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3.1 O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS NA CONCRETIZAÇÃO

3.1.1 A racionalização das escolhas e os processos seletivos

3.1.2.2 O Princípio da Separação dos Poderes

Os primeiros esboços da teoria tripartite da separação de poderes podem ser atribuídos a Aristóteles, em sua obra “A Política”. Para ele, deveriam existir três órgãos separados a quem caberiam as decisões do Estado: o poder deliberativo, o poder executivo e o poder judiciário (ARISTÓTELES, 2001).

Também John Locke, em sua obra “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, teorizou acerca do tema. Sob a influência do Iluminismo, ele admitiu também a existência de três poderes: o legislativo, o executivo e o federativo. Todavia, em seu modelo, havia clara supremacia do Poder Legislativo sobre os demais (LOCKE, 2003).

149 Nas palavras de Lênio Streck (2005b, p. 213): “há hoje uma valorização das categorias

jurídicas (soberania) não só para compreender as atribuições básicas do aparato estatal, mas como também para apontar no Direito saídas possíveis para superar a crise de legitimidade atinente ao Estado Providência”.

Entretanto, é consenso atribuir-se a Montesquieu a consagração da tripartição de poderes, inclusive nos contornos atuais, em sua famosa obra “O Espírito das

Leis” (MONTESQUIEU, 2000)150.

Desde Montesquieu, o princípio da separação de poderes evoluiu sensivelmente podendo-se dividir-se em três etapas principais: a primeira, com as ideias de Montesquieu; a segunda, com a criação do sistema de freios e

contrapesos151 pela Constituição norte americana; e a terceira, e última, com o

nascimento do Estado Social (também chamado de “Estado Providência”), que apareceu após a decadência do modelo liberal (SOUZA, 2008, p. 2).

Em todas elas, a preocupação era oferecer maior eficiência ao Estado, todavia, sem a supremacia ou autossuficiência de um poder sobre o outro.

Inclusive a teoria contemporânea do direito constitucional consagrou o entrelaçamento e interferência recíprocos entre os Poderes, garantindo que nenhum deles funcione com total independência e todos interfiram mutuamente nos demais152.

Inobstante, como já demonstrado, a versão clássica da separação dos poderes vem sofrendo influxos, especialmente nesse modelo de entrelaçamento e sua relação com o planejamento, programação e execução de políticas públicas.

Apesar de tais diretrizes ainda dependerem da atuação do legislador, necessitando do apoio e aprovação de arcabouço normativo para sua concretização, cabe ao administrador (Poder Executivo) o exercício, articulação e organização dos fatores de desenvolvimento de seu mister.

Isso quer dizer que, na prática, como função típica que lhe cabe, é o Executivo o poder mais habilitado técnica e estrategicamente na idealização de quais as políticas públicas merecem prioridade e como se deve implementá-las.

150

Saliente-se, por necessário, que a expressão “separação de poderes” em momento algum foi empregada por Montesquieu. Ela também não está expressa no texto da Constituição Norte Americana de 1787 (SOUZA, 2008, p. 6).

151 O sistema de “checks and balances” mescla poderes entre os Poderes existentes. O

Executivo desempenha papel na confecção da legislação; já o Legislativo participa na escolha de cargos do Executivo e Judiciário; e ao Judiciário é conferido o poder de fiscalizar o Legislativo e o Executivo. (SOUZA, 2008, p. 9).

152O Executivo, além de sua função típica executivo-governamental, edita medidas

provisórias e nomeia ministros para os Tribunais Superiores; o Legislativo, além de legislar, julga as contas do Presidente da República e susta a execução de leis declaradas inconstitucionais, na via difusa, pelo Supremo Tribunal Federal; e, por fim, o Judiciário, órgão tipicamente julgador; também administra seus serviços e pessoal e declarar a inconstitucionalidade de leis em tese.

Todavia, como observa Andreas Joachim Krell, na medida em que as leis deixam de ser vistas como programas condicionais e assumem a forma de programas finalísticos, o esquema clássico de divisão de poderes perde a sua atualidade (KRELL, 2004, p. 85).

Nessa esteira, a Carta Cidadã de 1988, numa interpretação pós-moderna, tem assegurado este papel também ao Judiciário, dentre outros fundamentos, quando prevê que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direitos pode ser excluída de apreciação deste Poder ou quando o coloca como guardião máximo da efetivação de seus compromissos, em especial, daqueles afetos às necessidades sociais vitais.

Escreveu Andreas Joachim Krell:

A constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado livre espaço de conformação [...]. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos. Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto,

parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os

Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais (KRELL, 2002, p. 22-23, grifos nossos).

Além disso, fatores como inércia do poder público153, sua ineficiência,

ausência ou deficiência no planejamento, corrupção, desvios de finalidade na definição de prioridades, interesses subalternos protegidos em detrimento daqueles qualificados como vitais, tem justificado a atuação judicial, segundo verifica Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p. 141).

Como o próprio Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de sentenciar, o Poder Judiciário, quando intervém, o faz para assegurar as franquias

153 Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 581352/AM

admitiu, nos casos de inércia estatal, a configuração de Omissão Inconstitucional como legitimadora do Controle Jurisdicional (Proteção Materno-Infantil – Assistência à Gestante – Dever Estatal) (2013a)

constitucionais e garantir a integridade e a supremacia da Constituição, impedindo que as prerrogativas estatais acabem sufocando, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais (BRASIL, 2000, p. 20).

Assim sendo, nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição. No regime político que consagra o Estado democrático de direito, os atos emanados de qualquer um dos órgãos instituídos, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental, submetem-se ao controle jurisdicional. Como resultado lógico, resta assente, que o exercício regular da função jurisdicional, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.