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Para além das pistas de música e voz (e da discussão sobre as indiscernibilidades), temos aquilo que chamamos convencionalmente de ruído. Na tradição documentária, há filmes que não usam materiais sonoros diferentes de voz e música, assim como há filmes em que música e/ou a voz não é usada, há filmes que se dedicam aos ruídos com referentes visuais, há filmes que se dedicam mais aos ambientes sonoros (ou aos ruídos de um extracampo) do que aos ruídos de imediata relação com o que vemos no campo do visível, há filmes que criam os ruídos nos estúdios, outros que negam esse modo de geração de som em favor do uso de sons advindos de locação, há filmes em que a sincronia sonoro-visual é pós-produzida e filmes que prezam pela captação sonoro- visual sincrônica, há filmes em que os ruídos são meticulosamente editados e mixados e outros em que a pós-produção é evitada etc. e, finalmente, filmes que misturam duas ou mais dessas caraterísticas.

No campo teórico e histórico dos estudos do som, a temática do ruído no documentário figura, talvez, como a mais incipiente. É ainda um terreno de difícil incursão, embora já haja, de certa forma, um lastro teórico e histórico no campo do ficcional (embora na ficção, o ruído, também, talvez, figure como a temática mais incipiente).

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Os parâmetros que aplicamos para falar da música no documentário servem hipoteticamente para falar também dos ruídos. Contudo, a aplicabilidade deles, do ponto de vista analítico, lida com certas barreiras. Uma delas é a perceptiva: do ponto de vista espectatorial- analítico, é complicado inferir a circunstância material, espacial e temporal do ruído que se faz presente no filme. Em outras palavras, é difícil saber se o ruído é tomado em locação ou em estúdio, se ele é fruto de uma tomada sonoro-visual sincrônica ou se é pós-sincronizado com a imagem, é, também, difícil identificar que objeto originou a materialidade sonora levada ao espectador.

Uma possível solução para passar por essa barreira seria a pesquisa em arquivos e em quaisquer outras fontes primárias que fizessem referência à produção dos ruídos em cada filme especificamente. O problema, que se configura em outra barreira, é que esses materiais são escassos, ainda mais quando se trata da produção documental dos anos 1930 aos 1960.

Pela perspectiva tecnológica, é possível fazer algumas afirmações gerais, de conhecimento comum. No documentário clássico, os sons produzidos em heterogeneidade com a tomada visual e com a circunstância de mundo fílmico foram mais dominantes, devido aos equipamentos de captação sonora que dependiam de custoso esforço para irem à locação (no mínimo um vultoso volume de bateria) na qual a tomada visual era feita e na qual a temática específica de cada filme se debruçava. Em contrapartida, no documentário moderno, a potencial mobilidade dos equipamentos possibilitou uma incursão mais recorrente e menos custosa no mundo dos ruídos em locação, que, contudo, não implica uma homogeneidade espacial e/ou temporal entre a tomada sonora e a tomada visual.

Sabemos que a discussão não é simples. No documentário clássico, apesar das dificuldades, a tomada sonora em locação já ocorre, conforme discutido anteriormente e conforme discutiremos a seguir. No documentário moderno, é notável a presença dos ruídos exercendo funções que perduram desde o período clássico, como o papel de conferir continuidade à sequência por meio da continuidade sonora frente a cortes no plano visual, o que implica sons e imagens que, minimamente, não nasceram exatamente no mesmo presente.

Os escritos de Ken Cameron (1947) talvez sejam os mais reveladores sobre o documentário clássico no que diz respeito aos ruídos, em especial naquilo que se refere ao documentário britânico no período em que esteve como engenheiro de som no comando do departamento de som da GPO e da CFU (1938 a 1951). No capítulo dedicado aos ruídos no livro

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Sound and the documentary film, ele afirma que “o realizador do documentário usa o som genuíno se ele é humanamente possível de ser captado”, e continua, afirmando que “Ele [o realizador] o usará preferencialmente em detrimento de um som falsificado, mesmo se esse último for um pouco mais admirável” (CAMERON, 1947, p. 36). Contudo, afirma que, de fato, a “reconstrução artificial [...], na prática, tem que ser frequentemente feita” (CAMERON, 1947, p. 36).

