• Nenhum resultado encontrado

1.3 OS TERRITÓRIOS MATERIAIS/IMATERIAIS E A QUESTÃO AGRÁRIA

No documento PARADIGMAS EM DISPUTA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (páginas 99-122)

CONHECIMENTO CIENTÍFICO

1.3 OS TERRITÓRIOS MATERIAIS/IMATERIAIS E A QUESTÃO AGRÁRIA

A relação entre a materialidade e a imaterialidade do conhecimento está embasada em Karl Marx e Friedrich Engels (1984) que afirmam que a essência do processo de construção do pensamento são as relações materiais. Isso porque para a dialética materialista, as nossas idéias são reflexos da nossa realidade objetiva, ou seja, a produção da consciência humana está, estreitamente, relacionada com a produção material da vida. Isto é, com as nossas experiências vividas/vivenciadas na realidade ao nos relacionamos com o território/territorialidades que vivemos. A consciência, a produção das ideias, o pensamento,

Paradigmas em Disputa na Educação do Campo

97 as representações simbólicas etc. todos esses elementos imateriais estão diretamente ligados, a princípio, com a realidade material nas quais os seres humanos interagem.

A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material. [...]. (MARX; ENGELS, 1984, p.36).

Na perspectiva da dialética materialista,a matéria e o pensamento não são elementos isolados, sem ligações, eles fazem parte de unidade indivisível, de modo de que a forma das idéias é tão concreta quanto a forma da natureza. (GADOTTI, 2000, p. 22). De acordo com Leonardo Boff: ―a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam‖. (1998, p. 2). Deste modo, a construção do pensamento está relacionada, diretamente, com as nossas ações materiais. Isto quer dizer que:

[...] Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. (1998, p. 2, grifo nosso).

Corroborando neste sentido, Antonio Carlos Robert Moraes, diz que a produção espacial não se faz separadamente da visão de mundo inerente aos sujeitos que o produziu, ou seja, a materialidade do espaço está intrinsecamente relacionada com os territórios imateriais. Os sujeitos são movidos e/ou condicionados pelas sua intencionalidades: projetos, necessidades, interesses, desejos, utopias etc.

Esta produção social do espaço material, esta valorização objetiva da superfície da Terra, esta agregação de trabalho ao solo, passa inapelavelmente pelas representações que os homens estabelecem acerca do seu espaço. Não há humanização do planeta sem uma apropriação intelectual dos lugares, sem uma elaboração mensal dos dados da paisagem, enfim, sem uma valorização objetiva do espaço. As formas espaciais são produtos de intervenções teológicas, materializações de projetos elaborados por sujeitos históricos e sociais. por trás dos padrões espaciais, das formas criadas, dos usos do solo, das repartições e distribuições, dos arranjos locacionais, estão concepções, valores, interesses, mentalidades, visões de mundo. Enfim, todo o complexo universo da cultura, da política, e das ideologias . (2005, p. 15, grifo nosso).

Paradigmas em Disputa na Educação do Campo

98 No processo de construção do conhecimento científico temos diferentes interpretações da realidade que formam conceitos, teorias, categorias, paradigmas, métodos, ideologias, etc., elementos que compõem a formação do pensamento científico. Essas diferentes leituras da realidade disputam a hegemonia do processo de avanço do conhecimento científico. Devido a essa disputa construída a partir da pluralidade de concepções existentes, podemos denominar esse conjunto de elementos que formam o conhecimento científico de territórios imateriais (FERNANDES, 2009).

O território é marcado pelas relações de poder e pelas correlações de forças que estão implícitas e explícitas nas relações sociais. O conceito de território carrega no seu interior noções como o poder, a ideologia, a disputa e o conflito. Sendo que existe uma relação dialética entre os territórios materiais e os territórios imateriais, tendo em vista que na medida em que os territórios imateriais influenciam nas mudanças sociais, na formação das leis, nas políticas públicas, na direção da economia etc. estes influenciam na formação de territórios materiais e na mesma medida, dialeticamente, o processo de construção/desconstrução/reconstrução de territórios materiais influenciam na construção/desconstrução/reconstrução de territórios imateriais.

