CAPÍTULO II – ENDEREÇO: A AVALIAÇÃO
2.3 OS QUATRO MAIS UM ELEMENTOS DA AVALIAÇÃO
Muitos são os critérios utilizados para a avaliação de pacientes, sendo
que não há um método formalizado ou uma indicação geral sobre como
proceder ao encaminhamento para as diversas modalidades de moradia. Não
pretendemos desenvolver nenhum método geral para aplicar os critérios, uma
vez que tal construção destoaria da própria proposta da RT. A determinação de
protocolos de qualquer espécie dentro do Serviço Residencial Terapêutico
deve ser muito bem ponderada, já que um dos propósitos desse serviço é
contrastar com os serviços hospitalares, esses sim, fundados em protocolos.
Assim, essa ‘liberdade’ de critérios na verdade é profícua, e vai variar de
acordo com cada programa, com cada situação e com cada paciente.
Porém, formar protocolos não é, nem de perto, a única forma de
problematizar uma atividade constante dentro de um serviço. Desta feita,
elegemos os critérios que são mais utilizados na prática, para entender o que
entra na cena da avaliação. Os critérios que elencamos somaram quatro e
delimitam de uma forma ampla o que está em jogo e o que se espera dentro de
um serviço como o SRT.
Como já dito, cada serviço e, mais precisamente, cada caso, vai
estabelecer uma forma particular de avaliar e encaminhar os futuros
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avalia. Dessa lógica decantam formas de ‘categorizar’ tais preocupações, que
podem ser traduzidas como critérios. Aos critérios que consideramos mais
constantes, também vamos apresentar outras ponderações encontradas nos
serviços, para então, propor um modo próprio de avaliar, incluindo a
contribuição da psicanálise na proposta de ‘localização do sujeito’ para
proceder às avaliações nesses serviços.
Em geral, a lógica da avaliação opera a partir da experiência prática, e
desta feita a primeira ponderação levada em conta nos serviços residenciais
são as necessidades do paciente. Essas necessidades são expressas em
“horas de cuidado dia”. Ou seja, o primeiro ponto a ser considerado é de
quantas horas ou de quais “tecnologias” o morador irá precisar. Aqui temos a
tentativa de aferir a autonomia e as descrições psicopatológicas do futuro
morador. A avaliação parte das habilidades adquiridas e das inferências que se
fazem ao redor do paciente, partindo do princípio que é necessário saber o que
o paciente quer, o que ele já faz, e o que, com o trabalho desenvolvido poderá
vir a fazer. São três princípios que decorrem do mesmo modo de avaliar: o que
podemos identificar, o que podemos aferir e o que podemos prognosticar. O
saber em jogo está do lado do avaliador, que deve sustentar, a partir de um
conhecimento prévio, o que é melhor para cada paciente.
A presença de psicanalistas ou de profissionais orientados pela
psicanálise no espaço público da atenção psicossocial oferece uma abordagem
específica do saber que sustenta a condução de cada caso, e a pergunta “o
que deve saber um psicanalista?” aponta para diversos aspectos da própria
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pensar desde o ponto do saber como demarcador de uma posição pode nutrir
muitos questionamentos que apresentaremos ao longo desse trabalho. Por
hora, parece interessante pinçar essa especificidade da avaliação: como
localizar o saber nessa dinâmica?
Citando novamente o texto “Variantes do Tratamento Padrão”
encontramos uma indicação de Lacan sobre o saber do analista onde afirma “o
que o psicanalista deve saber: ignorar o que sabe” (Lacan, 1998 [1955] p 351).
Dizer que o analista deve ignorar o que sabe, não quer dizer que o analista não
deva saber nada, já que para ignorar o que se sabe deve-se saber algo.