Paul Rotha (1939, p. 210), na perspectiva de realizador e produtor, afirma que alguns sons só se conseguem em locação: “as manobras de um trem à distância, a conversação e o ruído de um escritório postal de triagem ou os sons característicos de uma estação ferroviária”. Nesses casos, afirma Rotha (1939, p. 210), a presença do caminhão de som é indispensável. Em contrapartida, afirma, também, que existem outros tipos de som que são melhor produzidos nos estúdios de gravação, “especialmente sons que, por motivos dramáticos, requerem ser isolados de seu ambiente” (ROTHA, 1939, p. 211). Ele dá o exemplo do “canto fúnebre do dragador”80:

ele pode ser fabricado (1) esfregando um lápis numa lousa, (2) arrastando a parte afiada de uma espada contra um piso de concreto, (3) empurrando um tanque de ferro vazio sobre um piso com pequenos pedregulhos espalhados. Todos os três sons são gravados separadamente e misturados na trilha (ROTHA, 1939, p. 211).

Rotha (1939, p. 211) também dá o exemplo do som do “arco voltaico”81, que pode ser fabricado pela captação de quatro tipos de som, gravados separadamente e, depois, unidos na trilha.

Rotha (1939, p. 211), ao final de suas ponderações, afirma que a diferença entre o uso de sons “artificialmente criados” e sons “reais gravados em locação” é uma questão de conveniência e praticidade.

Cameron, por sua vez, dá exemplos concretos de alguns filmes. Um dos exemplos é do Close quarters (1943) de Jack Lee. Nele, Cameron (1947, p. 38) diz que os ruídos utilizados foram todos genuínos, gravados em locação, numa correspondência direta entre materialidade sonora e objeto. Interessante notar nesse filme o fato de que, para a parte visual, um gigantesco interior de submarino foi construído nos estúdios Pinewood, enquanto para a parte sonora, já próximo ao fim das filmagens, um “gravador portátil foi levado a um submarino [de verdade] e gravações de todos os sons peculiares a ele foram feitas” (CAMERON, 1947, p.38) para serem utilizadas.

80 Dragador é uma estrutura mecânica que serve como um tipo de ferramenta de escavação na remoção de depósitos e

entulhos acumulados no fundo de solos, mares, rios etc.

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Um outro exemplo é sobre o filme V. 1 (1944) de Humphrey Jennings. Era necessário para o filme, segundo Cameron, um som que simulasse uma bomba viajando em aproximação, “passando por cima” e explodindo. Não muito antes do fim das gravações dos sons do filme, um caminhão de som conseguiu captar o som de uma bomba caindo, evitando que fosse necessária a construção de um som bastante difícil de modelar nos estúdios (CAMERON, 1947, p. 38). Em contraposição a esse caso, ele cita o filme A diary for Timothy. Foi pedido para o filme o som da explosão de um foguete V - 2. A intenção original era gravar o som em locação, mas como não foi possível, o som teve que ser fabricado nos estúdios numa elaborada combinação de um tiro de rovólver, de uma explosão de um tanque, de uma explosão de um rojão num ambiente reverberante, o ressoar de vários trovões misturados (CAMERON, 1947, p. 38). Embora esse som tenha sido fabricado, a outra grande parte dos ruídos do filme foi gravada em locação por duas unidades completas de som instaladas em dois caminhões (BADDELEY, 1963, p. 136-137).

Cameron (1947, p. 38-39) cita ainda outro exemplo interessante de som colhido em locação. Uma equipe de som da Army Film Unit se juntou à Second Army (grupo militar britânico de campo ativo na Segunda Guerra) antes de sofrerem uma invasão aérea em Arnhem. Foram gravados, segundo Cameron, praticamente todos os tipos de armas de fogo usadas durante a invasão e, também, um grande leque de sons de batalha. Não havia, então, nenhum filme particular em vista. Posteriormente, alguns dos sons foram usados no filme True glory (1945) de Garson Kanin e Carol Reed e em Theirs is the Glory (1946) de Brian Desmond Hurst e Terence Young, filme sobre a invasão de Arnhem. Cameron ainda fala, num gancho com este exemplo, que com o passar do tempo uma biblioteca de sons pode ser montada, o que facilita o trabalho da aquisição ou da fabricação dos sons pretendidos para os filmes.

