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OS RESQUÍCIOS DA CULTURA CAXIENSE FRENTE AO NOVO PERÍODO

2. O CONTEXTO E AS DIRETRIZES PARA O ENSINO BRASILEIRO NO

3.2 OS RESQUÍCIOS DA CULTURA CAXIENSE FRENTE AO NOVO PERÍODO

Em virtude da forte presença de imigrantes italianos na cidade de Caxias do Sul e na região, muitos ideais europeus vigoraram no município até serem restringidos pelos ideais do Estado Novo. O dialeto italiano, as músicas estrangeiras, objetos vindos da Itália, além de algumas mobilizações fascistas faziam parte da cultura caxiense.

108 Artigo 01 da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. Disponível para consulta em:

Outro ideal social presente na cultura caxiense estava na mentalidade patriarcal e também no domínio cultural da Igreja Católica (Dalla Vecchia; Herédia; Ramos, 1998), pois na sociedade italiana, a igreja sempre foi o centro da organização social, cultural e comercial (Kreutz, 2003). Esta formação era tão comum que na maior parte dos municípios formados por imigrantes italianos, as comunidades sempre se desenvolviam ao redor das pequenas capelas. Assim, nas proximidades da igreja era construída a escola, o salão da capela, a bodega, muito semelhante às comunidades que ainda sobrevivem no interior do município de Caxias do Sul.

Por ser o centro da comunidade, a frequência à missa era costumeira nos domingos e dias santos pela manhã (Battistel; Costa, 1983). Após o culto religioso, os homens passavam seu tempo com os amigos nas bodegas ou nos salões das capelas, já as mulheres visitavam ou aguardavam as amigas, e as crianças brincavam (Boscatto, 1994). Como descrito anteriormente, as atividades de lazer dominicais não eram semelhantes entre os gêneros, pois as mulheres eram impossibilitadas socialmente de frequentar locais de jogo, no caso das bodegas. Por esse motivo, a situação da mulher era de igualdade de responsabilidades e desigualdade de direitos, ou seja, ela trabalhava ao lado do marido na lavoura, educava os filhos e tratava dos afazeres domésticos, porém aos domingos o lazer através de jogos destinava-se somente aos homens (Giron, 1977).

Com relação às crianças, assim como os adultos, o trabalho também era o seu passatempo semanal (Battistel; Costa, 1983). Mas nos momentos vagos, elas se divertiam brincando na colônia, os meninos mais com brincadeiras de caçar, correr, jogar cartas ou bola; as meninas brincavam com bonecas e de casinha. Brincadeiras muito necessárias para distrair o corpo da educação familiar rígida, pois “quanto mais severos fossem os pais e quanto mais obedientes os filhos, mais eram valorizados pela sociedade” (Battistel, 1981, p. 36). Além disso, na escola os pais

[...] exigiam dos filhos que respeitassem a professora. Isso era importante. E quando vinham matricular os alunos, os pais diziam: olha respeitem a professora. E ele dizia depois para a professora: qualquer coisa a senhora fala comigo. Então os alunos, sabe respeitavam a professora (Poletto, década de 1980).

Outro importante tópico a ser tratado se relaciona à alfabetização da população caxiense da época. Segundo algumas fontes, a maioria dos homens era alfabetizada, ao contrário das mulheres (Giron, 1977; Venturim, 2009). De acordo com a professora Liduvina Sirtoli Tissot, ao tratar da matrícula escolar comenta: “muita gente se era as filhas não mandavam, mandavam só os filhos, mas depois elas mesmas queriam ir” (Tissot, 1987). Pois “[...] diziam

que o rapaz tinha que estudar mais. A moça não precisava. Quando ela soubesse ler e escrever, se defender é o suficiente” (Moretto, 1986). Mesmo com os indícios citados pelas professoras de que havia a preferência familiar para que os meninos frequentassem mais a escola do que as meninas, nos documentos pesquisados109 sempre foram encontradas turmas mistas nas escolas municipais, e, além disso, nas atividades escolares não havia distinção entre os gêneros. A única diferença, segundo a professora Dorotéia Rizzon Corte estava na preferência entre as disciplinas:

Os meninos de matemática, e as meninas leitura. Leitura e ditado. Tu podia observar que a letra da menina tu distinguia sem saber o nome, só abria o caderno tu já sabia que era menina. Elas não gostavam muito da matemática. Não gostavam muito. Porque tinha que pensar, que raciocinar. Os meninos sempre ganhavam em matemática. Por exemplo, eu passava assim cinco exercícios, digamos. Um de adição, aqueles que estavam na 2ª, adição, subtração, multiplicação e divisão. Então, eu dava depois a folha para cada um. Pegava uma folha de caderno, porque não tinha mimeógrafo, não tinha nada e passava em casa de noite, no outro dia, e dava tantos minutos. E aquele que fazia por primeiro, aí ficava tão faceiro e ele já vinha com a prova e dizia professora está certa a minha conta, eu ganhei. Muitas vezes eu dava uns pontinhos né. Ah, então, era uma folia (Corte, década de 1980).

Outro resquício de cultura estava na fala do dialeto e nas tradições estrangeiras presentes nas festas, danças, jogos, entre outros. Com relação à utilização da língua estrangeira, muitos tentavam se expressar em português, “mas o meu pai e a minha mãe falavam tudo embaralhado” (Bottini, 1984). No caso de pais de alunos, “[...] eles já vinham e diziam: professora mi no só parlar en brasiler”110 (Soldatelli, década de 1980), mas com a convivência com pessoas de origem italiana, mesmo aqueles que não descendiam dela acabavam compreendendo.

Com relação aos jogos, danças e festas, estas eram atividades que serviam de suporte para levar adiante a vida em um lugar diferente da sua pátria mãe. As festas normalmente se relacionavam à data de comemoração do padroeiro da comunidade, com duração média de três dias, assim havia baile, leilão, procissão e foguetório (Boscatto, 1994; Caxias do Sul, 1986). Nestas festas também aconteciam jogos como: bocha a ponto, cavalinhos, pescaria, cucagna, tômbola, tiro ao alvo, desfiles (Dall’alba et. al., 1987).

Como citado anteriormente a vida cotidiana de imigrantes italianos e seus descendentes girava em torno da religião. Com relação ao corpo não era diferente, segundo a professora Dorotéia Rizzon Corte nas aulas de catequese ou religião ela ensinava as crianças: “Eu dizia: o corpo é uma coisa santa, que Deus criou, devemos respeitar” (Corte, década de 1980).

109 Livros de Atas e Livros de Frequência Escolar. 110

No período de vigência do Estado Novo, a Igreja Católica também era uma aliada dos interesses do governo; e por basear-se em preceitos positivistas, também havia a diferenciação entre os gêneros (Soares, 1994). É possível afirmar que havia semelhanças entre os ideais do Estado Novo e da cultura caxiense da época, porém as diferenças podem ter transformado os comportamentos. Partindo desta suposição, o próximo item propõe compor a Educação do Corpo no período do Estado Novo.

3.3 EDUCAR PARA INSTRUIR, DISCIPLINAR E PRODUZIR: A EDUCAÇÃO DO