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5. As plantas das territorialidades: terreiros, quilombos e quintais

5.1. Caminhando pelas rotas culturais de plantas

5.1.1. Os terreiros de candomblé: folhas e mitos

O candomblé é conhecido como religião de culto aos orixás. Reconhece-se o candomblé como forma de manifestação cultural de matriz africana jeje, angola e nagô/ ioruba, no espaço do sagrado, sendo os terreiros de candomblé sua referência no Brasil. O pressuposto e a referência de seus rituais são as plantas, ou melhor, ―folhas‖, como se costuma denominar os vegetais usados, in natura e frescas, nos terreiros de candomblé.

Em Minas Gerais, existem candomblés de diferentes nações, sendo as principais: candomblé da nação keto, de língua ioruba ou nagô, candomblé da nação angola, de língua banto, e o candomblé jeje, de língua fon. Essas nações se diferenciam pela língua, dança, ritmos musicais, forma de tocar o atabaque e pelos próprios rituais (fundamentos) de iniciação e as mitologias. Foram entrevistados os candomblés de nação angola e keto, sendo que, do total de 15 entrevistados, 10 pertenciam à nação angola e cinco à nação keto. Apesar dessa divisão de nações, ocorrem misturas de alguns rituais, e, no caso das plantas, grande parte dos usos fitoterápicos e muitas receitas ritualísticas são comuns.

137 Organizado segundo mitos ligados à divinização da natureza, o candomblé tem como princípio o culto aos orixás, que, na nação angola de língua banto, são denominados inkisis.

Segundo Lopes (2004), o nome orixá designa cada uma das divindades iorubanas, intermediárias entre a trindade criadora, Olofim-Olodumarê-Olorum, e os seres humanos.

Essas divindades são consideradas forças da natureza ou protetoras das atividades de manutenção da comunidade e, algumas vezes, representando ancestrais divinizados, cada qualidade ou manifestação de um orixá representa uma passagem de sua vida, real ou mítica, em que determinada característica se revelou ou está associada a locais onde viveu ou por onde passou (LOPES, 2000, p. 38).

Autores como Nei Lopes (2000) e Roger Bastide (1978) afirmam que o candomblé é uma religião de matriz africana, com origem há mais de 6.000 a.C., e consiste de um conjunto de rituais e de ―folhas‖. A tradição religiosa do candomblé consagra as árvores como marco da vida temporal e, assim como todas as plantas, são mitologicamente tomadas como registro da permanência dos deuses entre os humanos (LOPES, 2007).

Assim, nos terreiros de candomblé, as folhas, as cascas dos caules, as raízes, os frutos e as sementes são largamente empregados, tanto em banhos e defumações como na organização de rituais de iniciação. Com as ―folhas‖ se cobre a esteira (eni) onde vai deitar o iniciado (Iyawo). Sobre sua cabeça depositarão as folhas para fortelecer seu Ori2.

Esses rituais são acompanhados de tratamentos fitoterápicos nos quais se utilizam ervas medicinais e litúrgicas. Nesse caso, os preparos se dão por decocções, chás, emplastos, sacudimentos, entre outros.

Importante ressaltar que o banho é o inicio e fim da maioria dos rituais do candomblé. O contato com a divindade ou o preparo de oferenda, as rezas, as festas supõem a limpeza do corpo com a água e a força do ritual que são as folhas. Um princípio fundamental da tradição nagô, que fundamenta o candomblé em língua iorubá, se resume em ―Ko si ewe Ko si orisa‖ (sem folha não existe orixá).

Na mitologia iorubana, Ossãim é o senhor das folhas: dele advém o domínio da natureza, originando um culto especial dirigido pelo babalossãim. Entretanto, embora Ossãim seja o dono de todo o reino vegetal, cada orixá tem suas plantas, denominadas folhas votivas. No terreiro, as pessoas encarregadas dos cuidados com as plantas, sua coleta e preparo, recebe o nome de yalossaim (mulheres) ou babalossaim (homens).

2 Ori: na tradição dos orixás, denominação de cabeça humana como sede do conhecimento e do espírito.

Também forma de consciência presente em toda a natureza, inclusive em animais e plantas, guiada por uma força específica que é o orixá (LOPES, 2004).

138 Os mitos associados aos orixás e vodus seguiram existindo na diáspora. Parte dessa mitologia passa a ser vivenciada em espaços diversos. Nos territórios de candomblé, o estudo da mitologia, a partir dos orixás e seus espaços, ganha importância na medida em que, através deles, podem-se referenciar questões relativas à cosmovisão africana, principalmente na sua significação de sociedade-natureza e espaço. O candomblé, através de manifestações culturais e religiosas de origem afro-brasileiras, recorre à natureza e seus orixás para demonstrar a relação homem, espaço e natureza.

Tomamos um exemplo da relação planta e mitologia dos orixás. Listamos no quadro a seguir as plantas associadas a alguns dos orixás, segundo uma das casas de candomblé pesquisada, Ilê de Oxaguian, em entrevista com o babalorixá Henrique de Oxalá. Algumas foram traduzidas para o iorubá, entretando, como uma parte dessas plantas não tinha ocorrência na África iorubana, utilizamos seu nome no Brasil, além do nome científico.

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Quadro 4

Lista de 20 plantas de maior freqüência nos terreiros de candomblé da RMBH, classificadas pelo nome comum, científico e ioruba, com os orixás associados (2009)

Nome em ioruba / jeje Nome Comum

(Nome científico) Orixás associado

TÒTÒ

Colônia (Alpinia speciosa (Will.)

