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Os projetos de formação em disputa nas três últimas décadas

No documento Formação profissional e mundo do trabalho (páginas 154-158)

Como demonstra o Parecer CFE n. 215/1987, ainda que as refl e- xões em torno dos problemas que envolviam os parâmetros fi xados pela Resolução CFE n. 69, de 02 de dezembro de 1969, estivessem em curso desde 1978, os registros indicam que, em 1986, já em fase avançada de elaboração da proposta de formação substitutiva, em face da consulta rea-

lizada junto aos 96 cursos de Educação Física em funcionamento no país, apenas duas manifestações, das 40 recebidas pelo grupo de trabalho do CFE, referiram-se ao curso de Bacharelado (BRASIL, 1987a).

Contudo, como evidencia Tojal (1989), várias investidas em prol da institucionalização do Bacharelado em Educação Física foram viabilizadas em curto período de tempo sob o comando das Escolas de Educação Física do Estado de São Paulo. As ações envolveram manifestações em sessões plenárias do CFE, convocação de reuniões entre as Escolas de Educação Física e, essencialmente, a elaboração de documentos dirigidos ao relator do Parecer no âmbito do CFE. Somado a isso, Taff arel (1993) destaca a infl uência decisiva das teses defendidas no interior da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo (ESEF/USP), em especial, aquelas elaboradas por Oliveira (1988), sobre a defi nição do CFE para a formação profi ssional em Educação Física.

Consequentemente, em poucos meses, como demonstra Tojal (1989), a proposta de Bacharelado em Educação Física não apenas ingres- sou no rol de cogitações do relator e grupo de trabalho do CFE, como foi incorporada ao Parecer e à Resolução que tratavam, inicialmente, do curso de Licenciatura em Educação Física, aprovada em 11 de março de 1987, por unanimidade, no Plenário do CFE, e, posteriormente, homologada na forma da Resolução CFE n. 3, de 16 de junho de 1987, a qual fi xou “os mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de gradua- ção em Educação Física (Bacharelado e/ou Licenciatura Plena)” (BRASIL, 1987b).

Chama-se atenção, nesse marco histórico de reformulação dos dispo- sitivos normativos da formação em Educação Física com a introdução, mal- grado o relativo ineditismo, do Bacharelado, para o gérmen dessa enfática defesa de parte dos intelectuais da área. Nozaki (2004, p. 180) dá indicativos dessa tática adotada ao correlacionar com as ações para Regulamentar a Profi ssão de Educação Física. Nessa direção, o autor destaca a realização na cidade do Rio de Janeiro, em 1972, do III Encontro de Educação Física, or- ganizado pela Associação dos Professores de Educação Física da Guanabara, em que foi debatido, dentre outros eixos, os “Conselhos Regionais e Federal dos Titulados em Educação Física e Desportos”.

Nozaki (2004) salienta o uso do termo “Titulados” para diferenciar de Professores e, dessa forma, justifi car a existência de uma outra Profi ssão. O principal empecilho, a essa altura, para Regulamentar a Profi ssão de Educação Física, incidia sobre a já regulamentada profi ssão de Professor. Portanto, a diferenciação precisaria existir desde a formação, vindo a calhar com a introdução do Bacharelado.

Aditado a isso, Faria Junior (1987) argumenta que a defesa do pro- fi ssional especializado, distinto do Licenciado, que se expressou sob a de- nominação do Bacharel em Educação Física, atendia, naquele contexto, às necessidades urbanas, de cidades de grande e médio porte, indicadas por pesquisas, com amostras não representativas sobre mercado de trabalho, que incorreria no esfacelamento da profi ssão, na constituição de agrupamentos corporativistas e no fortalecimento da visão do profi ssional de Educação Física como técnico. Em síntese, de acordo com o autor, seria inapropria- da a utilização da terminologia bacharelado “para um profi ssional que vai exercer o magistério (ainda que não nas escolas de 1º e 2º graus) em clubes, academias e instituições afi ns, condomínios, etc. Parece-nos que é justa- mente aí que se precisa cada vez mais do licenciado, do educador” (FARIA JUNIOR, 1987, p. 29).

