• Nenhum resultado encontrado

4.2. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

4.2.2 Processos de interpretação constitucional

4.2.2.1 Os processos clássicos de interpretação constitucional

Como visto, em se tratando de normas constitucionais, a interpretação e

aplicação requerem métodos e princípios próprios e adequados241 que lhe confiram

a peculiaridade e autonomia que a espécie reclama242, destacando-se a supremacia

de suas normas, a natureza da linguagem que adota, o seu conteúdo específico e o seu forte caráter político (CUNHA JUNIOR, 2012, p. 204).

Como fruto dessa especificidade e de uma cultura diferenciada, segundo Oliveira Vianna, na interpretação da Constituição, é curioso como os americanos

241 Segundo Manoel Jorge e Silva Neto, a par das peculiaridades e hermenêutica específica,

a interpretação constitucional é também informada por critérios utilizados para se alcançar o sentido das leis ordinárias (se bem que compareçam com importância bastante relativizada em virtude da antedita especificidade da norma constitucional) (SILVA NETO, 2013, p. 141).

242 Embora existam autores que discordem desta assertiva, como Uadi Lammego Bulos,

empregam duplo método ou técnica. Ora eles encontram o sentido do seu texto, aplicando as regras da interpretação, processo lógico formal, à maneira do que fazemos quando buscamos a interpretação dos textos de nosso direito privado. Ora, eles pesquisam o sentido do texto constitucional por processo mais completo, que é o processo que eles chamam de “construção”. Entre eles, ora a Constituição é

interpretada; ora é construída (VIANNA, 1937, p. 5)243.

No Brasil, embora os influxos desses processos sejam sentidos, não se pode afirmar, de maneira clara e positiva, que essas concepções sejam parte de sua cultura244.

Segundo Luís Roberto Barroso, aqui,

A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premissas: (I) quanto ao papel da norma, cabendo a lei oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (II) quanto ao papel do juiz, cabendo a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida. Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção (BARROSO, 2006, p. 26).

Ou seja, parte-se da premissa de que a Constituição é, para todos os efeitos, uma lei. Portanto, interpretar a Constituição é interpretar uma lei; a chamada tese da identidade245.

243

Segundo Vianna, os processos de construção e interpretação são distintos. Enquanto alguns textos necessitam apenas de interpretação; outros precisam ser construídos, sem o que não poderão revelar o seu sentido verdadeiro e profundo. Pelo primeiro método (interpretação), o sentido dos dispositivos constitucional é o que resulta da letra da lei, do seu conceito gramatical e lógico e do confronto com os outros dispositivos. Pelo segundo método (construção), usam-se os mesmos métodos, mas incluem também outro critério extrajurídico, ou meta-jurídico – porque de natureza política. (VIANNA, 1937 apud COOLEY, 1903, p.70 e ss; WILLOUGHBY, 1910, p. 40 e ss; BRYCE, 1900, p. 256 e ss).

244 Posto o texto de Oliveira Vianna seja de 1937, reputamos válidas muitas de suas

colocações. Nossos juristas, em sua maioria, ainda não tem o espírito afeiçoado à observação das realidades da vida das sociedades, ao estudo das estruturas econômicas e políticas e seus numerosos reflexos sobre a superestrutura constitucional do Estado. Daí vem que ainda somos tímidos e relutamos em realizar uma verdadeira “construção” em nossa Constituição Federal. Vários de seus preceitos continuam sem aplicabilidade efetiva, sendo rapidamente esvaziados de seu espírito inovador pela apertadas exegeses, evoluindo para uma omissão inconstitucional que abre espaço para atuação legítima do juiz. (VIANNA, 1937, p. 12).

Sob influência da Escola de Exegese, a interpretação filológica ou gramatical das leis foi o primeiro método empregado e teve seu auge logo depois do surgimento do Código Civil de Napoleão, por volta do século XIX. Não obstante, muito antes tal método já era tido como o mais relevante, pois os códigos antigos eram escritos em línguas mortas, o que exigia maior empenho de intérprete do ponto de vista literal.

De fato, é através do elemento gramatical que o intérprete trava seu primeiro

contato246 na compreensão da norma legal. A interpretação gramatical analisa o

valor semântico das palavras empregadas no texto (sintaxe), na qual o aplicador examina cada vocábulo do texto normativo, isolado ou em cotejo com o resto da sentença (análise sintática), pesquisando a origem etimológica ou atentando

inclusive para a pontuação (SILVA NETO, 2013, p. 141)247.

Não obstante, embora seja inegável a importância de tal método interpretativo para o descobrimento do sentido da norma constitucional, a interpretação calcada exclusivamente neste critério não estará apta a abarcar a compreensibilidade do fenômeno jurídico, que desprezará o elemento contextual e valorativo, vinculando-se ao texto normativo apenas (SILVA NETO, 2013, p. 141-142).

245 Segundo Larenz, a metodologia de Savigny foi a primeira, após o ocaso do Direito natural

(moderno) a sistematizar um método hermenêutico (chamado clássico), que parte da legalidade, próprio da exegese privatista para interpretar. (LARENZ, [s.d.], p. 6). Como preocupação, deve-se salvaguardar o princípio da legalidade, pois, conforme dito alhures, “o texto é, ao mesmo tempo, o ponto de partida e o limite da tarefa interpretativa”.

