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Para analisar as experiências de transição agroecológica vivenciadas por agricultores familiares, tomamos como universo empírico a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu. A referida Rede foi criada no ano de 2005 após o processo de Formação de Multiplicadores em Agroecologia

promovido pelo CETRA, então, baseada em uma metodologia participativa voltada para a construção coletiva de saberes, bastante influenciada pela participação da entidade na Rede Assistência Técnica Extensão Rural do Nordeste (REDE ATER-NE). A construção do conhecimento em agroecologia constitui-se como um dos eixos estruturadores do diálogo entre o saber tradicional dos camponeses e comunidades tradicionais e o conhecimento técnico-acadêmico, sendo esta denominação bastante utilizada pelas organizações e movimentos sociais ligados ao campo agroecológico e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Tal enfoque é o resultado de um processo de experimentação iniciado ainda na década 1980, especialmente pelas organizações não governamentais, em contraponto aos pacotes tecnológicos da revolução verde difundidos pelos serviços de assistência técnica e extensão rural.

Iniciamos o estudo com uma pesquisa bibliográfica e documental. Privilegiamos os trabalhos de Wanderley (1996, 2009), Petersen e Caporal (2012), Moyano e Costabeber (2009) Altieri (2012), Guzmán (2001,2002,2006), Ploeg (2009, 2010), Schmitt (2003, 2009) Thomáz Júnior (2008), Delgado (2008, 2010), Carvalho (2004,2009, 2010) dentre outros que alinham seus trabalhos no sentido de compreender o universo da agricultura familiar camponesa e a agroecologia.

A pesquisa de campo foi realizada de maio a julho de 2012. Apresentamos a proposta da investigação no mês de abril, durante a primeira reunião da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários do Território. Esse contato com a Rede foi um reencontro, pois já havia uma convivência com muito dos agricultores e agricultoras, desde o período que atuamos na mediação junto aos processos de promoção da agroecologia e do desenvolvimento rural sustentável no território.

Com alguns agricultores e agricultoras construímos laços de amizade fruto da identidade tecidas na luta cotidiana para garantir as condições de permanecer na terra, produzindo alimentos, preservando espécies, sementes, nascentes de água. Luta para dar continuidade e, ao mesmo tempo, reinventar as tradições socioculturais que moldam a agricultura familiar camponesa nesse território.

Dessa experiência, colhemos lições e novos desafios. Por esse motivo, retornamos ao Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu para dar continuidade ao diálogo iniciado em 2004, quando do acompanhamento do processo de formação de Agentes Multiplicadores em Agroecologia, do qual muito dos agricultores que entrevistamos participaram, bem como da criação da Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários e da Feira Agroecológica. Como

parte desse processo de reaproximação, participamos em novembro de 2011 do V Encontro Territorial de Agroecologia e Socioeconômica Solidária (ETAS) organizado pelo CETRA em parceria com a Rede.

A partir das nossas questões de pesquisa e com a colaboração dos técnicos do CETRA, que acompanharam e/ou acompanham algumas das experiências, identificamos dez experiências de agricultores e agricultoras que participam da Rede e se reconhecem como praticantes de uma agricultura inspirada nos princípios da agroecologia. Constatamos que não há um número preciso de agricultores articulados a Rede. Os técnicos estimam que cerca de cem agricultores participem mais sistematicamente dessa dinâmica, estão concentrados nos municípios de Itapipoca, Trairi, Tururu, Apuiarés, Amontada e Irauçuba, contando com aqueles que fizeram os cursos de formação, os que comercializam nas feiras, os que participam dos ETAS e das reuniões trimestrais da Rede, sem contar com aqueles que estão em processo de aproximação, por contarem com o acompanhamento técnico da entidade.

Uma das preocupações iniciais da investigação envolvia a elucidação das mudanças que ocorriam na vida dos agricultores e em quais dimensões da vida essas mudanças repercutiam, e quais delas iríamos privilegiar para a análise do processo de transição agroecológica a partir do cotidiano das familiais agricultoras. Estivemos atentos aos limites que a pesquisa enfrenta, especialmente porque estamos lidando com um repertório de experiências multifacetadas, fluidas e processuais. Passamos a identificar, na própria realidade, que, tanto as mudanças, quanto os fundamentos analíticos, estavam na lógica da construção do objeto. Assim, buscamos dar visibilidade às trajetórias de vida dos agricultores, sinalizando motivações, dificuldades, formas de resistência, estratégias socioeconômicas e, sobretudo, os caminhos percorridos na luta para conquistarem maior autonomia.

Devido à especificidade de nosso objeto, optamos pela pesquisa qualitativa, justificada pelo lugar que ocupa os “significados, motivos, aspirações e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações” (MINAYO, 2000, p.22) e o uso da observação sistemática. Para a coleta de informações complementares, acompanhamos algumas atividades, tais como: reunião da Rede, visita de intercâmbio entre agricultores, feira agroecológica do município de Itapipoca. Ainda que a realidade e seus sujeitos nos fossem familiares, foi preciso estabelecer um novo espaço de diálogo para obtenção das informações necessárias à apreensão das determinações objetivas e subjetivas que incidem sob o cotidiano dos sujeitos sociais implicados em outra forma de fazer agricultura.

Realizamos entrevistas nos municípios de Itapipoca, Trairi, Tururu e Apuiares. A maior parte das entrevistas foi realizada nas unidades familiares, caminhando entre as áreas de

cultivo, criação, fontes de água utilizadas na produção e entre as inovações experimentadas e desenvolvidas pelos agricultores. Algumas das entrevistas foram também realizadas durante as feiras. Todos os agricultores entrevistados autorizaram o uso das informações repassadas, para efeito da pesquisa, bem como a sua divulgação, no sentido de colaborar com as reflexões sobre os processos de transição agroecológica e organização/gestão de uma rede sociotécnica de inovação.

A coleta de informações abrangeu fontes secundárias como os dados do Censo Agropecuário de 2006, do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatísticas (IBGE), boletins de experiências, assim como estudos, revistas especializadas entre outras.

As entrevistas foram gravadas em meio digital e posteriormente transcritas. Para a organização e análise dos dados, apoiamo-nos na lógica da trajetória dos agricultores em seus processos de inovação, ingresso e participação nas redes sociotécnicas de inovação. Na analise e seleção dos depoimentos, após exaustiva leitura, decidimos nos concentrar em cinco experiências, nas quaisos agricultores apresentavam vivência profunda sobre as questões abordadas. Na exposição, as demais experiências dialogam especialmente quando as falas são semelhantes. Aparecem quando trazem questões que ainda não haviam sido abordadas. De modo geral, as falas refletem o espírito do conjunto.

As experiências também foram registradas por meio de fotografias, além de contarmos com imagens institucionais cedidas pelo CETRA, que retratam as unidades familiares, as feiras, os encontros e as reuniões.

Ainda referente às técnicas, adotamos a observação direta entre os agricultores, especialmente durante a Feira Agroecológica de Itapipoca e encontros, bem como o uso de um diário de campo onde registramos nossas impressões e observações. As técnicas se complementaram dialeticamente entre si, ajudando-nos a confrontar os dados no sentido de diminuir as incertezas encontradas ao longo da pesquisa.