Dessa forma, conforme sugere Nozaki (2004), a falta de legitimida- de do Bacharelado em Educação Física, somada a falta de clareza dos seus pressupostos, implicou em uma baixa adesão desta possibilidade formativa pelas Instituições de Ensino Superior (IES), visto que passados oito anos da aprovação da referida Resolução CFE n. 03/1987, a pesquisa de Quelhas (2003 apud NOZAKI, 2004) identifi cou que apenas cinco cursos de gra- duação, dos 128 existentes no país, eram de Bacharelado.

Contudo, na segunda metade da década de 1990, com a reabertura do processo de discussão das normas orientadoras dos cursos de gradua- ção em Educação Física, por ocasião da determinação legal em relação à substituição da fi xação detalhada de um currículo mínimo por Diretrizes Curriculares, retomou-se, de modo agudizado, o embate de perspectivas antagônicas para a formação em Educação Física. Diferentemente do ime- diatismo de outras áreas profi ssionais na defi nição dos seus novos dispositi- vos ofi ciais orientadores, o processo de discussão na Educação Física durou, aproximadamente, seis anos, levando em consideração a composição da primeira comissão de especialistas responsável por coordenar os trabalhos, em 1998, até o seu desfecho por meio da aprovação do Parecer CNE/CES n. 58, de 18 de fevereiro de 2004 (BRASIL, 2004a), e sua consequente Resolução CNE/CES n. 7/2004 (BRASIL, 2004b).

Nessa oportunidade, ganhou destaque a atuação do Sistema for- mado pelo Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e seus res- pectivos Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs), já constituído como o “organizador da mercantilização do campo da Educação Física” (GAWRYSZEWSKI, 2008, p. 3), logo, grande interessado na garantia de uma formação específi ca para o propalado mercado do fi tness, o Bacharel em Educação Física.

Com forte ingerência nos atos administrativos governamentais di- recionados à política educacional, o Sistema CONFEF/CREFs além de dominar os trâmites institucionais de aprovação das DCN conseguiu sujei- tar notáveis entidades e intelectuais progressistas da área ao seu projeto de formação, naquilo que fi cou conhecido inusitadamente como o “consenso possível”.

Ao submeter à crítica os parâmetros teórico-metodológicos orienta- dores das DCN aprovadas pelo Parecer CNE/CES n. 58/2004 e Resolução CNE/CES n. 7/2004, Brito Neto et al. (2011) assinalou que a opção por uma concepção de Educação Física voltada à promoção da saúde, bem como a recorrente utilização da expressão movimento humano não consideravam as relações sociais de produção da existência humana, o que aproximava tal formulação das “teorias educacionais não críticas” (SAVIANI, 2003). Além disso, o predomínio da pedagogia das competências e o pragmatismo da suposta indissociabilidade teoria e prática foram caracterizados como for- mas de subsunção da educação à sociabilidade capitalista. Por fi m, o estudo também examinou a ambiguidade no que se refere à ausência de referências ao termo Bacharelado em Educação Física em favor da expressão graduação. Diante de um contexto de insatisfação, dúvidas e imprecisões sobre os limites e possibilidades ensejados pelas novas DCN, a área da Educação Física vivenciou, em um primeiro momento, intensa mobilização no sentido da formulação de críticas, interpretações e perspectivas superadoras em rela- ção ao dispositivo legal outorgado, caminho este que logo cedeu lugar para o amplo processo de judicialização da lide relacionando formação e atuação profi ssional em Educação Física, a qual tem reproduzido em juridiquês, o típico embate de projetos para a Formação Profi ssional na área.

Apesar de constantemente demandado pelo sistema judiciário para se pronunciar sobre a matéria, é somente no ano de 2011 que o CNE/CES reabre o processo referente à revisão do texto das DCN para os cursos de graduação em Educação Física, com a primeira e única audiência pública convocada ofi cialmente por este órgão ocorrendo em 2015. Dessa forma, contrário ao anúncio de uma pretensa ampliação do debate sobre as DCN, o que se observou foi, novamente, a ausência dos personagens basilares para efetivação de qualquer ato normativo educacional, quer seja, a numerosa comunidade dos 1.309 cursos de Educação Física alastrado em todo o ter- ritório nacional.

No documento Formação profissional e mundo do trabalho (páginas 154-158)

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