Para superar a compreensão do território como uno, singular, discutimos diferentes formas do território, como pluralidade. Temos territórios materiais e imateriais: os materiais são formados no espaço físico e os imateriais no espaço social a partir das relações sociais por meio de pensamentos, conceitos, teorias e ideologias. Territórios materiais e imateriais são indissociáveis, porque um não existe sem o outro e estão vinculados pela intencionalidade. A construção do território material é resultado de uma relação de poder que é sustentada pelo território imaterial como conhecimento, teoria e ou ideologia. [...]. (FERNANDES, 2008, p. 8, grifo nosso).

Com relação, especificamente, à questão agrária, as teorias, as manifestações, as ocupações, as políticas públicas, as diferentes experiências de Educação do Campo, os agrishows, entre outros instrumentos dos movimentos socioterritoriais, das organizações patronais e do Estado, territorializam os seus objetivos diariamente e, assim, criam e recriam territórios imateriais, através do aparato simbólico, que, por sua vez, irão influenciar na consolidação/manutenção ou rompimento de uma determinada lógica nos territórios materiais (CAMACHO; CUBAS; GONÇALVES, 2010).

Para que o território imaterial exista é inerente à existência do território material como uma base, pois o imaterial não existe por si só, mas por uma complexidade de eventos, fatos e situações que formam o território como parte do espaço de atuação do homem, onde se

Paradigmas em Disputa na Educação do Campo

99 encontram as suas complexidades/contradições/conflitualidades (CAMACHO; CUBAS; GONÇALVES, 2010). Os territórios materiais/imateriais são sempre espaços de lutas nas esferas: teórica, política, econômica, social, cultural, ideológica, etc. Por isso, consideramos o mesmo em sua multidimensionalidade. Assim, o território é alvo de disputa tanto nos campos materiais como nos imateriais. Isso confirma a existência dos conflitos entre os pressupostos, teórico, político e ideológico, inerentes aos conceitos presentes no Paradigma da Questão Agrária e no Paradigma do Capitalismo Agrário27. Conceitos esses que refletem no que entendemos sobre a Educação do Campo, a questão agrária, o campesinato, o modo de produção capitalista, os movimentos socioterritoriais, o Estado, etc. (CAMACHO; CUBAS; GONÇALVES, 2010).

Estes embates nascem da busca de relacionarmos a teoria com a realidade. É esta busca constante que criam os paradigmas, com suas teorias, métodos, metodologias, ideologias, orientações políticas, intencionalidades, utopias etc., constituindo-se em formas distintas de explicação da realidade. São estas diferentes interpretações que geram as disputas na criação e destruição dos movimentos sociais, das políticas públicas, das pesquisas acadêmicas, etc. A ausência dessa disputa entre os paradigmas não permite o avanço do conhecimento científico, que necessita do diálogo e da refutação entre diferentes grupos de pesquisadores que são filiados a paradigmas análogos ou divergentes.

[...] Este questionamento nasceu na reflexão sobre a teoria e a realidade, que fertilizam os paradigmas e movimentam os métodos e as metodologias nas interpretações possíveis das realidades. Evidente que esses pensamentos e procedimentos geram conflitualidades na criação ou na destruição de políticas públicas, na elaboração de uma tese e no debate em uma mesa redonda. A conflitualidade acadêmica é salutar e não pode ser impedida pela ausência de debates entre os grupos de pesquisadores que possuem diferentes paradigmas para ler as mesmas realidades. (FERNANDES, 2009, p. 22, grifo nosso).

Ao tomarmos estas ideias como referência, entendemosque as disputas territoriais (material/imaterial) engendradas na sociedade capitalista são por ideias, paradigmas, projetos,modelos de desenvolvimento, políticas públicas,terra e territórios, em todas as suas dimensões: a educação, a cultura, a agroecologia, a produção de alimentos, a produção de energia, o controle da produção, distribuição, circulação e consumo da produção alimentar e energética. Estamos afirmando que são disputas por modelos distintos de sociedade e de

Paradigmas em Disputa na Educação do Campo

100 campoque produzem territórios diferentes e vão engendrar paradigmas distintos de interpretação da realidade e vice-versa. Na construção dos paradigmas, existe uma disputa entre o campesinato e o agronegócio por conceitos distintos, a partir de lógicas/racionalidades antagônicas. Este debate é fundamental para a nossa pesquisa, que tem como temática principal a disputa por modelos distintos de Educação do Campo, na medida em que diferentes paradigmas ou territórios imateriais influenciam na elaboração de distintas políticas públicas referentes às leis trabalhistas, à reforma agrária, à Educação do Campo etc. Neste contexto, temos a intenção, ao longo da tese, de analisar as diferenças teóricas, políticas e ideológicas entre o Paradigma da Questão Agrária e o Paradigma do Capitalismo Agrárioe suas implicações na elaboração de modelos distintos de Educação do Campo.