Para entender melhor essa indicação, é necessário antes estabelecer de
que saber se trata na psicanálise. O saber que está em jogo não é o saber
acadêmico e nem mesmo o saber intelectual, racionalizado, consciente por
assim dizer. Desde Freud, há uma subversão no estatuto do saber: no
inconsciente, a partir da operação do recalque, o saber não é sabido na
articulação de um sentido, mas sim, sabido ‘sem saber que se sabe’. O
paciente fala mais do que sabe, e, nos tropeços do inconsciente demarcados
por Freud (o chiste, a associação livre e o sonho) explicita-se que se sabe além
do que se supõe, dizendo mais do que se queria dizer. Isso é frontalmente
oposto à ideia de que se trata de um saber exposto, mas antes de tudo um
saber suposto ao inconsciente.
Figueiredo e Vieira (2000) esclarecem que quando se estabelece o
saber no âmbito do conhecimento, facilmente identificamos três características
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ser capaz de enunciá-la e essa enunciação pode ser alçada como universal
para que se sustente como saber.
Já para a psicanálise o “ponto de partida é o reconhecimento do saber
como furado, vazado, lacunar, sempre incompleto” (Figueiredo e Vieira, 2000,
p.2) porque se sustenta nas formações do inconsciente. Os autores ainda
advertem para que esta concepção de saber, que toma o inconsciente do
homem como seu fundamento primeiro, não recaia em uma leitura ontológica-
psicológica onde reside a ideia de que o inconsciente é concebido como “o
homem dentro do homem” (Figueiredo e Vieira, 2000, p.3) já que essa
concepção evoca a consciência correlata ao saber. Segundo os autores “esta
leitura nos conduz a inúmeros impasses e o maior deles é a crença num saber
já dado a priori, cuja essência devemos apreender objetivamente através de
um método específico de investigação”.
Nesse sentido, o saber do analista não está associado a uma recusa de
saber. Quando Lacan enuncia que o analista deve ignorar o que sabe, aponta
para uma posição do analista, em que marcado também pela castração,
entrega-se à escuta de uma associação livre, onde o enunciado e a
consequente enunciação não são dirigidos por um saber ‘que tudo sabe’, mas
por um saber furado, o saber inconsciente de quem fala. E a consequência
mais imediata dessa concepção é a de que o saber esta do lado do paciente, já
que a verdade está ao lado do sintoma. O saber articulado à verdade de cada
caso é o que constitui o campo de saber da psicanálise e o que fundamenta a
prática analítica como práxis do inconsciente seja no dispositivo de consulta ou
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Ao nos advertir quanto a um impossível de saber a priori sobre os casos
assistidos, a orientação psicanalítica sustenta um ‘saber-fazer’ com cada caso
e também com a equipe como manejo possível desse 'saber que não se sabe'
próprio da lógica do inconsciente.
Assim, dentre as consequências da subversão do saber operada por
Freud temos então a posição do analista, sua formação, a transferência (onde
esse saber ganha consequências) e a transmissão da psicanálise como pontos
nodais. Por ora, destacamos somente essa nuance de deslocar o saber do lado
de quem escuta para o saber do lado de quem fala.
O saber do inconsciente não é completo, todo. Por isso afirmamos que
ele é “não todo”. Primeiro porque não se pode dizer tudo, já que como sujeitos
estamos submetidos, desde sempre, ao equívoco inerente ao assujeitamento
da linguagem. Também porque seu estatuto mantém sempre algo de
recalcado, algo que não se articula, que escapa. A não inscrição da relação
sexual evoca a impossibilidade de fazer ‘um’ de fazer um ‘todo’ e uma marca
da castração está posta. Desta feita, o saber que interessa ao analista é o
saber não todo, furado, o saber de quem fala mais do que sabe. E quando o
saber não todo do sujeito é endereçado através da fala para um analista, este
deve saber, dentre outras coisas, manejar a transferência, saber sobre o
inconsciente e suas formas de operar. Mas ao fim o que nos interessa é o
saber do sujeito e, portanto, é responsável por sua condição subjetiva e
consequentemente por aquilo que ele nem sabe que sabe.
Lacan, em 06 de janeiro de 1972 proferiu mais uma conferência em
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afirma: “isso não os impede, nos limites desses muros, de escutar algo
diferente da minha voz. A voz, por exemplo, daqueles que estão internados ali,
uma vez que, no final das contas, isso pode conduzir a algum lugar (...)” (2001
[1972], p 55).
