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Os media no processo comunicacional: breve enquadramento conceptual

CONTEXTUALIZANDO JOVENS, ENSINO UNIVERSITÁRIO E MEDIA EM ANGOLA

OS MEDIA EM ANGOLA DAS ORIGENS À ACTUALIDADE

1. Os media no processo comunicacional: breve enquadramento conceptual

A comunicação é um processo de interacção social através de mensagens (Fiske, 1993:14). Como tal, acompanhou todos os estágios da evolução humana constituindo, por isso, a alavanca vital da sua cultura (McLuhann, 1964). Ela ocorre mediante a utilização de meios que viabilizam a partilha de informações entre indivíduos ou grupo de indivíduos.

Esses meios designam-se media, conforme a origem etimológica do vocábulo em latim. O seu singular é medium que, originalmente, designa algo que permanece no meio ou numa posição intermédia. Neste caso, medium representa uma espécie de nó que estabelece a ligação entre dois ou mais pontos diferentes. De acordo com Sorlin (1997), com o qual alinha o presente estudo, os media são entendidos essencialmente como meios pelos quais a informação e o entretenimento são difundidos (pp. 2-3).

Os media são igualmente considerados como todos os meios de expressão que incluem os mais simples e mais naturais, tais como a voz e o gesto (Cazeneuve, 1976:174). Neste caso, representam qualquer instrumento de comunicação que transporta ou mediatiza a mensagem (Inglis, 1993:35), uma perspectiva nem sempre consensual por acarretar alguma ambinquidade, segundo alguns autores.

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Uma das questões levantadas é se a noção de media abarca «todos os meios de expressão» ou ainda «qualquer instrumento de comunicação». Questiona-se, por exemplo, se a voz e o gesto, num diálogo interpessoal, são media equivalentes à uma televisão ou rádio que emitem, respectivamente, essa voz e gesto.

A resposta à questão anterior tem implicado a necessária consideração da natureza dos meios de comunicação. Com base nesta, a voz e o gesto bem como a rádio e a televisão são instrumentos de partilha de mensagens. Porém, diferem entre si pela sua natureza, uma vez que os primeiros integram o que se designa de meios naturais ou sensoriais e os segundos, meios artificiais ou técnicos (Beltrão & Quirino, 1986:125). Neste caso, estes últimos inserem-se no grupo do que Pross, citado por Araújo (2007), chamou de meios secundários e terciários (que permitem a interacção mediante o uso de tecnologias), enquanto aqueles constam entre os meios primários (que permitem o contacto directo entre as pessoas, sem instrumentos mediadores).

De facto, a ambiguidade conexa ao conceito de media tem exigido uma aclaração fundamental, sobretudo no actual contexto, uma vez que os mesmos se apresentam cada vez mais difusos e diversificados com a emergência das novas tecnologias de informação e comunicação. Num comentário em torno do carácter polissémico do conceito, Nick Couldry (2012) afirmou:

'Media' refers to institutions and infrastructures that make and distribute particular contents in forms that are more or less fixed and carry their context with them, but 'media' are also those contents themselves. Either way, the term links fundamentally to the institutional dimensions of communication, whether as infrastructure or content, production or circulation. (Couldry, 2012:2)

Na perspectiva de Couldry, a noção de media acarreta várias dimensões, desde as instituições e infraestruturas aos conteúdos, contextos funcionais, produção ou circulação da comunicação. Destaca-se uma ideia apoiada no aparato tecnológico e cognitivo intrínseco aos media. Aos media está geralmente ligada a performance tecnológica que permite aos mesmos acompanhar as tendências sociais e institucionais, tanto na produção como na diversificação e difusão de conteúdos, alcançado milhares de pessoas, ao mesmo tempo e em espaços geográficos diferentes (Castells, 2011; Cardoso, 2014).

