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2. ARGUMENTAÇÃO E DISCURSO: UM AMÁLGAMA

2.1. Os postulados de uma Análise Argumentativa do Discurso

Argumentar é mobilizar justificativas convincentes para as próprias convicções acerca do mundo; é valer-se da língua, considerando a situação de interação; é dominar estratégias de caráter macro e microtextual, visando a atingir o alocutário de tal sorte que ele acabe concordando com o ponto de vista do locutor e possivelmente mudando o próprio comportamento.

A argumentação está em todos os lugares e se apresenta das mais diversas formas: está no dia- a-dia, quando um vizinho tenta convencer o outro a não jogar lixo na calçada; na escola, quando um aluno tenta justificar uma ausência ao seu professor; está na política, quando um parlamentar procura convencer seus demais pares a apoiá-lo; e, porque não dizer, num editorial, quando uma empresa jornalística pretende construir uma imagem de si, alterando as visões de mundo de seus possíveis interlocutores, suas ações, comportamentos e afetos.

Dessa forma, argumentar é um processo discursivo importante e recebê-lo corresponde a uma inserção social mais eficaz e produtiva do cidadão em diversos ambientes sociais e políticos. A partir do momento em que argumentamos acerca de um objeto do mundo, estamos tentando influenciar alguém, buscando inseri-lo em um quadro específico de crenças e convicções possíveis no interior de uma determinada comunidade de fala.

No intuito de contribuir para um maior aperfeiçoamento dos estudos argumentativos dentro da Análise do Discurso, Amossy (2006) propõe a utilização de uma Análise Argumentativa do

Discurso partindo dos fundamentos da arte retórica. Para tanto, retoma os estudos Retóricos

de Aristóteles e a Nova Retórica de Perelman e Olbrechts-Tyteca

Além desses estudiosos, a argumentação tem sido objeto de estudo de analistas do discurso de várias correntes. Não poderia ser diferente. A própria existência da sociedade pressupõe a

presença imprescindível do ato de argumentar. Em nosso dia-a-dia, estamos constantemente em processo de interação com o outro, interferindo em sua maneira de pensar, agir e sentir. Na verdade, a argumentação começou a ser praticada no instante em que o homem lançou mão da comunicação e da linguagem no mundo.

Neste trabalho, utilizaremos as bases conceituais e metodológicas para uma Análise Argumentativa do Discurso formuladas, dentre outros, por Aristóteles (1998) e Amossy (2006) e pautadas nos fundamentos retóricos da arte de persuadir. Partindo da antiga Retórica (de Aristóteles) até a Nova Retórica (de Perelman e Olbrechts-Tyteca), esses autores convergem para os atuais postulados da Análise do Discurso desenvolvidos, principalmente, por Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau.

Ancorando-nos na Nova Retórica podemos afirmar que toda argumentação tem o objetivo de “provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento” (PERELMAN & OLBRECHT-TYTECA, 2005, p. 50). Resta-nos indagar se toda enunciação carregaria consigo um caráter argumentativo. A princípio, o ato de utilizar a palavra nem sempre se destina a convencer alguém de alguma coisa. No nosso cotidiano podemos encontrar diversos textos que não possuem orientação estritamente argumentativa. Entretanto, mesmo não tendo a intenção de convencer, toda situação comunicativa acaba por exercer alguma influência, orientando maneiras de ver e de pensar.

De acordo com Charaudeau (2007), todo ato de linguagem origina-se de um sujeito instaurando uma relação com o outro (princípio da alteridade) de maneira a influenciá-lo (princípio de influência) e, ao mesmo tempo, a produzir uma relação na qual o interlocutor tem seu próprio projeto de influência (princípio de regulação). Partindo do exposto percebemos que, dada a sua natureza dialógica, o discurso comporta como qualidade intrínseca a capacidade de influenciar o outro, agindo sobre o mesmo.

É preciso considerar, no entanto, a distinção feita por Amossy (2006) entre estratégia de persuasão programada e a tendência de todo discurso de orientar as maneiras de ver do(s) interlocutor(es). No primeiro caso, o discurso manifesta uma intenção ou orientação

argumentativa: o discurso político e a publicidade constituem exemplos flagrantes disso. No

segundo caso, ele comporta simplesmente uma dimensão argumentativa, sem, necessariamente, uma intenção consciente de persuasão. Assim acontece com a conversa coloquial ou o texto ficcional. Mas, ainda que a argumentação não apresente uma vontade

manifesta de conduzir à aprovação continua sendo parte integrante do discurso em situação. Compete também ao analista descrever suas modalidades da mesma maneira que outros processos linguageiros.

