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Os professores e a aprendizagem de atitudes e valores

Capítulo 2 – A Educação Superior e a dimensão ética da aprendizagem

2.2 Os professores e a aprendizagem de atitudes e valores

Pozo (2002, p. 196) afirma que um dos mecanismos sociocognitivos mais relevantes para a aprendizagem de atitudes e valores é o que se designa modelagem ou aprendizagem por observação. Obviamente, a maior parte dos comportamentos sociais adquiridos por uma pes- soa acontece a partir da observação de como outras os executam.

Nesse sentido, a modelagem desenvolve-se de forma contínua no âmbito da vida soci- al do aprendiz: a socialização expõe o aluno a modelos – dentre eles, os professores –, com os quais se estabelece uma forte tendência de identificação e de reprodução de pautas de com- portamento.

Entretanto, segundo Pozo (2002, p. 196), essa disposição à identificação é mediada por importantes elementos emocionais e afetivos, de tal modo que o aprendiz não reproduz o comportamento de qualquer modelo que observa, mas, com maior frequência, aqueles em que acredita ou com os quais quer compartilhar uma identidade comum. Portanto, a eficácia da aprendizagem de atitudes e valores exige um maior envolvimento pessoal do professor com seus alunos.

Com efeito, o professor não escreve sobre matéria inerte, mas no próprio espírito dos estudantes: “ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres huma-

nos, [...] pessoas capazes de iniciativa e dotadas da capacidade de resistir ou de participar das ações dos professores” (TARDIF; LESSARD, 2014, p. 31-35), de tal modo que a relação

pessoal entre o professor e o aluno assume um valor fundamental, que não se limita a fruição individualista e instrumental de um serviço.

Assim, Hargreaves (2004) reconhece que os processos de ensino e aprendizagem não devem limitar-se a práticas cognitivas e intelectuais; é necessário que envolvam, também, aspectos sociais e emocionais. Por isto, ele declara que “bons professores entendem comple- tamente que o ensino e a aprendizagem bem-sucedidos acontecem quando os professores têm relacionamentos de cuidado e solidariedade com seus alunos” (HARGREAVES, 2004, p. 77).

Sob essa perspectiva, Carbonell (2002) aponta “a importância da relação pedagógica afetiva, do envolvimento pessoal no ato de ensinar, do valor da sedução e da comunicação e de certo encantamento” (CARBONELL, 2002, p. 111). Outrossim, o autor sublinha que “nin-

guém esquece um bom professor ou professora pelo que ensinava, mas pelo que era” (CAR- BONELL, 2002, p. 111).

Presume-se, então, que esses vínculos emocionais e afetivos, de cuidado e solidarieda- de, estabelecidos entre o professor e seus alunos, ultrapassam uma conduta meramente pater- nalista ou a concepção do professor-companheiro das pedagogias espontaneístas.

Circunscrevendo-nos ao foco deste trabalho de investigação – a Educação Superior e a dimensão ética da aprendizagem –, essa relação interpessoal exige que o professor desenvolva em si mesmo e fomente em seus alunos uma aguda sensibilidade social e uma profunda res- ponsabilidade civil e política.

Trata-se de o professor educar para além da sociedade e da economia do conhecimento (HARGREAVES, 2004), cultivando não apenas o capital intelectual dos estudantes, mas seu capital social, isto é, o conjunto de valores e normas que lhes permitem contribuir para a cria- ção de uma sociedade saudável do ponto de vista dos ideais democráticos de justiça e solida- riedade:

Ensinar para além da sociedade do conhecimento significa, portanto, servir-lhe de contraponto corajoso, com vistas a estimular os valores de comunidade, democracia, humanitarismo e identidade cosmopolita. [...] Ensinar hoje deve incluir a dedicação à construção de caráter, à comunidade, ao humanitarismo e à democracia nos jovens, para ajudá-los a pensar e agir acima e além das seduções e das demandas da econo- mia do conhecimento (HARGREAVES, 2004, p 76-77).

Por conseguinte, como o professor é o sujeito que professa saberes, valores, atitudes, que compartilha relações e, junto com seus alunos, elabora a interpretação e a reinterpretação do mundo (FELDMANN, 2009), demanda-se que ele preste atenção não apenas à sua apren- dizagem profissional continuada, caracterizada por conteúdos de dimensão epistemológica e técnica, mas que se ocupe de seu próprio processo de crescimento humano, condição indis- pensável para que construa, nele mesmo e em seus alunos, caráter, maturidade, respeito, inte- gridade, confiança.

Desse modo, Zabalza (2004) adverte sobre a urgência de se resgatar a dimensão ética inerente à profissão docente, asseverando que existem poucas possibilidades de se aperfeiçoar a docência em Nível Superior se não for planejada uma forte recuperação do compromisso ético em que implica o trabalho do professor: “a ética não pode ficar à margem do desenvol- vimento profissional dos docentes e do aprimoramento da qualidade de suas atividades” (ZA- BALZA, 2004, p. 131).

Concretamente, Casali (2007) propõe algumas qualidades éticas inerentes à profissão docente, para além do imperativo – também ético – de o professor dispor, adequadamente, dos conhecimentos gerais e específicos de sua área de formação (o que lhe assegura a capacidade de manejar, com lógica e criticidade, saberes históricos, culturais, contextuais ou conjunturais, científicos, tecnológicos e pedagógicos):

a) a integridade pessoal;

b) a capacidade do olhar atento e da escuta sensível;

c) o diálogo e a comunicação, indispensáveis para provocar positivamente os edu- candos a dizerem de si e de atribuírem por si mesmos significados e sentidos às suas experiências, definindo com mais precisão onde e como necessitam de cui- dados pedagógicos;

d) a capacidade técnica de elaborar soluções para os problemas identificados e im-

plementá-las.

Em síntese, o favorecimento da dimensão ética que envolve os processos de ensino e aprendizagem depende dos valores que orientam as relações interpessoais estabelecidas entre o professor e seus alunos.

Esses valores devem ser afirmados e, coerentemente, vivenciados no âmbito das ativi- dades formativas desenvolvidas: “para que os alunos se tornem adultos democráticos, devem experimentar a democracia em suas opções de aprendizagem, e em sua contribuição para as políticas e as missões escolares” (HARGREAVES, 2004, p. 79).

Caso contrário, tornar-se-á impossível transpor “a cultura dos alunos que ainda hoje entendem que vêm à faculdade apenas para tirar notas e serem aprovados nas disciplinas da grade curricular, o que faz estranharem quando problemas sociais, éticos, políticos, educacio- nais, econômicos, de saúde são trazidos para estudo” (MASETTO, 2018, p. 658).

Atualmente, essa necessidade é ainda mais urgente quando se verifica a difusão de um determinado modelo de niilismo antropocêntrico, que faz com que os indivíduos sejam incen- tivados a buscar, em si mesmos, os critérios que justificam seus comportamentos: instala-se, no próprio tecido social, uma tendência para a afirmação exasperada de direitos individuais e

subjetivos; a autorreferência do indivíduo conduz à indiferença pelo outro, de quem não se necessita e por quem não se sente responsável.