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É actualmente recorrente considerar os media como ferramentas que prescindem do contacto pessoal entre o emissor e os destinatários das mensagens (Demártis, 2012). Em muitos casos ressalta-se uma narrativa de omnipotencia e omnipresença dos media, consubstanciada no carácter atemporal e deslocalizado de difusão e recepção de mensagens ou informações, em que os acontecimentos são emitidos e acedidos, em qualquer parte do mundo, de forma directa e imediata (Lipovetsky & Serroy, 2010:21).

Destaca-se igualmente a tipificação dos media pela amplitude de protagonistas do acto comunicativo. Aqui, os media interpessoais são os que permitem uma comunicação limitada a um certo número de intervenientes, enquanto os mass media caracterizam-se pela difusão generalizada de conteúdos e ampla cobertura social (Cardoso, 2009; 2014). Daí que se consideram os media como meios que “permitem a transmissão mais ou menos afastada, e a um número maior ou menor de pessoas, de uma ou de várias mensagens de conteúdos muito diversificados” (Balle, 2004:124).

Deste modo, falar hoje de comunicação implica falar de media (Cardoso, Espanha & Mendoça, 2009:13), tendo em conta a crescente importância dos mesmos na sociedade contemporânea. A noção global sobre os mesmos ultrapassa a sua reconhecida capacidade de difusão e ampla cobertura social. Inclui também o reconhecimento de um conjunto de funções por eles desempenhadas, bem como os usos e percepções sociais em torno dos mesmos.

Além da dimensão técnica, os media compreendem uma dimensão social mais focada nos usos, consumos e apropriações por distintos públicos ou utentes. É uma dimensão que privilegia o papel activo dos sujeitos da comunicação, encarados não apenas como destinatários das mensagens difundidas, mas também como agentes selectivos dos meios e produtos mediáticos, conforme as suas necessidades, motivações e valores, e através dos mesmos, reage ou exprime-se individual ou colectivamente, num contexto de permenete interactividade.

Neste caso, a noção actual de media enfoca-se na bidirecionalidade (e mesmo multilateralidade) comunicacional, em que os sujeitos alternam os seus papéis de receptores/consumidores a emissores/produtores das mensagens. É uma perspectiva que

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remete ao campo de media interactivos (Castells, 2011), em voga nos nossos dias, sobretudo com a consagração dos meios de comunicação de última geração, chamados de novos media (Balle, 2004) ou media digitais13 (Couldry, 2012). Estes constituem um crescente vector da comunicação contemporânea, consubstanciado em sofisticadas ferramentas digitais, com uma gama de opções e de funcionalidades que, além da selecção, modificação e armazenamento de informações, proporcionam um intenso ambiente de interacção homem-máquina, homem-homem e máquina-máquina.

Portanto, actualmente há uma noção ampla, flexível e interligada sobre os media, plasmada numa visão sistémica do panorama mediático (Couldry, 2012). Pois, como defende Cardoso (2014), "todos eles, do telefone à televisão passando pela Internet, são designados de media, porque asseguram diferentes formas (através do som, texto e imagem) a transmissão codificada de símbolos, dentro de um quadro predefinido de estrutura de signos, entre o emissor e receptor" (p. 185). Por isso, falar deste campo comunicacional é referir-se a uma diversidade de meios, habitualmente designados de media escritos (leituras), como os livros, jornais, revistas, boletins, etc. (em formato impresso), media audiovisuais como a rádio, aparelho de som, televisão, cinema, leitores de CD/DVD, etc., e media digitais (novos media), como o computador, telemóvel, Internet, formatos electrónicos ou digitais dos media tradicionais, entre outros meios.

A pluralidade de meios aqui considerada constitui o vasto campo dos media em foco no presente estudo. Mais adiante veremos a evolução e o actual quadro de oferta destes meios de comunicação na República de Angola, bem como a sua apropriação pelo segmento jovem universitário.