No caso do editorial de um veículo informativo, há controvérsias. Halliday (1999) argumenta que os editoriais não possuem o poder persuasivo para convencer tendo em vista que são consumidos por leitores que já pensam como o editorialista.

Geralmente os editoriais de jornais, ao emitirem opiniões sobre problemas da cidade ou fatos da vida pública nacional, têm a função retórica de reafirmar a posição daquela empresa jornalística e de reforçar as crenças dos leitores que já pensam como o editorialista. Dificilmente terão o poder persuasivo de convencer um oponente daquele

ponto de vista a aceitar a “verdade” daquele editorial. (HALLIDAY, 1999, p. 37)

Discordamos parcialmente dessa autora, por considerarmos que a pretensão de um auditório ideal nunca é completamente consolidada nas trocas linguageiras. Da mesma forma, a imagem de um leitor real é deveras fragmentada. O jornal pode atingir um público constituído por uma pluralidade de filiações políticas, matizes religiosas ou identidades culturais. O editorialista de um jornal como o Meio Norte, se dirige, portanto, ao conjunto da sociedade piauiense10, construindo uma argumentação que seja capaz de agradar aos que já compartilham com suas ideias e convencer aqueles que, porventura, lhes sejam contrários.

Corroborando com nossa tese, Galinari (2007b) afirma que o caráter argumentativo está presente, inevitavelmente, nos mais variados tipos de enunciados sociais que, numa dada conjuntura, podem incitar o outro a crer, a fazer, a sentir etc. Para o mesmo autor, a carga argumentativa dos enunciados está diretamente ligada à dinamicidade da situação comunicativa e dos projetos de fala envolvidos na interação, responsáveis, também, por controlar a intensidade da adesão, selecionando ou combinando, indiscriminadamente, teses, ações e emoções. Esse autor, no entanto, discorda da existência de um “modo de organização discursivo argumentativo”, como veremos a seguir:

Acreditamos, portanto, que a argumentação não é um tipo de discurso dentre outros, nem mesmo uma modalidade específica da organização linguageira, como quer Charaudeau (1992), mas um componente (maior ou menor) presente em qualquer enunciado social,

10

Há que se observar, no entanto, certa tendência do editorial em dirigir-se, ainda que indiretamente, ao governo do estado do Piauí com vistas a agradar-lhe, o que pode representar uma estratégia de aproximação que resulte em vantagens financeiras. Sobre isso, trataremos de forma mais detalhada no capítulo 7.

capaz de produzir intensidades de adesão variadas, a curto ou a longo prazo. (GALINARI, 2007b, p. 54)

No nosso entendimento, a recorrência das marcas argumentativas acaba por caracterizar, de fato, um modo de organização do discurso, como defende Charaudeau (1992). Assim sendo, a argumentação seria um componente e, concomitantemente, uma modalidade discursiva. Por analogia, podemos observar a duplicidade de sentidos atribuída ao termo discurso pelo mesmo autor quando o considera ao mesmo tempo como “fenômeno da encenação do ato de linguagem” e “conjunto de saberes partilhados que circulam entre indivíduos de um grupo social”. (CHARAUDEAU, 2001, p. 25)

Considerando-se o editorial como um texto argumentativo por excelência, observaremos ainda a organização da sua lógica argumentativa com base em Charaudeau (2009). De acordo com essa perspectiva teórica, toda relação argumentativa é composta de pelo menos três elementos: uma asserção de partida (A1), uma asserção de chegada (A2) e uma asserção de passagem. Tais elementos são encadeados através de articulações lógicas que possam expressar uma relação de causalidade. Cumprem esse papel de “encadeadoras” a conjunção, a disjunção, a restrição, a oposição, a causa, a consequência e a finalidade. A passagem de uma asserção à outra pode se dar de acordo com uma inferência estabelecida entre premissa e conclusão, gerando uma ligação que pode estar no domínio do possível, do necessário ou do

provável. Tais domínios encontram-se organizados em dois eixos: o eixo do possível e o eixo do obrigatório. Por fim, faz-se necessário analisar o escopo do valor de verdade existente nos

vínculos modais entre as asserções: “para todos os casos” (generalização), “para um caso específico” (particularização), “para um caso suposto” (hipótese).

Ainda dentro do campo da organização lógica da argumentação, não poderíamos deixar de fora uma abordagem teórica que atravessou os séculos, viveu seus altos e baixos e foi redescoberta no século passado: a retórica de Aristóteles. Vejamos, a seguir, a contribuição dessa vertente teórica para o nosso trabalho.