1.4 – OS PARADIGMAS: A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO EM

DISPUTA

Dentre as dimensões do conhecimento científico, que estamos denominando de territórios imateriais, vamos priorizar o conceito de paradigma para a nossa análise. Sendo que vamos utilizar, principalmente, como referenciais teóricos: o livro A Estrutura das

Revoluções Científicas (publicada em 1962) de Tomas Samuel Kuhn (1994) e as discussões

desenvolvidas por Bernardo Mançano Fernandes (2004); Munir Jorge Felício (2010); Janaina Francisca de Souza Campos e Bernardo Mançano Fernandes (2011) e Boaventura de Souza Santos (1988).

De acordo com Janaina Francisca de Souza Campos e Bernardo Mançano Fernandes (2011), o conceito de paradigma pode ser entendido em dois momentos diferentes: o primeiro momento é a concepção clássica e o segundo momento é a concepção contemporânea. A concepção clássica se originou na Grécia com a denominação de paradigma, a partir de Platão, tendo como significado: ―Teoria das Idéias‖, ou seja, seria um modelo que agruparia um conjunto de idéias. O segundo momento é a construção teórica a partir do qual vamos trabalhar que é a concepção contemporânea reconstruída por Thomas Samuel Kuhn em seu trabalho intitulado: A Estrutura das Revoluções Científicas(ERC) de 1962. O conceito de paradigma nesta obra ganha diversos e dispersos significados. Devido à extensão dos significados implícitos em sua reflexão, houve uma proliferação do seu uso em diversos campos do conhecimento.

Paradigmas em Disputa na Educação do Campo

101 O conceito de paradigma para Thomas Samuel Kuhn está relacionado com o reconhecimento universal de determinadas elaborações de teorias científicas engendradas com a finalidade de discutir problemas e apontar soluções para as questões levantadas na comunidade científica. Assim, Thomas Samuel Kuhn definiu o conceito de paradigma como ―[...] as realizações científicas universalmente reconhecidasque, durante algum tempo,fornecem problemas e soluções modelares para umacomunidade de praticantes de uma ciência [...]‖. (1994, p. 13, grifo nosso).Engendrando uma sólida rede de compromissos ou adesões conceituais, teóricas, metodológicas e instrumentais (KUHN, 1994).

Compreendendo o conhecimento científico como sendo um processo sempre inacabado, este é movido pelas revoluções científicas, ou seja, as rupturas e superações de teorias que já eram consideradas como consolidadas. Estas elaborações teóricas que se consolidam ao derrubarem outras anteriores podem ser consideradas como tendo o status de paradigma. Isto quer dizer que no processo de construção do conhecimento se elaboram teorias, estas teorias sofrem rupturas e superações. A este processo Tomas Kuhn chamou de

revoluções científicas (FERNANDES, 2004).As revoluções científicas são movidas pelas crises, pois são elas que possibilitam o surgimento de novas teorias científicas. Mas este

processo de destruição de uma teoria que já está consolidada enquanto paradigma só é possível de acontecer se houver a substituição por outro paradigma que demonstre a invalidade do anterior. Esse processo só se efetiva quando os dois paradigmas são colocados em disputa e se decide por assumir um desses como sendo o mais viável.

[...] as crises são uma pré-condição necessária para a emergência de novas teorias [...]: uma teoria científica, após ter atingido o status de paradigma, somente é considerada inválida quando existe uma alternativa disponível para substituí-la. [...]. Decidir rejeitar um paradigma é sempre decidir simultaneamente aceitar outro e o juízo que conduz a essa decisão envolvem a comparação de ambos os paradigmas com a natureza, bem como sua comparação mútua. (KUHN, 1994, p. 107-108, grifo nosso). As crises são momentos de importante reflexão filosófica para resolver questões novas que aparecem em cada área do conhecimento científico. Nestas crises, os pesquisadores não têm mais um modelo de paradigma para recorrer, como nos períodos considerados de normalidade, e acabam tendo que buscar novas explicações para superar a crise. A busca de novas explicações nesta fase extraordinária leva a criação de novos paradigmas.