246 Michel Miaille faz críticas severas a forma como é apresentado o Direito aos alunos já

nas graduações. Para ele: “[...] a ciência jurídica tal como é praticada habitualmente, não é mais do que uma formalização, uma espécie de racionalização de textos jurídicos mais ou menos homogêneos e compatíveis entre si. A ciência jurídica limita-se a ser uma apresentação, exaustiva em alguns casos, por amostragem representativa noutros, das regras e das instituições. [...] Os ensinamentos do direito permanecem geralmente muito teóricos [...] de modo que a crítica habitual refere-se a esta característica e o remédio tradicional consistiria numa maior preocupação de “prática”, uma maior ligação com “a prática”. (MIAILLE, 2005, p. 27-28 e 100-101). Essa realidade retratada por Miaille parece ser, salvo melhor juízo, bem ilustrada pelos longos anos dedicados ao estudo das regras de Direito Privado e Processual, inversamente proporcional ao tempo dedicado as disciplinas publicistas, restrito, na maioria das vezes, aos primeiros anos da graduação. Infelizmente, quando os jovens ainda não tem maturidade suficiente para entender a importância dessas matérias.

247 Dito de outra maneira, entende-se como filológica, a interpretação onde há predomínio da

análise da pontuação e outros elementos lexicais, a crítica aos erros dos copistas, além da semântica das palavras e sintática dos textos, como a correlação entre os parágrafos, alíneas e incisos constantes na lei; através dos quais se pode, a princípio, captar todo o valor expressional da norma jurídica.

Nesse sentido, Karl Larenz reconhece que toda a proposição jurídica tem necessariamente de ser vista também na sua função social: ela aspira a conformar a existência social e, por conseguinte, ordena-se, pelo seu próprio sentido, a um fim social (LARENZ, [s.d.], p.62).

A par da filologia, têm-se o método de interpretação lógico dedutivo que empresta da Lógica Geral seus fundamentos.

Por meio da lógica, busca-se chegar ao conhecimento do Direito mediante deduções lógicas ou silogismos, com o qual Aristóteles designou a “argumentação lógica perfeita”, constituída de três proposições declarativas: as duas primeiras, chamadas premissas, e a última; conclusão (se A é igual a B, e se B é igual a C, então A é igual a C).

Entretanto, fortes críticas contra o referido dedutivismo e ao que denominaram modelo mecânico de decisão judicial foram lançadas, especialmente por J. Holmes e Roscoe Pound.

Considerados autores anti-conceitualistas, para eles, explicar o significado da lei envolveria elementos externos ao Direito (law in actio era diferente da law in books), padecendo o raciocínio jurídico lógico-dedutivo do necessário realismo e construtivismo inerentes ao fato social (semelhante ao processo norteamericano do common law)248.

Já a interpretação sistemática, conforme Manoel Jorge e Silva Neto, toma por parâmetro o sistema em que está inserida a norma jurídica, promovendo o inter- relacionamento com os outros dispositivos remanescentes a versarem sobre o

mesmo objeto (SILVA NETO, 2013, p.144)249.

Assim, “as normas, que entram para constituir um ordenamento, não ficam isoladas, mas tornam-se parte de um sistema, uma vez que certos princípios agem como ligações, pelas quais as normas são mantidas juntas de maneira a constituir um bloco sistemático” (PERASSI, apud BOBBIO, [s.d.], p. 71). Considerado como

248O pensamento quase unânime é que a construção lógico-formal dos conceitos não é

possível por meio do emprego exclusivo de proporções lógicas; mas que é preciso apelar para os dados da natureza política, principalmente quando se trata de conceitos ou preceitos de direito constitucional e administrativo. (MANZONI, 1934, p. 121 apud VIANNA, 1937, p. 8-11).

249 O autor inclusive alerta para o sentido atribuído, no caso, à palavra sistema; como aquele

atribuído por Bobbio: ordenamento em que as normas jurídicas são deriváveis de alguns princípios gerais (BOBBIO, [s.d.], p. 75-80).

sistema, não pode haver incompatibilidade de normas, devendo eliminar a norma incompatível250.

Por fim e seguindo a linha da mutação constitucional, o método histórico- evolutivo de interpretação constitucional.

Manoel Jorge e Silva Neto, citando Francesco Ferrara, assim leciona

O direito [...] é produto duma lenta evolução, é uma fase dum desenvolvimento histórico muito longo que remonta ao direito romano e depois, através da elaboração medieval, onde confluem correntes do direito germânico e canônico prossegue no direito comum e daí, pelo trâmite do direito francês, entra no nosso código (SILVA NETO, 2013, p. 91 apud FERRARA, [s.d.], p. 145).

E continua: tal é a importância desse método que “uma grande parte dos princípios contidos nos códigos são a reprodução de princípios análogos vigentes no passado [...]” (SILVA NETO, 2013, p. 91 apud FERRARA, [s.d.], p. 145).

Como parte das transformações já noticiadas (tanto em relação à norma quanto em relação ao intérprete), hodiernamente são incluídos, por José Joaquim Gomes Canotilho, fatores reais, antropológicos, institucionais e valorativos que, malgrado não engessem, controlam a atividade do poder constituinte originário, fazendo-o não relegar por completo a “experiência constitucional anterior”. É o

chamamos, linhas atrás, de “supraconstitucionalidade autogenerativa”

(CANOTILHO, 2002, p. 121).