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Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Interdisciplinaridade

Capítulo 3 A interdisciplinaridade nos documentos oficiais

3.2 Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Interdisciplinaridade

O Brasil participou na década de 90 da Conferência Mundial da Educação para

Todos, ocorrida na Tailândia. Na ocasião assinou a Declaração de Nova Délhi, em que se

compromete garantir às crianças, jovens e adultos uma educação básica de qualidade. Esse compromisso, somado à análise real dos problemas da educação brasileira levou o governo a estabelecer o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), cujo objetivo principal é o de recuperar a qualidade do ensino, num processo de aprimoramento contínuo (Youssef e Soncini, 2006).

Buscando nortear a educação em todo o território brasileiro, a fim de que ela se desenvolva de acordo com as intenções e finalidades da LDB, os parâmetros curriculares (PCNEM) dispõem que

- Os estados e municípios estabelecem os conteúdos adequados às suas necessidades sócio-culturais e à melhor forma de distribuí-los ao longo da escolaridade;

- Escolas e professores definem um projeto pedagógico, com objetivos, conteúdos e critérios de avaliação, e planejam suas aulas de acordo com as necessidades de seus grupos de alunos (Brasil, 1999).

Os documentos ressaltam a necessidade de um conjunto de conhecimentos, que devem ser ensinados a todos os alunos, assegurando uma formação comum. Todavia, em virtude da extensa territorialidade brasileira, com muitas realidades e problemas específicos em

31 cada contexto, os parâmetros asseguram um núcleo diversificado, para atender essas múltiplas realidades.

No tocante aos conteúdos, sua seleção deverá representar mais do que uma simples listagem de tópicos a serem desenvolvidos. Essa escolha se dará de acordo com as intenções educativas.

Mais do que fornecer simples informações, o Ensino Médio, segundo o PCNEM deve se voltar ao desenvolvimento de competências básicas, tanto para o exercício da cidadania quanto para o desempenho de atividades profissionais, na perspectiva de uma aprendizagem permanente e de uma formação contínua. O currículo deve apresentar conteúdos que permitam o desenvolvimento de competências, como a capacidade de buscar, selecionar e organizar informações; propor soluções para problemas apresentados; ser capaz de trabalhar em equipe; saber comunicar-se; fazer uso dos conhecimentos adquiridos para elaborar críticas; argumentar com fundamentos; ser capaz de relacionar diferentes fenômenos dentro de uma disciplina, entre disciplinas de uma área e entre as áreas do conhecimento escolar, construindo pensamento orgânico/sistêmico (Brasil, 1999).

Buscando maior articulação entre os conteúdos, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio-PCNEM (Brasil, 1999) propõem que os currículos a serem definidos pelos estados, municípios e escolas estejam organizados em três áreas: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. A organização em áreas tem como base a reunião dos conhecimentos que compartilham objetos de estudo, facilitando a comunicação e criando condições para que possam se desenvolver trabalhos numa perspectiva interdisciplinar. A estrutura por área de conhecimento garante uma educação de base científica e tecnológica, em que as possíveis soluções para os problemas concretos, são combinadas e orientadas numa visão epistemológica que concilie humanismo e tecnologia (Brasil, 1999).

Segundo Lopes e Macedo (2002), o enfoque na interdisciplinaridade no Ensino Médio se evidencia, a partir do momento que os parâmetros acenam com a criação das três áreas do conhecimento: Linguagens e Códigos e suas Tecnologias (língua portuguesa, língua estrangeira moderna e educação física, arte e informática); Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (química, física, biologia e matemática); Ciências Humanas

32 e suas Tecnologias (história, geografia, sociologia, antropologia, política e filosofia). A partir desse momento o documento busca explicitamente conviver a interdisciplinaridade com a disciplinaridade. O documento justifica a formação em áreas, ao expressar que “tem por base a reunião daqueles conhecimentos que compartilham objetos de estudo e, portanto, mais facilmente se comunicam, criando condições para que a prática escolar se desenvolva numa perspectiva interdisciplinar” (Brasil, 1999, p. 39).

O PCNEM-1999 pretende que na Educação Básica o aluno seja capaz de construir um pensamento estruturado, fazendo-se necessário repensar a organização curricular com relação ao modo como as diferentes disciplinas estão dispostas, pois os conteúdos separados permitem que o aluno compreenda apenas parte da situação ou do objeto em estudo. Dessa forma, é expresso no documento que uma maior compreensão decorre, quando relações entre conteúdos das diferentes disciplinas se estabelecem numa abordagem interdisciplinar. A interdisciplinaridade defendida pelo documento é assim apresentada:

A interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposição de disciplinas, e ao mesmo tempo, evitar a diluição delas em generalidades. De fato, será principalmente na possibilidade de relacionar as disciplinas em atividades, ou projetos de estudo, pesquisa e ação, que a interdisciplinaridade poderá ser uma prática pedagógica e didática adequada aos objetivos do Ensino Médio.

O conceito de interdisciplinaridade fica mais claro quando se considera o fato trivial de que todo o conhecimento, que pode ser de questionamento, confirmação, de complementação, de negação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos.

[...] A interdisciplinaridade também está envolvida quando os sujeitos que conhecem, ensinam e aprendem sentem, necessidade de procedimentos que, numa única visão disciplinar, podem parecer heterodoxos, mas fazem sentido quando chamados a dar conta de temas complexos (Brasil, 1999, p. 132).