[...] Creio que é, sobretudo, nos períodos de crises reconhecidas que os cientistas se voltam para a análise filosófica como um meio para resolver as charadas de sua área de estudos. Em geral os cientistas não precisaram

Paradigmas em Disputa na Educação do Campo

102 ou mesmo desejaram ser filósofos. Na verdade, a ciência normal usualmente mantém a filosofia criadora ao alcance da mão e provavelmente faz isso por boas razões. Na medida em que o trabalho de pesquisa normal pode ser conduzido utilizando-se do paradigma como modelo28, as regras e pressupostos não precisam ser explicados [...]. (KUHN, 1994, p. 119, grifo nosso).

Nessa perspectiva de crises do conhecimento científico, segundo Boaventura de Souza Santos (1988) estamos em um período de transição e de crise de paradigmas na

ciência, sendo que esta crise não é só profunda, como é irreversível. Afirma que os teóricos

que estabeleceram as bases para o conhecimento científico atual viveram do século XVII até o começo do século XX. Ou seja, com relação ao conhecimento científico, vivemos ainda no século XIX. Portanto, vivemos em um período de complexa transição. Por isso, o autor considera que temos um paradigma emergente que busca romper com o paradigma

dominante baseado nas dicotomias construídas pelo pensamento moderno europeu: natureza e

cultura; sujeito e objeto; matéria e espírito; corpo e mente; razão e emoção; indivíduo e sociedade; ser e pensamento. Sendo assim, para o autor, ―[...] estamos no fim, de um ciclo de hegemonia, de uma certa ordem científica. [...]‖. (SANTOS, B., 1988, p.9).

Thomas Samuel Kuhn afirma que a ciência se move a partir da dinâmica de construção/destruição/reconstrução de paradigmas. Em suas palavras: ―uma vez encontrado um primeiro paradigma [...] já não se pode mais falar em pesquisa sem qualquer paradigma.

Rejeitar um paradigma sem simultaneamente substituí-lo por outro é rejeitar a própria

ciência [...]‖. (1994, p. 109, grifo nosso). Pois, ―[...] nenhuma experiência pode ser concebida

sem o apoio de alguma espécie de teoria. [...]‖ (1994, p. 119).

Janaina Francisca de Souza Campos e Bernardo Mançano Fernandes (2011) explicam que, de acordo com a leitura de Thomas Samuel Kuhn, a atividade científica se desenvolve sempre conduzida infinitamente pelos paradigmas. Ele explica que este processo ocorre em duas fases consecutivas que ele denominou de ciência normale ciência

extraordinária. A primeira fase, ciência normal, é a fase da estabilidade e consolidação

paradigmática, é a fase que sucede a superação de uma crise e antecede o surgimento de outro paradigma. Este paradigma permanece estável enquanto estiver resolvendo os problemas que a realidade lhe coloca, os quebra-cabeças.

Entretanto, quando a realidade mostra fenômenos que não podem ser explicados por estes paradigmas, temos uma nova crise, e a dinâmica da realidade traz a necessidade de

28 Vamos fazer a crítica mais adiante ao sentido de paradigma como modelo, tendo em vista que nas ciências

Paradigmas em Disputa na Educação do Campo

103 superação desse paradigma vigente, tendo em vista a necessidade de construção de um novo paradigma que consiga melhor explicar as contradições da realidade. Estes novos desafios é que o autor denomina de anomalia, que dá origem a crise. Através desta, a estabilidade cessa e um processo revolucionário dá início ao denominado por ele de ciência extraordinária, ou seja, fase de transição entre a superação de um paradigma antigo e a emergência de outro novo. Com a emergência de outro paradigma que se torna dominante é quando se conclui o final da revolução científica. A estabilidade surge quando a disputa paradigmática é concluída, provisoriamente, entrando em estágio de ciência normal até a próxima crise.

Thomas Samuel Kuhn construiu seu pensamento tendo como base as ciências naturais, com ênfase, na Física e na Química. O autor entende o processo de construção do conhecimento como um processo dinâmico, marcado por crises e superações, por descontinuidades e rupturas, na qual, denominou esse processo de revoluções científicas. Este modelo de desenvolvimento da ciência proposto por Thomas Samuel Kuhn transcende os limites da lógica positivista, não se restringindo apenas à observação dos fenômenos e aos critérios embasados na lógica e na refutação defendidos por Popper. Enxerga a ciência como sendo algo inerente as práticas socialmente construídas envolvendo disputas, crises e

rupturas (CAMPOS; FERNANDES, 2011).

