conhecimentos que eles próprios já dominavam e lecionavam nas redes pública e privada de ensino médio e superior de Salvador. Para eles, seria absurdo que aquela matemática, que até então tinham sido suficiente para formar engenheiros, não fosse suficiente para formar professores secundários.

O segundo projeto, inspirado em idéias liberais, propunha uma reinserção da cultura letrada e acadêmica nacional nas redes científicas internacionais. Por isso mesmo, a formação das novas equipes de especialistas científicos ficou sob a responsabilidade de cientistas estrangeiros, cuja missão seria formar jovens intelectuais brasileiros de acordo com os padrões de produção científica com vigência internacional. De acordo com esse projeto, os matemáticos estrangeiros e, posteriormente, seus discípulos e sucessores brasileiros, necessitavam difundir os valores e os conhecimentos que constituíam o fundamento e o objeto das práticas canônicas nos meios científicos internacionais dos quais faziam parte.336

Durante o seu estágio no departamento de matemática da FFCL, o contato com essa outra perspectiva profissional gerou uma tensão e uma expectativa para Arlete Cerqueira Lima. Depois de comparar a matemática que estudara na FF com a matemática moderna que conhecera em São Paulo, ela construiu seu próprio julgamento: a situação baiana era de atraso, de anacronismo. Então, tornava-se necessário reverter essa situação e inserir a Bahia naquilo que Alfredo Pereira Gomes chamou de "estratégia de desenvolvimento

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É importante ressaltar que orientações análogas ou com resultados análogos àqueles obtidos na FFCL foram