Nessa passagem, Lacan convida a todos a escutarem mais do que ele
diz, escutarem o que os pacientes têm a dizer. Parece uma coisa óbvia, já que
o exame clínico da psiquiatria se dedica em boa parte do tempo ao que as
pessoas dizem. Porém, há algo que difere ouvir de escutar, e a Lacan não
enseja que os médicos escutem as histórias buscando os fenômenos
psicopatológicos, mas que empenham uma atenção fluante, sem condução
prévia. Ou seja, dedicar-se à associação livre e suportar escutar as produções
dos pacientes sem categorizá-las. E a afirmação de Lacan para o analista
‘esquecer do que sabe’ indica que a posição de quem escuta está marcada por
um saber específico, mas que quem porta o saber sobre o inconsciente, sobre
aquilo que se atualiza em seu padecimento, é o paciente. O saber que mais
interessa está do lado de quem fala.
De modo geral, quando se pensa em uma avaliação, logo uma demanda
de saber é endereçada ao avaliador. Via de regra o avaliador sabe o que é
melhor, o que está de acordo, o que destoa e o que pode ser indicado. Esse é
o saber que se espera de um especialista, o tout savoir. O saber todo, nesse
campo, pode ser equiparado a uma condução onde a diretividade é ancorada
no saber. A fala é tomada como evidência de uma condição de adoecimento, e
a verdade salta aos olhos de quem busca encerrar um sujeito em uma
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extraída e não forcluída. “O saber, portanto, é ali bem separado do sujeito”
(Lacan, 1998 [1965], p. 876).
Propomos na direção da psicanálise que essa aporia do ‘saber que está
do lado sujeito’ seja o ponto de virada da avaliação, tendo nas indicações do
futuro morador o arranjo necessário para que a avaliação parta da premissa de
que não estamos encaminhando alguém para outro lugar; mas construindo,
junto ao paciente, uma forma de viver na cidade.
Elia et al (2005, p. 129) ao abordarem a inserção da psicanálise no
campo da saúde mental afirmam que “a psicanálise interdita a especialidade,
pois está referida a um saber sobre o qual não se tem conhecimento e toma o
sujeito, dividido entre o saber e a verdade como baliza do seu trabalho”.
Seguindo nesse caminho, podemos afirmar que a psicanálise, ocupada com
um saber que sabe ser não todo, esvazia os especialismos que tentam revelar
a verdade sobre a doença, assinalando que a verdade é do sintoma e que para
semi ouvi-la é preciso escutar desde um lugar, uma posição. “Se é o sujeito
que aponta a direção do trabalho, não há um saber prévio e empírico sobre ele”
(Elia et al, 2005, p. 230).
Deste modo, propomos que avaliação não busque somente aferir e
prognosticar, determinando o que o paciente já faz ou pode vir a fazer, mas
que destas indicações possamos construir junto com o paciente um arranjo
possível para que esse novo lugar se estabeleça.
Não que não haja apostas, ou que não se acredite no trabalho que será
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colocar um morador em uma residência que só tem 4 horas de cuidado/dia, ou
mesmo em uma com 24hs de cuidado é uma aposta bastante delicada, que
traz consequências importantes para os futuros moradores. Torna-se relevante
novamente a função social desse serviço, uma vez que se propõe a ser uma
casa, onde fatores como “afinidade” e “convivência” devem ser considerados, e
que também se apresenta como um serviço substitutivo, que deve dar conta de
acolher e responsabilizar-se, enquanto instituição, pelos pacientes que ali
residem.
Podemos decantar dessas preocupações alguns critérios que
tomaremos aqui um a um.