Sua obra teve influência de Ludwik Fleck, autor da obra intitulada Genesis and

Development of a Scientific Fact(Gênese e Desenvolvimento de um Fato

Científico)publicada em 1935. Esta obra permitiu que Thomas Samuel Kuhn assumisse uma posição crítica em relação ao empirismo lógico. Ludwik Fleck entende que o conhecimento científico não é portador da verdade absoluta e, por isso, é passível de questionamentos (CAMPOS; FERNANDES, 2011).

Todavia, é necessário entendermos quais são os limites presentes no modelo explicativo de desenvolvimento de ciência proposto por Thomas Samuel Kuhn, principalmente, quanto a sua aplicação no âmbito das ciências humanas. Mesmo que o conhecimento científico seja entendido pelo autor como sendo uma prática em mutação, sua proposta pode ser considerada ainda como sendo etapista, pois se trata de um modelo rígido composto por início, meio e fim pré-determinados. Assim, dentro da ciência normal, não há espaço para a co-existência de mais de um modelo interpretativo para a realidade, ou seja, de mais de um paradigma vigente, pois a concorrência paradigmática só existe no momento da crise, antes da revolução (CAMPOS; FERNANDES, 2011). É como se um paradigma reinasse absoluto até a próxima crise, sem conflitos, divergências, contradições etc. Assim, a

Paradigmas em Disputa na Educação do Campo

104 regra, a fase denormalidade, seria a permanência/estabilidade/homogeneidade e a exceção, a

fase extraordinária, seria então, a descontinuidade/heterogeneidade. Pois, esta fase seria

marcada por uma anomalia.Sendo assim, não há possibilidade de permanência do velho após a consolidação do novo, pois quando pesquisadores produzem―[...] uma síntese capaz de atrair a maioria dos praticantes deciência da geração seguinte, as escolas mais antigas começam a

desaparecer gradualmente”.(KUHN, 1994, p. 39, grifo nosso). Mas, para aqueles que

ousarem permanecerem com as concepções dos paradigmas antigos, ―são excluídos da

profissão e seus trabalhos ignorados”(KUHN, 1994).

Outro ponto divergente, diz respeito ao fato de que para Thomas Samuel Kuhn as mudanças radicais, rupturas, que ocorrem no decorrer do processo do avanço científico (revoluções científicas) impossibilitam o diálogo entre velhos e novos paradigmas. Fenômeno denominado por ele de incomensurabilidade das tradiçõescientíficas(CAMPOS; FERNANDES, 2011). Como a concepção kuhniana é baseada em rupturas totais, este modelo de interpretação da construção conhecimento científico não permite a existência simultânea e/ou interdependente entre paradigmas divergentes. Bem como, é extinta a possibilidade de continuidade de um paradigma a partir da aparição de outros novos paradigmas.Para ilustrar o desenvolvimento científico, segundo a concepção kuhniana, enfatizando a idéia da incomensurabilidade das tradições, vamos utilizar o esquema organizado por Janaina Francisca de Souza Campos (2011), que é uma adaptação do livro A Estrutura das

Revoluções Científicas de Thomas Samuel Kuhn (1994). Vejamos a Figura 01:

Figura 1 - O Desenvolvimento Científico de acordo com Kuhn Fonte: CAMPOS, J. S.; FERNANDES, B. M. (2011)

Boaventura de Souza Santos (1988) faz uma crítica a esse modelo kuhniano de paradigma, tendo em vista que a partir desse modelo somente as ciências naturais poderiam ser consideradas ciências consolidadas, pois teriam já estabelecido um conjunto de princípios e de teorias que são aceitos em discussão por toda a comunidade científica. Esse conjunto de

Paradigmas em Disputa na Educação do Campo

105 princípios e de teorias é o que Thomas Samuel Kuhn denomina de paradigma. Todavia, afirma que nas ciências humanas não existe um consenso paradigmático, por isso, estas seriam ciências atrasadas dado seu caráter pré-paradigmático. A respeito da especificidade das ciências humanas Thomas Samuel Kuhn escreve o seguinte: ―permanece em aberto a

No documento PARADIGMAS EM DISPUTA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (páginas 99-122)