Schum) Oxossi e Iemanjá EWÉ BÀBÁ EWÚRO BÀBÁ Folha de Oxalá (Plectrantus spp.) (Coleus barbatus) Oxalá EWÉ ÒWÙ Algodão

(Gossypium barbadense) Oxalá BALABÁ Lírio Branco

(Hedychium coronarium)

Iemanjá Ogum MAKASA Alfazema de caboclo

(Hyptis mollisima)

Oxalá Oxum Iemanjá EWÉ OJÚÙSÁJÚ Guiné

(Petiveria alliacea L.) Orumila Oxossi Ogum Exu ÀBÁM DÁ Saião (Kalanchoe gastonis-bonnieri) Ifa Oxalá

Xangô, todos os orixás R YÌNBÓ Manga

(Mangifera indica L.)

Ogum Iroko ERÉ TUNTÚN Alevante

(Mentha citrata L.) Oxun Iemanjá — Poejo (Mentha pulegium L.) Oxum Ibeije ỘGỆDỆ EWÉ EKỘ Banana (Musa spp.)

Iroko, Oxalá, Oxum,Logun Edé, Oxumaré AKÒKO AKòko (Newbouldia laevis) Ossaim Ogum EFÍNFÍN Alfavaca (Ocimum basilicum L.) Iemanjá Oxum EFÍRÍN Manjericão (Ocimum canum) Iemanjá Oxum ERÉ TUNTUN Alevante

(Ocimum spp.)

Oxum Iemanjá

EWERÉ Alecrim

(Rosmarinus officinalis L.) — — (Siparuna guayanensis Aubl.) Folha santa Xangô Etaba

ASÀ

Fumo

(Solanum spp.) Oxalá Irókò Figueira

(Ficus spp.) Iróko, oxalá e exu EWÉ KÓKÒ Patioba (Xanthosoma sagittifolium (L.) Schott) Oxossi, Iemanjá Logun Edé

140 Assim, é possivel verificar que cada orixá tem um conjunto de plantas que possibilita a aproximação dos humanos com essas divindades. Entretanto, ressalta-se que a relação folha/orixá, descrita por Barros e Napoleão (2007), está organizada segundo categorias ou compartimentos ligados aos elementos: folhas do ar (vento) = ewé

afééfé; folhas de fogo = ewê inỘn; folhas de água = ewé omi, folhas da terra e floresta = ewé ilê ou ewé igbó. Esses quatros compartimentos-base definem o panteão nagô e jeje

dos orixás e plantas.

Cada orixá, por sua vez, possui uma característica que é transmitida ao filho-de- santo, o que possibilita identificar, através do arquétipo humano, os pais míticos, pois cada indivíduo será ―descendente‖, filho de um òrişà3, e, por conseguinte, o orixá terá

suas folhas, cores, comidas e restrições. O orixá será, assim, o ―pai‖ do indivíduo (Baba

mi) ou sua ―mãe‖ (Iyá mi), de cuja matéria simbólica — água, terra, árvore, fogo, ar — ele será um pedaço (BARROS; NAPOLEÃO, 2007).

Os terreiros, para Lopes (2004, p. 646) compreendem ―uma forma de designação genérica do espaço físico onde se sediam as comunidades religiosas afro-brasileiras. Nesta definição os terreiros aportam os rituais tanto de candomblé como de umbanda‖. O terreiro também é descrito por diversos autores como o templo. ―Onde é praticado o culto aos orixás ou dos eguns. O termo designa, ao mesmo tempo, o lugar, o sítio geográfico, o santuário e a comunidade ligada a este último‖ (LEPINE, 2004, p. 76).

Bastide (2001) toma a geografia do sagrado para entender o terreiro como a síntese de parte da África no Brasil, em termos ritualísticos e espaciais. O tráfico de escravos obrigou etnias diferentes a se assentarem em um mesmo local. Segundo Verger (2000), o tráfico retirava populações de todas as origens e de todas as ―nações‖ e enviava seus navios com povos originários desde Cabo Verde, na costa ocidental, até Moçambique, na costa oriental. Ainda de acordo com Verger (2000), tudo os separava: a língua, os costumes e, algumas vezes, a cultura, que, para alguns, eram inimigas umas das outras. Outras vezes, a condição de exclusão e de ausência de direitos os unia, promovendo novos espaços de solidariedade e resistência.

O candomblé é o nome dado na Bahia às cerimônias africanas. Ele representa, para os seus adeptos, as tradições dos antepassados vindos de um país distante, fora de alcance e quase fabuloso. Trata-se de tradições, mantidas com tenacidade, e que lhes deram a força de continuar sendo eles mesmos, apesar dos preconceitos e do desprezo de que eram objeto suas religiões, além da obrigação de adotar a religião de seus senhores (VERGER, 2000, p. 24).

141 O culto aos orixás representava na África Ocidental um conjunto de rituais, de diferentes etnias, ligados a bacias hidrográficas diversas, nos quais cada divindade representava o nome de um rio. Assim, tem-se o rio Oxum, onde era cultuada a divindade Oxum, o rio Oxossi, que daria este nome à divindade etc. De forma genérica, essas liturgias diferenciadas estavam distribuídas por toda a região do Golfo da Guiné (BASTIDE, 1992).

Em síntese, apesar da migração, a essência e os princípios norteadores seguiram esses povos e seus descendentes. Entre os princípios que encontramos na cultura negro-africana das plantas está o da interação entre a natureza e o homem, mediados pelas relações mitológicas.