2.3.1 – Territorialidade
A princípio, a ideia é considerar o território subjetivo do paciente. Isso
quer dizer que não basta considerar o endereço de origem ou o município que
internou o paciente. Esses instrumentos nos servem para ter uma pista da
origem do mesmo, mas o que conta é de onde o paciente diz que é. Onde ele
reconhece que é seu lugar. Mas como todo critério, ele se atualiza de acordo
com seu entorno. A questão se abre quando se escolhe “de onde” virão os
pacientes. O primeiro ponto de diferença é pensar que os pacientes oriundos
da CSDE passaram pelo menos sete anos internados naquela instituição (que
por ter funcionado como uma instituição para crônicos, em geral os pacientes já
vinham de outras longas e ininterruptas internações), nesse sentido, havia
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município de origem já não o reconheciam como tal. Temos ainda casos em
que a rede de saúde mental do município era precária ou inexistente, o que
dificultava o acolhimento dos pacientes. Também o fato de Paracambi constituir
21 casas para sustentar o fechamento do hospital favorecia o encaminhamento
para as casas locais. De fato, muitos acabavam reconhecendo em Paracambi
seu território subjetivo, mas em alguns casos, essa aposta teve que levar em
conta critérios diversos.
A ideia da territorialidade é que o paciente possa retomar ou formar
vínculos onde considere mais fácil fazê-los. Onde ele acredita ser mais fácil
circular e onde reconheça o território como ‘seu’. E por isso, de forma geral, a
primeira pergunta que se faz no início de uma avaliação é “de onde vem o
paciente e qual a ligação que ele tem em seu território de origem”. Depois,
consideram-se as possibilidades e, junto com paciente, discutem-se
alternativas. Como não se trata somente de algo objetivo (onde há vagas, onde
é possível que o paciente seja acolhido) é necessário ter em conta que a
pergunta ‘de onde veio’ não determina exatamente um ‘para onde vai’, mas
dispara uma direção de trabalho, que por vezes até prescinde da cidade de
origem para constituir uma nova territorialidade com o paciente.
Ao tomarmos o território como geográfico, ainda que considerando os
vínculos que os pacientes estabelecem com o local, estabelecemos uma
configuração onde o sujeito se localiza a partir de diretrizes espaciais, seja um
bairro, uma cidade ou um Estado. A dimensão da territorialidade não escapa
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que a territorialidade é mais ampla que o território, a geografia determinada
pelo paciente ou pelo seu prontuário sempre são incluídas na discussão.
Se por um lado a imagem evocada pelos pacientes quando se pergunta
‘de onde você veio’ aponta para uma lembrança, uma simbolização que não é
objetiva e que provavelmente não será reencontrada; por outro lado todas as
informações passam a ser úteis, seja na busca por parentes ou no
reconhecimento por parte do paciente do território como seu.
Existe então um lugar objetivo, demarcado, ao que se busca e em torno
do qual se organizam as ações de encaminhamento de pacientes. Mas
também existe um lugar subjetivo demarcado pela vivência de cada um e que
exprime uma subjetividade singular.
Interrogando o conceito de territorialidade, podemos expandir a ideia
mais geográfica e pensar a partir do modelo topológico. Granon-Lafont (1990)
toma o modelo da banda de moebius para falar sobre uma articulação entre o
espaço e a estrutura. A conhecida banda, formada a partir de uma torção, é a
imagem evocada por Lacan para demarcar que o ‘dentro’ e o ‘fora’ estão
implicados e se determinam. O ‘lado de fora’ é um ‘não dentro’. Na banda, o
dentro e o fora se confundem, deixando o sujeito sempre na borda. A
matemática, que antes serviu para inúmeras formulações lacanianas, agora é
estendida, tal como o inconsciente definido por Freud. (1973 [1938]).
Granon-Lafont (1990, p.13) esclarece que a passagem das formigas
nessa figura topológica é atravessada pelo tempo. A ideia do horizonte, dentro
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Moebius, superfície plana com duas dimensões, que assim é definida na
relação que mantem com sua vizinhança imediata. Por outro lado, o horizonte,
o ponto onde a banda revira, pinça sua torção, sempre na relação às
vizinhanças imediatas, é percebido como profundidade”. Esta profundidade é
atravessada pelo tempo, que o tem como medida. O tempo que a formiga
levará para alcançar o ponto de torção e que nunca alcançará, uma vez que
tão logo se aproxime dele, “um novo horizonte irá sempre se apresentar como
terceira dimensão, como profundidade (...) trata-se do horizonte, ao qual
sabemos não ser o limite, mas que topologicamente, se entende como o tempo
necessário para alcança-lo”. (Granon-Lafont, 1990, p.14).
