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Os protocolos para entrevistas em psiquiatria

No documento O DSM, o sujeito e a clínica (páginas 84-87)

3. UM LANCE DE DADOS JAMAIS ABOLIRÁ O ACASO

3.1 Dispersão da informação

3.3.4 Os protocolos para entrevistas em psiquiatria

Vários protocolos para entrevistas clínicas e escalas de avaliação em psiquiatria foram elaborados no intervalo entre 1968 e 1973. Baseados em um estudo anterior empreendido no Reino Unido sobre resultados de entrevistas estruturadas, os grupos de St. Louis e de Nova York desenvolveram protocolos para tipos específicos de transtorno, como o Protocolo de Transtornos Afetivos da Esquizofrenia (PTAS)27, que teve três edições; o Protocolo de Entrevista Diagnóstica28 e a Entrevista Diagnóstica Renard29. Esses protocolos precederam a Entrevista Clínica Formalizada para o DSM-III-R(SCID). O objetivo intrínseco a eles seria diminuir a influência de fatores aleatórios e imponderáveis, cumprindo um programa de objetivação da psicopatologia para posterior quantificação e codificação em transtornos (VERSIANI, 1998). As respostas seriam dadas com um objetivo de padronizar e limitar a conduta do clínico para excluir das medidas o estilo e outras idiossincrasias inabordáveis

27

Schedule of Affective Disorders and Schizophrenia (SADS). 28 Diagnostic Interviw Shedulle (DIS).

cientificamente: “Controlando qual informação seria retida e como seria utilizada, os autores desses protocolos esperavam impedir os pesquisadores (e mais tarde os clínicos) de terem em conta o julgamento profissional e a intuição para estabelecer um diagnóstico.” (KIRK & KUTCHINS, 1998, p. 98).

O Protocolo PTAS, desenvolvido na década de setenta por J. Endicott e R. L. Spitzer para pesquisar a presença de comportamentos maníacos, se baseava na quantificação de alterações de comportamento caracterizadas como maníacas, que evoluíam numa escala de 0 a 6, onde 0 era o índice de nenhuma informação e 6 o índice extremo, descrito como estágio de “nítida superexcitação, aparência exaltada e discurso do tipo: ‘tudo é belo, eu me sinto tão bem’” (KIRK & KUTCHINS, 1998, p. 99). As alterações do sono eram também avaliadas pela necessidade de sono percebida pelos pacientes para que se sentissem descansados em relação a uma necessidade considerada habitual de horas dormidas. A tabela do protocolo clínico orientava a tirar a média sobre mais dias, se esse fosse o caso, para se obter um dado mais preciso da evolução da doença. As questões colocadas pelo clínico se orientavam para a pesquisa de um humor exaltado de tipo maníaco e sondava as possíveis alterações, ainda que ligeiras, em relação às circunstâncias de sua manifestação, e também, se as demonstrações de ânimo seriam proporcionais ou inadequadas. Em relação à uma suposta percepção do outro sobre o comportamento do entrevistado a pergunta seria objetiva: “Se as pessoas o tivessem visto, eles teriam pensado que você estava de bom humor ou mais do que isso?” (KIRK & KUTCHINS, 1998, p. 90). Também a sensação de fadiga era considerada um fator de decisão para diagnóstico de transtorno maníaco.

O diagnóstico em psiquiatria tem sido motivo de muitas controvérsias, e os métodos clínicos para definição das psicopatologias praticamente se concentraram nos questionários com graus de estruturação variados, mas com uma tendência a serem cada vez mais restritivos do ponto de vista da intuição clínica.

Othmer & Othmer (2003, p. 150) indicam que existem basicamente dois estilos de entrevista. Um estilo informal, que não segue um ordenamento pré-definido como um questionário ou um protocolo, e outro estruturado, onde se apresenta ao paciente uma longa lista de sintomas psiquiátricos na qual o entrevistador destaca os sintomas confirmados pelo paciente relacionando-os a critérios diagnósticos preestabelecidos para os distúrbios. A partir disso, deve tornar-se possível especificar um diagnóstico e diferenciá-lo de outro como, por exemplo, o transtorno de somatização (300.81) de um transtorno somatoforme indiferenciado

(300.82).

As entrevistas estruturadas não partem de questões abrangentes para especificação gradual do sintoma principal e não são, necessariamente, centradas no paciente, mas no problema, procurando por variações mínimas nas informações do paciente para estabelecer a diferença descritiva entre dois ou mais transtornos. Nessa abordagem, o diagnóstico é realizado por intermédio de listas de inclusão e de exclusão de transtornos, chamadas listas diferenciais. A primeira lista, a ser denominada lista de transtornos psiquiátricos incluídos, deve ser a mais ampla e incluir

todos os transtornos que poderiam possivelmente explicar as queixas do paciente e seu estado mental. No topo da lista deveriam estar os mais graves e arrasadores seguidos pelos transtornos não-psicóticos e de personalidade e finalmente pelos problemas psicossociais e ambientais. (KIRK & KUTCHINS, 1998, p. 159).Uma segunda lista deve ser preenchida com os transtornos excluídos e uma terceira lista de transtornos não investigados. Conforme estes autores, as recomendações, em se tratando de um protocolo estruturado de entrevista, seriam: “A partir de uma longa lista nº3, que consiste de transtornos não investigados, você deriva uma lista nº1 de transtornos incluídos e uma lista nº 2 de transtornos excluídos. O que sobra é uma minguada lista de transtornos não investigados” (KIRK & KUTCHINS, 1998, p. 151).

Os critérios de inclusão e de exclusão são uma marca da organização racional e progressiva do diagnóstico que não se concentra na liberdade da fala, mas enfoca o transtorno em sua especificação mais fina operando pela comparação. A similaridade e a diferença entre dois transtornos definem o que deve ser excluído, segundo o grau de objetividade alcançado na definição do comportamento identificado.

Transformada num trabalho técnico de controlar a conduta clínica e dominar a decisão, para em seguida medir os resultados com o coeficiente Kappa, a abordagem racional dos diagnósticos, proposta pelos grupos de St. Louis e de Nova York, preconizava os seguintes passos que tornariam possível declarar que o problema da confiabilidade seria resolvido: 1º) se eles limitassem as informações colhidas pelos clínicos, 2º) se fosse formalizada a ordem na qual elas seriam reunidas, 3º) se guiassem o modo como o conjunto de perguntas seria apresentado, 4º) se dessem indicações “explícitas” sobre os diagnósticos possíveis. Seguindo estas orientações os pesquisadores conseguiriam reduzir as discordâncias diagnósticas.

A idéia geral do tratamento da baixa confiabilidade das categorias do manual seguiria a padronização da conduta de clínicos e pacientes, medindo os resultados das avaliações e aplicando o índice Kappa para diminuir a incidência do acaso nas medidas, elevando assim a concordância e garantindo a confiabilidade pelo consenso.

3.3.5 Exemplos de Protocolo de Entrevista Psiquiátrica: A Entrevista Clínica

No documento O DSM, o sujeito e a clínica (páginas 84-87)