• Nenhum resultado encontrado

parte considerável dos municípios rurais não reunissem condições de elegibilidade.

A preocupação com a organização e sustenta- bilidade financeira dos serviços de águas e es- gotos começou a manifestar-se logo em 1913 com a criação da figura jurídica de Serviços Municipalizados. A sua regulamentação pro- priamente dita, determinando que esses serviços se deveriam orientar pelos preceitos do ‘conta- bilismo industrial’ (organização de escrituração e contabilidade próprias, publicação anual das respectivas contas e balanços e do relatório de gerência) seria publicada em 1927, e revista no Código Administrativo de 1936: se em 1927 já se previa que os Serviços Municipalizados deve- riam fixar as tarifas respectivas «em harmonia com as necessidades de exploração e desen- volvimento dos serviços»474, com o Código de 1936 esta disposição é ainda mais detalhada, afirmando-se que estes serviços deveriam «fixar as tarifas de modo a cobrir os gastos de explo- ração, o serviço dos empréstimos e amortização do capital e a constituição das reservas»475. Foi também através do Código Administrativo de 1940 que, compreendendo-se a necessidade de promover a integração dos sistemas, começou a prever-se a possibilidade de vários municípios se associarem na prestação de serviços desta natu- reza, chegando mesmo a determinar-se que este tipo de associação seria obrigatória numa parte significativa dos concelhos da área de influên- cia do município de Lisboa a partir de 1940, no que pode ser entendida como uma das primeiras configurações político-administrativas à escala do que hoje reconhecemos como Área Metro- politana de Lisboa.

474 Artigo 7º do Decreto nº 13913 de 30 de Junho de

1927.

475 Artigo 147º do Decreto-Lei nº 27424 de 31 de Dezem-

instituição da democracia em 1974, assiste-se a uma ‘politização’ do saneamento básico que se manifesta de duas formas distintas: por um lado, o acesso aos serviços de águas e águas residuais passa a configurar-se, finalmente, como uma necessidade colectiva de primeira-ordem, par- tindo-se do pressuposto que qualquer cidadão deve ter acesso a água potável e a condições de higiene; por outro, e decorrente de uma visão político-administrativa que procurava acentuar a natureza descentralizadora do processo demo- crático, a autonomia do poder local veio invia- bilizar o processo de implementação de regiões de saneamento básico. Entre 1974 e 1978 ainda se deu início ao processo de criação de algumas das regiões previstas, tendo inclusivamente sido criadas comissões instaladoras das respectivas empresas, mas o processo seria abandonado de- finitivamente a partir de então.

Mantiveram-se assim intactas as atribuições autárquicas no que diz respeito aos serviços de águas e águas residuais, excluiu-se o investimen- to privado no sector com a publicação da lei de delimitação dos sectores em 1977 (apesar de não haver registos de participação do sector pri- vado no sector durante o período de vigência do Estado Novo, com excepção do caso de Lisboa), e reforçaram-se de forma significativa os meios financeiros disponíveis através da nova política de financiamento das autarquias. Não sendo de todo desprezável o esforço realizado pelos mu- nicípios desde então no sector, visível através do aumento muito significativo dos níveis de aten- dimento da população, a falta de organização interna de muitos serviços municipais ou muni- cipalizados (que continuaram a funcionar sem contabilidade própria, sendo portanto incapazes de garantir informação fiável acerca dos custos inerentes à prestação dos serviços, ou mesmo de proporcionar informação credível acerca dos níveis de atendimento da população com esses serviços), e a ineficiência dos mecanismos de monitorização por parte do Estado (acerca dos investimentos realizados e do seu impacto do ponto de vista dos níveis de serviço alcançados, ou do planeamento dos investimentos futuros), criaram problemas que impediram uma análise regular da evolução global do sector em Portu- gal, dos seus problemas mais significativos, do esforço realizado pelos municípios ou mesmo da concepção de soluções inovadoras.