O fator tempo opera nessa equação demarcando o espaço e incidindo
sobre a percepção do mesmo. Segundo Estrella (2010) “Somente a
intervenção do tempo poderia diferenciar os lados avesso e direito da banda,
na medida em que estão separados pelo tempo de uma volta sobre esta. Neste
sentido, apenas a categoria tempo poderia atestar haver entre as duas curvas
o espaço da Banda de Moebius propriamente, que pode representar um vazio
central formado a partir delas, onde não há exatamente uma superfície”.
Certa vez um morador de uma RT do IMAS saiu para comprar balas e
não voltou. Procuramos por todos os lados, todas as pistas e ligamos para a
emergência do hospital psiquiátrico da região. Lá nos informaram que não
havia nenhum morador de RT. Continuamos a busca até que alguém o
reconheceu: ele estava internado no hospital. Ao chegarmos lá, os funcionários
disseram que ele não dizia seu nome e afirmava ser de botafogo, bairro da
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nascido, vivido e trabalhado em botafogo até ser internado 26 anos antes.
Quando perguntamos, ingenuamente, porque ele respondeu que morava em
botafogo, ele respondeu: “porque me perguntaram de onde eu sou e onde eu
moro, não me perguntaram onde eu estou morando no momento”.
Nesse pequeno exemplo temos a incidência do tempo na demarcação
da ‘casa’ do morador. Há 26 anos mora fora de botafogo, mas esse tempo
presente, esse contínuo do gerúndio ‘estou morando’ determina que a
mudança de endereço não pode ser calculada de modo objetivo. “Não me
perguntaram onde eu moro, mas onde estou morando” há uma contingência,
um ‘ponto de escape’ marcado pelo tempo: estou morando aqui, mas moro em
botafogo. Moro e morando são coisas diferentes. O tempo que marca esses
dois lugares determina que ele seja entendido de forma única pelo morador. O
território então fica acessível não pela geografia, mas pela linguagem.
Como já descrevemos uma das primeiras atividades depois da
Intervenção na CSDE, foi fazer uma espécie de ‘senso’. Nesse senso, dentre
as informações colhidas, uma das mais preciosas era o local por onde foi
emitida a Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Essa informação era
valiosa, pois era a partir dela que se estabeleciam os diálogos com a rede. Se
o paciente fosse internado por um município ‘x’ haveria grandes chances de
alguém de lá encontrar uma família, ou saber do caso.
Uma das tarefas mais árduas era deslocar a ideia de ‘município de
origem’ para ‘territorialidade’. Isso porque as políticas públicas de saúde, e
mais especificamente na saúde mental, a acessibilidade, a responsabilidade
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2006). Se por um lado essa é uma tarefa que não pode se encerrar na
objetividade de encontrar o ‘local de origem’ do sujeito, por outro lado sustenta
a criação de novos dispositivos quando ocorre o fechamento de um hospital.
Com a CSDE esse argumento foi muito válido para que os municípios se
obrigassem a construir redes, SRTs e o que mais fosse preciso para receber os
moradores que internaram muitos anos antes. Remeter aos municípios a
responsabilidade pelas internações que efetuaram, não importa quanto tempo
antes, é fundamental. Porém também é fundamental que a discussão sobre o
lugar de origem não se encerre nessa indicação.
Perguntei para um paciente onde morava antes de ser internado e ele
me respondeu o nome de um bairro e depois complementou: “moro numa rua
de terra, que sobe e desce, aí anda, anda, anda e nunca chega”. E ponto. Era
isso. Ele morava em uma rua que nunca chegava. Claro que informação do
bairro era importante, mas parece que o complemento da frase não pode ser