Alberto Cavalcanti, em Filme e realidade, cita também outros exemplos sobre ruídos no documentário clássico. Um em Night mail e outro em North sea. A respeito do primeiro, Cavalcanti (1957, p. 153) cita brevemente uma sequência em Night mail cujos sons do trem foram, se não lhe falha a memória, feitos por uma bateria. Em relação a North sea, de acordo com Cavalcanti (1957, p. 155), havia que ser reproduzido para o filme um “barulho de uma vaga82 quebrando no convés do navio”. Tentaram vários recursos em vão, “apelando inclusive para a seção de efeitos da B.B.C”. Em algum momento encontraram “uma espécice de rangido metálico,

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que não poderia jamais ser identificado”. “O guincho83 dava a impressão de que o navio tinha sido espremido diagonalmente e todas as suas juntas arrebentadas”. Cavalcanti comenta que era um ruído maravilhoso porque era, justamente, irreconhecível. Para ele, a imagem tem um poder de transformar a percepção da materialidade sonora, sendo o ruído, quando bem utilizado, uma ferramenta dramática fundamental para se arrebatar o espectador. Ele conta um caso para explicar essa perspectiva:

Um avião voava em direção da câmara. O diretor musical interrompia a orquestra e um estranho som avolumava-se. Nada tinha que ver com o som de um motor, embora o efeito fosse excelente. Curioso, precisei esperar a sessão seguinte, para compreender como tinha este sido obtido. Prevenido, ao escutá-lo pela segunda vez, reconheci um som muito comum, ouvido já milhares de vezes: o de um dos pratos tocados por duas baquetas estofadas. Um som muito familiar que, mesmo retendo sua qualidade dramática, tinha perdido, no entanto, a sua identidade quando combinado com a imagem. A imagem transforma as notas do prato no ronco do avião.

Eis porque os ruídos são tão úteis na banda sonora. Eles falam diretamente à emoção. Uma criancinha se assusta com um barulho repentino, muito antes de saber se há alguma relação entre barulho e perigo, antes mesmo de saber o que é o perigo. Os cães fogem quando se bate num gongo ou numa bandeja de metal. As imagens falam à inteligência e o ruído, contornando a inteligência, fala a alguma coisa de mais profundo e instintivo, como provam a reação da criança e a do cão. E isto nos leva a concluir que a mais importante característica da imagem na tela é a sua qualidade objetiva (CAVALCANTI, 1957, p. 155).

A perspectiva de Cavalcanti tendia para o entendimento de que o uso e a percepção do ruído deveriam caminhar no sentido dramático, não importando muito sua fidedignidade de origem em relação ao objeto que se associa, cabendo à imagem a objetividade da identificação material.

Essa perspectiva tinha uma certa consonância com a perspectiva de Cameron (1947, p. 8), que dizia que o efeito do som (e também do silêncio) sobre as emoções e a dramaticidade dependia mais da associação de ideias do que da realidade do som (e do silêncio) propriamente dita. Karel Reisz (1953, p. 165-166), um dos membros fundadores do free cinema, em seu livro The technique of film editing84 de 1953, em sua discussão sobre som no doumentário clássico, pensa de forma semelhante, afirmando inclusive que “o efeito emocional dos sons no espectador é menos

83 “Guincho” aqui é utilizado na acepção de “som agudo”.

84 Reisz, nesse livro, trabalha com dois conceitos que, embora pouco detalhado, funciona de forma semelhante aos

conceitos de diegese e não diegese aplicados ao som fílmico, décadas antes de Thompson e Bordwell (1979) e Gorbman (1980). Um deles é o actual sound, que seria o som diegético: “som cuja fonte é visível na tela ou cuja fonte subtende- se estar presente pela ação do filme” (REISZ, 1953, p. 278). O outro conceito é commentative sound que seria o som não diegético: “som cuja fonte não é nem visível na tela nem subtende-se como presente na ação” (REISZ, 1953, p. 279).

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direto que o das imagens e é, portanto, menos prontamente descritível”, aferindo a objetividade da imagem e o emotivo do som.

Enfim, no documentário clássico a presença do ruído se fez por tomadas em locação e em estúdio. Embora, segundo W. Hugh Baddeley (1963, p. 136-137), que começou a escrever, produzir e dirigir documentários na Inglaterra no final dos anos 1930, apenas as produções que contavam com um montante significativo de dinheiro conseguiam gravar os sons em locação.

As tomadas dos ruídos no documentário clássico eram, basicamente, espacialmente e/ou temporalmente heterogêneas à tomada visual e ao mundo fílmico, fossem elas de locação ou estúdio – embora a tomada em locação pudesse se estabelecer de forma homogênea com o espaço- tempo do mundo fílmico, como em alguns dos filmes de Humphrey Jennings produzidos pelo Ministério da Informação britânico e como o recém-citado Theirs is the Glory, ou, em homogeneidade com a tomada visual e com o mundo fílmico, como em Merchant Seamen (1942) de Jack Holmes (Figura 16) 85.

Os ruídos eram trabalhados, sobretudo, excluindo os casos que citamos no item anterior, numa perspectiva da verossimilhança e num trabalho narrativo que lidava tanto com os elementos visíveis, que estabelecem relações diretas ou de suposição com aquilo que escutamos, e com aquilo que se costuma chamar de ambiente sonoro.

Os sons relativos aos elementos visíveis e ao ambiente sonoro podiam ser, sem entraves éticos, tanto construídos em estúdio, numa base material muito distante da do objeto ao qual se refere, como a partir de um outro objeto igual ou semelhante localizado ou não numa espacialidade e/ou temporalidade heterogênea à tomada visual e/ou circunstância de mundo fílmico. Ou ainda, o ruído podia ser captado a partir do soar do mesmo objeto ao qual se refere no campo do visível, fosse numa heterogeneidade temporal ou não com a tomada visual (embora os casos de completa homogeneidade pareçam ser raros).

85 Foto de uma tomada em locação do filme. Na foto nota-se um microfone de fita (ribbon microphone) (CAMERON,

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Figura 16 – Tomada em locação de Merchant seamen

Fonte: Cameron (1947, p. 78).

Se lidarmos com ideias de realidade e objetividade, palavras sempre resgatadas quando o assunto é documentário, há que se considerar que passava longe das questões éticas do documentarismo clássico captar sincronicamente, para além das barreiras tecnológicas, o som e a imagem como se isso fosse o totem ético da verdade; embora os ruídos possam ocupar um lugar semelhante ao da música, como discutido no item 4.1, “A (falsa) polêmica da presença da música

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no documentário”. Ou seja, o ruído também pode ser acusado de manipular a realidade, de tirar a objetividade, de manipular emoções, de estetizar a realidade, de adicionar percepções que não se aferem pelas imagens. Mas essa crítica só é possível de se fazer anacronicamente, a partir das novas ideias que nascem com o documentário moderno.

Dentro desse horizonte de tomada dos ruídos, é notável a recorrência de certas modalidades sonoras na narrativa. Um primeiro ponto sobre o assunto diz respeito aos tipos de ruído captados em locação. Eles eram, sobretudo, advindos de locais amplos e de objetos inanimados. Em outras palavras, foi rara a tomada de ruídos em ambientes delimitados espacialmente, íntimos, em lares, bares etc. e de ruídos advindos de corpos animados, como o dos humanos. Paul Rotha (1939, p. 208), um dos defensores da espontaneidade dos personagens em seu ambiente, ainda em 1936, faz um comentário interessante, pertinente a esse assunto:

Existe um ponto prático que nós devemos lembrar nessa conexão – as maiores dificuldades em relação à portabilidade do equipamento de som quando comparado com o tamanho das modernas câmeras. Caminhões de som são essencialmente objetos maiores e desajeitados. Eles atraem atenção, causam distúrbio às características naturais do material que estão sendo gravados e causam transtorno à intimidade, a qual o documentarista tenta criar entre ele mesmo e seu tema. A mobilidade do equipamento de som, como devemos entender, é mais útil para a coleção de wildtracks naturais, que, nesse caso, é usada de forma independente da câmera.