As sociedades modernas são marcadas por ampla utilização das tecnologias de informação e comunicação (Castells & Cardoso, 2005), principalmente dos media

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Os novos media são designados como tal porque surgiram em finais do século passado a partir da “convergência entre a informática e as telecomunicações, na esteira da telemática" (Balle, 2004:138). Também são designados de media digitais que, segundo Couldry, "comprise merely the latest phase of all, a complexity illustrated by the nature of the internet as a network of networks that connects all types of communication from one-to-one to many-to-many into a wider 'space' of communication" (p. 2).

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(Cardoso, 2014). O papel destes tem estado no centro das relações sociais. Por isso, há uma “ideia muito generalizada segundo a qual «tudo é comunicação» ou, por outras palavras, de que existe comunicação por toda a parte" (Freixo, 2006:68).

Os media são cada vez mais importantes na sociedade contemporânea, sobretudo com o incremento e disseminação da informação e do conhecimento. São considerados um espaço privilegiado de informações que permite a descodificação de diferentes universos em que evoluímos (Freixo, 2006:70). Emergiu uma espécie de cumplicidade dinâmica entre a sociedade e os meios de comunicação, razão pela qual estes se tornaram muitos indispensáveis à vida pessoal e social" (Barreiros, 2012:118), assim como a própria sociedade e as pessoas são imprescindíveis à evolução dos media.

A reconhecida utilidade dos media na sociedade está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento desta, sobretudo quando se elevam os níveis de progresso (Esteves, 2003:169). É através deles que se produzem e difundem conteúdos e se criam espaços de intervenção dos sujeitos, afigurando-se não apenas como reflexos da realidade social mas, sobretudo, como factores de construção dessa mesma realidade.

Os media afiguram-se como principais veículos de comportamentos e de conversas reproduzidos no quotidiano social. São potentes factores de representação social e de evolução cultural (Pires, 2006:54). Têm estado no centro dos progressos que ocorrem nas instituições (Thompson, apud, Giddens, 2013), capitalizando os processos políticos, interferindo nas realizações do poder público e no exercício da cidadania.

Consideramos que a informação, formação e diversão resumem, na generalidade, as atribuições fundamentais dos media na sociedade actual. Ao converterem-se em principais fontes de conhecimento e de entretenimento, as publicações impressas, a rádio, o cinema, a televisão, a Internet e outros aparelhos de mediação, constituem palcos a partir dos quais as pessoas se apercebem dos factos e participam dos assuntos da sociedade em que vivem e do mundo em geral. Como referiu Freixo (2006), "tal constatação será suficiente para daí retirarmos a ilação de «sociedade de comunicação»" (p. 68).

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Mais do que olhar para «o que os media fazem com as pessoas», actualmente as reflexões nos estudos da comunicação têm incidido sobre «o que as pessoas fazem com os media». São concepções centradas nos usos sociais dos meios de comunicação, significados e alterações comportamentais provocados por tais usos no quotidiano individual e colectivo das pessoas. Releva-se a visão funcionalista dos meios de comunicação que valoriza o público e o papel activo do mesmo no processo comunicacional. A hipótese dos usos e gratificações e a corrente da domesticação das tecnologias da comunicação afiguram-se como principais concepções teóricas que enquadram o nosso objecto de estudo, tal como ficou expresso na introdução deste trabalho.

A sociedade actual é uma constelação de tecnologias, na qual os media, diversos e convergentes, centralizam os processos comunicacionais pessoais e institucionais. A crescente apropriação, usos e consumos dos meios de comunicação tem reconfigurado as dinâmicas individuais e sociais, quer em ambientes privados quer públicos. Desde o mais simples ao mais complexo sistema de relações estruturais que têm lugar nas famílias, instituições escolares e laborais, cultura e lazer, os media revelam-se como espécies de entes omnipresentes, omnipotentes e omniscientes.

A seguir abordaremos a evolução dos meios de comunicação na República de Angola, destacando-se o quadro actual de oferta mediática e dos estudos da comunicação no país.