Neste sentido pode dizer-se que, se ao longo do período do Estado Novo era relativamente aces- sível a informação financeira acerca do sector (procedendo-se ao registo e publicação regular da despesa realizada), a partir de 1974, mas so- bretudo com a institucionalização da autonomia política e financeira das autarquias locais entre A grande maioria da população nacional, con-

tudo, continuava a ser abastecida por sistemas fontanários – este foi o sistema predominante nas povoações rurais praticamente até à dé- cada de 1960, constituindo-se inclusivamente como sistema complementar de abastecimento às povoações urbanas – e, na medida em que o consumo de água através destes sistemas era gratuito, a sustentabilidade financeira dos res- pectivos sistemas dependia, em exclusivo, ora dos orçamentos camarários, ora de fontes de financiamento alternativas.

No entanto, e em função do regime de tutela política, administrativa e financeira do Estado sobre os municípios, pode dizer-se que o grau de concretização das orientações políticas definidas dependeu, essencialmente, da efectiva vontade política do Governo. Convém de facto relembrar que no período de vigência do Estado Novo os presidentes das câmaras municipais eram no- meados pelo Governo, que a maior parte das decisões com impactos financeiros por estes tomadas ou pelos executivos camarários tinham que ser precedidas de autorização governativa ou ainda que o financiamento dos municípios dependia de um regime de comparticipações do Estado relativamente aos investimentos munici- pais: este, em última instância, reservava para si o poder de definir os critérios de atribuição de fundos e de tomar a decisão final relativamente às solicitações feitas pelos municípios.

Em 1972 enuncia-se pela primeira vez a necessi- dade de criar uma solução político-administrati- va que, considerando algumas das variáveis mais significativas do problema – nomeadamente a elevada dispersão da população nacional em povoações rurais de fracos recursos, e a fraca competência técnica ou capacidade financeira destes municípios –, deveria consubstanciar-se através da divisão do país num número reduzido de regiões de saneamento básico, no contexto das quais seriam criadas empresas públicas que, integrando as três componentes do saneamento básico, deveriam ser capazes de alcançar econo- mias de escala, promover a formação e a par- tilha de tecnologia e, inclusivamente, criar um sistema de compensações entre regiões com maiores e menores recursos.

Na sua essência, este projecto retirava do qua- dro de atribuições exclusivas dos municípios a responsabilidade pela infra-estruturação do país com sistemas de águas e águas residuais e ad- ministração dos respectivos serviços, criando-se unidades de administração e gestão de escala regional, o que seria efectivamente uma inova- ção assinalável face à realidade observada desde finais do século XIX. No entanto, e em função da

Uma visão global sobre os sistemas de financiamento

Desta forma, e como se verificou ao longo de todo o período, o diagnóstico global acerca da situação financeira do sector, compreendendo o investimento realizado e os seus impactos do ponto de vista dos níveis de atendimento alcan- çados ao longo de todo o território nacional, bem como as previsões relativas às necessidades de investimento futuro, foi sendo feito com re- gularidade variável, geralmente precedendo a implementação de novos ciclos de investimento, e ainda assim sujeito a limitações de informa- ção significativas que foram impedindo análises regulares da relação custo/benefício dos investi- mentos realizados. Na verdade, ainda hoje não existe uma monitorização regular e global do sector, situação que se espera venha a ser resol- vida com o alargamento do âmbito de actuação da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos477.

Em todo o caso, e do ponto de vista longitu- dinal, é possível constatar que o investimento realizado em infra-estruturas de abastecimento e saneamento de águas foi sempre residual em comparação com o investimento noutras infra- -estruturas em Portugal, facto que retira credibi- lidade à afirmação, observada com regularidade, de que um dos problemas essenciais do sector diz respeito à falta de meios financeiros necessá- rios à resolução dos seus problemas. Na verda- de, e como reconhecia Armando Lencastre em 1990 ao abordar a problemática do saneamento básico em Portugal, «não é demais afirmar, em- bora para escândalo de alguns, que os proble- mas financeiros nunca são os principais e que, quando os meios financeiros faltam, sobretudo num sector de base como é o saneamento bási- co, é porque já falharam anteriormente muitos outros condicionamentos, falhas resultantes de incapacidades institucionais, que se alimentam de incapacidades humanas e políticas, e recipro- camente, um autêntico círculo vicioso»478. Mais recentemente, a questão tarifária tem vin- do a ganhar preponderância como pressuposto essencial do financiamento de serviços de águas e águas residuais479, nomeadamente através do regime económico e financeiro do domínio pú- blico hídrico, que institui o princípio do utiliza- dor – pagador em 1994, ou da Directiva-Quadro da Água, que define a recuperação dos custos como pressuposto essencial das políticas públi- cas da água à escala europeia. Afirmando-se o 477 Prevista no Decreto-Lei nº 277/2009 de 2 de Outubro. 478 Lencastre, A. (1990). «A problemática do saneamento