Para Rotha, a presença volumosa dos equipamentos de som causava distúrbio no espaço fílmico e, de certa forma, impedia uma captação interessante dos sons. O caminhão de som e suas captações tornavam-se interessantes se usadas como wildtracks, que, em sua definição, é “a coleção de todos os tipos de fala e som em películas, as quais podem, mais tarde, ser cortadas e editadas em loops e em sub-tracks para regravação com a trilha sonora em branco” (ROTHA, 1939, p. 210). Em contrapartida, para ele, a câmera, mais compacta, conseguia entrar nos espaços sem causar o mesmo distúrbio.

Nos filmes do período, essa perspectiva ressoa inclusive a partir da espectatorialidade. As tomadas visuais que tendiam mais ao íntimo ou à proximidade com o ator social raramente lidavam com ruídos homogêneos a ela. E podemos notar isso porque, com os objetos visuais em proximidade, evidencia-se a ausência ou presença de certos elementos sonoros cabíveis de estarem presentes ou não conforme a materialidade, e de seus supostos sons correspondentes, advindos do plano visual.

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O sincronismo sonoro-visual na tomada era, de certa forma, descartado. Mas era descartado não por um desapego à materialidade mundana dos ruídos como elemento narrativo. Era descartado pela intrusão e distúrbio que os equipamentos de som, junto à câmera, poderiam causar, o que poderia comprometer a tomada visual.

Nesse sentido, é interessante notar a dualidade do real que está em jogo no que diz respeito ao ruído. O ruído de locação era interessante (sobretudo como wildtracks), mas sua ausência poderia ser tranquilamente suplantada com a presença de ruídos tomados em estúdio, mantendo-se, na narrativa, os graus de verossimilhança que lhe interessavam. E, quando os ruídos não cumpriam diretamente a função de verossimilhança, contava-se com a suposta objetivadade da imagem, à qual o ruído se juntava, seja em termos dramáticos ou de invenção/representação, para compor a realidade fílmica, sem comprometimento com a ética documentária de então e seus pressupostos de realidade.

Os ruídos tomados em estúdio, em termos de heterogeneidade, caminhavam na mesma direção do som tomado em locação, cumprindo os mesmos papéis, apesar de lidarem com uma possibilidade criativa maior. Os ruídos mais íntimos, como um suspirar, um estralar de dedos, o som de um sentar na cadeira e o de um coçar de cabelo, não se apresentavam de forma corriqueira. Os ruídos de estúdio vinham, sobretudo, em serviço da construção de ambientes amplos e de ações determinantes da articulação fílmica. Por mais que próximos das ações do ator social, os ruídos lidavam com a ação social, ou seja, com o som do martelo que o ator batia, com a pedra que ele quebrava, com a fundição dos metais por ele operada, com o trem no qual estava presente, com os sons do escritório no qual estava, com o seu caminhar durante o trabalho. Mesmo nos filmes com encenação construída bem evidente, articulados em grande medida pelo diálogo, os ruídos eleitos eram muito específicos da função social operada pelos personagens na narrativa.

Essas configurações de tomada de ruído impeliam, assim, uma estética sonora dos ruídos bastante (ou completamente) mediada pela equipe realizadora. Os ruídos, independente de seu nascimento para o microfone – em locação ou estúdio –, passavam na pós-produção, minimamente, por um trabalho de pós-sincronização, forjando-se, em grande parte das situações, numa construção sonora heterogênea à tomada visual e ao mundo fílmico em jogo. A fruição no mundo, a indicialidade, o inesperado e o imprevisível, no âmbito dos ruídos, ficavam, assim, bastante distantes da estilística do documentário clássico. Por mais que o som não muito bem

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previsto podia acontecer para o microfone, como no caso da invasão de Arnhem, essa