Essas inter-relações “(...) entre as disciplinas tradicionais pode ir da simples

comunicação de idéias até a integração mútua de conceitos, da epistemologia, da

terminologia, da metodologia e dos procedimentos de coleta e análise de dados” (Brasil,

1999, p. 88, grifo nosso).

Observamos que a interdisciplinaridade deve ser compreendida, a partir de uma abordagem relacional em que se propõe que, por meio da prática escolar, ocorra estabelecimento de interconexões, integrando as disciplinas, criando condições favoráveis para uma aprendizagem motivadora, na medida em que se oferece maior incentivo aos educadores para desenvolverem conteúdos diretamente relacionados ao contexto social.

33 No tocante à contextualização o PCNEM considera uma necessidade para a significação do que se pretende conhecer. Contextuar os conteúdos é um recurso que contribui para que os alunos atuem sobre sua aprendizagem, uma vez que os provoca, os instiga a elaborar hipóteses, a buscar informações, a confrontar diferentes idéias, diferentes explicações, a perceber os limites de cada explicação, inclusive daquelas que eles já possuem, na perspectiva da construção de seu conhecimento. Nesse sentido, o conhecimento escolar não pode estar desvinculado de elementos da vida pessoal, social e cultural, pois os conteúdos escolares ganham sentido quando se constroem conexões entre o que se aprende na escola e o cotidiano (Brasil, 1999).

Ao apontar para uma integração entre as disciplinas, para atuar com maior compreensão na realidade, a concepção de interdisciplinaridade defendida pelo documento PCNEM-1999 aparentemente remete-nos aos conceitos de estruturas subjacentes de Piaget já apresentados anteriormente (Piaget, 1978, pp. 12-26). Piaget defende ser possível romper com as barreiras disciplinares e caminhar no sentido de uma visão interdisciplinar, em que o professor possa fazer algumas superações epistemológicas. Tais superações devem ser entendidas como a capacidade de conhecer com sentido e significado parte dos conteúdos de outras disciplinas. No que se refere ao “O sentido do aprendizado nas áreas” (parte III), o documento traz como objeto de aprofundamento dos saberes disciplinares uma proposta de articulação interdisciplinar, através dos conteúdos científicos, tecnológicos e práticos, presentes na área, os quais são mencionados como potencializadores de atividades integradoras. Uma aproximação das disciplinas, que não elimina e nem dilui os conhecimentos disciplinares, podendo ser feita: “(...) em cada disciplina e nas disciplinas e no conjunto de disciplinas, em cada área e no conjunto das áreas. Mesmo dentro de cada disciplina, uma perspectiva mais abrangente pode transbordar os limites disciplinares” (PCNEM, 1999, p. 211, grifo nosso).

Na área específica do conhecimento de Biologia existe a pretensão de se estudar a vida em sua diversidade de manifestação, em uma abordagem que vai do sistema (célula, indivíduo etc.) até a sua relação como meio no qual está inserido. Para isso, entende-se a necessidade de projetos capazes de articular os conteúdos de outras disciplinas:

Para o estudo da dinâmica ambiental contribuem outros campos do conhecimento, além da Biologia, como Física, Química, Geografia, História e Filosofia,

34 possibilitando ao aluno relacionar conceitos nessas disciplinas, numa conceituação mais ampla de ecossistema (PCNEM, 1999, p. 229).

O ensino de Física objetiva contribuir para uma formação de uma cultura científica, que possibilite ao educando a interpretação dos fatos, fenômenos e processos naturais. Para isso, propõe um conhecimento integrado à vida dos jovens, uma vez que o mundo real não é em si mesmo disciplinar. Nesta ótica espera-se que o educando seja capaz de extrapolar conceitos: “[...] reconhecer o significado de tempo como parâmetro físico, por exemplo, deve ser acompanhado da capacidade de articular esse conceito com os tempos envolvidos nos processos biológicos ou químicos [...]” (PCNEM, 1999, p. 232).

O ensino de Química intenciona que o aluno do Ensino Médio compreenda as transformações químicas que ocorrem no mundo físico de forma integrada, pois o conhecimento químico isolado é importante, porém insuficiente para o entendimento desse mundo. Neste sentido, incentiva-se o estudo por temas que permitem uma contextualização dos conhecimentos. Essa inserção na realidade pode ser feita a partir da hidrosfera, litosfera e biosfera, permitindo uma inter-relação com outras disciplinas, uma vez que esses assuntos: “[...] requerem não só o conhecimento específico, mas fundamentalmente o entendimento do resultado das interações entre os conhecimentos químicos e os conhecimentos físicos, biológicos e geológicos” (Brasil, 1999, p. 247).

Ao ensino de Matemática é atribuída a capacidade de desenvolver o raciocínio dedutivo, sendo uma ferramenta no auxílio das tarefas da vida humana, devendo ser vista pelo educando como um conjunto de técnicas e estratégias para serem aplicadas a: “[...] outras áreas do conhecimento, como a Física, Geografia ou Economia. [...]” (PCNEM, 1999, p. 257).

O documento (PCNEM-1999) defende ainda uma interação entre as disciplinas, mas preserva a sua identidade e especificidade. As disciplinas são convidadas a contribuir no sentido de aumentar a compreensão sobre o objeto de estudo. Com relação à abordagem interdisciplinar, observamos indícios de uma proposta em que o próprio sujeito faz o diálogo com as outras disciplinas, uma vez que o documento enfatiza a necessidade de relacionar conceitos para melhor compreensão do objeto de estudo e remete-se às idéias de estruturalismo de Piaget.

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3.3 Novas orientações para o Ensino Médio: Orientações Educacionais