básico e do destino final dos efluentes industriais», in Actas do Ciclo de Conferências sobre «A problemática da Poluição Hídrica em Portugal». Lisboa: Sociedade de Geografia de Lisboa, p. 9.

479 Ver a este propósito a Recomendação do IRAR 1/2009. 1977 e 1979, torna-se mais complexa a tarefa

de reconstituir o investimento realizado, os seus efeitos em função da evolução dos níveis de ser- viço alcançados e, consequentemente, a possibi- lidade de estimar os investimentos a realizar no futuro. Esta questão, assinale-se, não deixa de ser paradoxal se tomarmos em consideração os pressupostos essenciais de um Estado democrá- tico, ou mesmo a disponibilidade de tecnologias de informação que, sobretudo a partir da década de 90, têm vindo a criar condições excepcionais de recolha, tratamento e análise de informação. Do ponto de vista do financiamento comunitá- rio, e apesar de existir informação de base que discrimina os projectos aprovados (listagens exaustivas) ao longo da maior parte dos ciclos de investimento comunitário (entre 1986 e 2010), esta informação nem sempre está disponível para consulta e análise. Para além disso, torna- -se evidente que a grande maioria dos relatórios de avaliação publicados com regularidade pela Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional desde a sua criação em 1983, e pelo Instituto Financeiro para o Desenvolvimento Regional que a vem substituir em 2007, parecem orien- tar-se essencialmente para o cumprimento dos critérios de informação e avaliação previstos na gestão comunitária dos fundos476, mas não para uma avaliação criteriosa das políticas do sector e dos seus impactos.

Com a reforma operada entre 1993 e 1994, e com a subsequente criação do grupo IPE – AdP, SGPS, SA, bem como com a criação do Instituto Regulador de Águas e Resíduos em 1998, os ser- viços concessionados de águas e águas residuais ficaram sujeitos a regulação, passando assim a dispor-se de informação essencial à monitori- zação do sector concessionado. Por outro lado, e a partir de 2004, o IRAR dá início à publica- ção de um conjunto anual de quatro relatórios temáticos onde apresenta informação exaus- tiva acerca do sector, nomeadamente ao nível da sua caracterização económica e financeira. No entanto, e na medida em que não são abran- gidos pela intervenção reguladora do IRAR todos os sistemas não concessionados, situação que se alterou em 2009 mas que ainda não produziu resultados efectivos, continua a ser complexa a tarefa de monitorizar o investimento realizado, os níveis de atendimento alcançados em função desse investimento e, consequentemente, de determinar com exactidão as necessidades de investimento futuro.

476 Ver a este propósito os artigos 40º e 41º do Regula-

mento (CE) nº 1260/99 do Conselho de 21 de Junho de 1999.

valor social, ambiental e económico da água, «os preços devem portanto assegurar a recuperação tendencial dos custos de investimento e de opera- ção dos serviços, bem como dos custos ambientais e de escassez»480. No entanto, e como se reconhe- cia em 2009, relativamente aos sistemas municipais não concessionados, na medida em que «a infor- mação de gestão que permite obter dados sobre

480 ERSAR (2009). Relatório Anual do Sector de Águas e

Resíduos em Portugal, Vol. I – Caracterização Geral do Sector. Lisboa: ERSAR, p. 71.

os vários tipos de custos incorridos especificamente com estes serviços ainda é, em muitos casos, insuficiente, facto que leva a que as tarifas sejam inexistentes em vários municípios (nos serviços de saneamento e gestão de resíduos urbanos) e, quan- do existem, não reflectem na generalidade dos ca- sos todos os custos incorridos com a prestação do serviço»481.

CAPÍTULO 4

O SANEAMENTO BÁSICO: