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EM QUESTÃO: A TESE DO FIM DO CAMPESINATO

No documento PARADIGMAS EM DISPUTA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (páginas 132-154)

CAPÍTULO II O PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA: AS DIFERENTES TENDÊNCIAS DO MARXISMO DIFERENTES TENDÊNCIAS DO MARXISMO

EM QUESTÃO: A TESE DO FIM DO CAMPESINATO

“a grande produção capitalista agrícola passará sobre a pequena exploração como uma estrada de ferro esmaga um carrinho de mão .... É o

sentido do desenvolvimento econômico inevitável”.

Friedrich Engels (1894)40.

Em nossa tradição de esquerda, que é muito frágil, difundi-se a suposição equivocada, e nem um pouco marxista, de que só o operário faz a História e de que a fábrica é o cenário privilegiado da ação operária e da revolução. A consciência verdadeira seria, assim, a consciência operária, Isso è relativamente verdadeiro só em termo filosóficos. [...] Mas o próprio Marx já havia demonstrado, cientificamente, que há uma enorme distância entre o sujeito filosófico e o sujeito da revolução. Por quê? entre um e outro se interpõem as mediações [...]. (MARTINS, 2000, p. 159, grifo nosso).

Segundo Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel González de Molina (2005) a tendência proletarista de interpretação da questão agrária no interior do marxismo pode ser denominada de marxismo ortodoxo agrário. Para entendermos o marxismo ortodoxo agrário se faz necessário entender o que significa o marxismo ortodoxo41. De acordo com Georg Lukács, o marxismo ortodxo não é sinônimo de fé religiosa, mas sim, a certeza absoluta de que o método marxista é o correto e, portanto, qualquer tentativa de sua superação numa perspectiva que contradiga seus fundadores, tende a transformá-lo em eclético, o que levaria a sua banalização.

Omarxismo ortodoxo não significa, pois, umaadesão sem crítica dos resultados da pesquisa de Marx, não significa uma ―fé‖ numa ou noutra tese, nem a exegese de um livro ―sagrado‖. Emmatéria de marxismo, a ortodoxia se refere, pelo contrário, e exclusivamente, ao método. Implicaa convicção científica de que, com o marxismo dialético, se encontrou o método de investigação justo, de que este método só pode ser desenvolvido, aperfeiçoado, aprofundado no sentido dos seus fundadores; mas que todas as tentativas para o superar ou ―melhorar‖ levaramapenas à sua banalização, a fazer dele um ecletismo – e tinham necessariamente que levar ai. (1974, p. 15-16, grifo do autor).

40 (apud AMIN; VERGOPOULOS, 1977, p. 139-140, grifo do autor).

41 A definição de ortodoxo de acordo com o dicionário da língua portuguesa Aurélio é ―Absoluta conformidade

com um princípio ou doutrina‖. Ou mesmo de maneira pejorativa pode ser traduzido como: ―Intransigência em relação a tudo quanto é novo; não aceitação de novos princípios ou ideias‖.

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130 O marxismo ortodoxo é uma denominação para referenciar um conjunto de teses construídas a partir do pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels. Tem como marco cronológico de início dessa vertente marxista a segunda Internacional em 1889 e a obra Anti-

During, de Friedrich Engels. O marxismo ortodoxo tem como princípio fundamental a tese

fundada por Georgi Valentinovich Plekhanov de que o marxismo compreendia a uma visão

total do mundo(GUZMÁN; MOLINA, 2005).São dessas fontes que Karl Kautsky se apropria

para construir o seu pensamento. A partir dessa tendência sobressai-se no pensamento marxista as teses economicistas que interpretavam o desenvolvimento histórico do capitalismo de maneira linear, unilateral e homogênea. Ao invés da concepção de movimento, contradição e heterogeneidade do processo histórico inerente à realidade. Em outras palavras:

A história do marxismo revelou que a social-democracia desde a II Internacional (1889), em especial a partir dos escritos de Kautsky e Lênin, operou um reducionismo econômico do pensamento marxista em relação à compreensão do desenvolvimento do capitalismo no campo. Isso significa dizer que prosperou entre os marxistas a tese da homogeneização/unilateralidade das relações capitalistas e, portanto, das formas sociais materializadas na tendência inexorável à concentração de propriedade. (ALMEIDA; PAULINO, 2010, p.21, grifo nosso).

É importante salientar que Marx sempre rejeitou em vida a hipótese de seu trabalho se constituir em um sistema teórico que pudesse corresponder a uma visão total do mundo. Outra ressalva é para o fato de que o marxismo ortodoxo não é sinônimo de marxismo- leninista, ainda que o mesmo seja um dos fundadores do marxismo ortodoxo agrário. Vladimir Hich Ulianov Lênin possuía uma concepção dialética sobre seu pensamento, aceitando assim a sua superação. Por outro lado, com Joseph Stálin essa doutrina da visão do mundo se transforma em dogma. Neste período, o marxismo se converteu na doutrina oficial do Estado e do partido. Sendo obrigatório a todos os cidadãos soviéticos. Se espalhando assim, à ciência e à arte (GUZMÁN; MOLINA, 2005).

O marxismo ortodoxo tem como traços teóricos principais: ―[...] 1.incompreensão do contexto teórico de O Capital; 2.interpretação errônea do último Marx por parte de Engels; 3.unilateralidade do processo histórico; e 4.consideração da agricultura como um ramo da

indústria”. (GUZMÁN; MOLINA, 2005, p. 40, grifo nosso).A primeira incompreensão da

interpretação do capital se explica pelo fato de ter havido ―[...] uma generalização a todo o mundo das apreciações que Marx havia obtido por uma evidência empírica européia, centrada no primeiro país industrializado, Inglaterra‖. (GUZMÁN; MOLINA, 2005, p. 41). Faltou,

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131 assim, a construção da contextualização espaço-temporal de sua principal obra, ―O Capital‖.O segundo equívoco cometido pelo marxismo ortodoxo diz respeito ao não reconhecimento da mudança sofrida no pensamento de Karl Marx nos últimos dez anos. Houve uma influência do narodnismo em seu pensamento e o mesmo começa a analisar o papel do campesinato no processo histórico (SHANIN apud GUZMÁN; MOLINA, 2005). O terceiro erro diz respeito ao desconhecimento da metodologia utilizada por Marx para explicar a sequência de modos de produção (comunal, escravista, feudal e capitalista). Apesar de Marx utilizá-los apenas enquanto modelos, o mesmo foi elevado à categoria de lei universal. Explicada como uma sequência única, inexorável, compartimentada de modos de produção. Inclusive este erro foi cometido pelo seu principal interlocutor Friedrich Engels. A concepção do desenvolvimento histórico como se fosse unilinear está entre os principais equívocos da interpretação do pensamento de Marx por parte dos marxistas ortodoxos. Isto quer dizer que para os mesmos a sucessão dos modos de produção era um processo irremediável através do qual todas as sociedades deveriam passar. Transformando os modelos explicativos de Marx em uma teoria geral(GUZMÁN; MOLINA, 2005). O quarto equívoco diz respeito à afirmação pelos marxistas ortodoxos de que a agricultura se transformou num ramo da indústria tendo em vista que o avanço das técnicas havia permitido ao ser humano o domínio da natureza. Esta interpretação equivocada ocorreu pelo fato de que os mesmos não souberam interpretar de maneira adequada a metodologia que Max utilizou para explicar a relação da agricultura com a indústria em ―O Capital‖. Em outras palavras, os pensadores desta vertente não entenderam que o ―[...] ‗método regressivo‘ pelo qual Marx investiga a realidade, a agricultura industrializada é uma ferramenta heurística para esclarecer os mecanismos de evolução do manejo dos recursos naturais até a agricultura industrializada‖. (GUZMÁN; MOLINA, 2005, p. 44, grifo nosso).

A partir dessas premissas se constitui o marxismo ortodoxo agrário. Este esquema teórico interpreta a evolução da estrutura agrária historicamente a partir de 05 características principais: a evolução unilinear, a sequência histórica, a dissolução do campesinato, a

superioridade da grande empresa agrícola e a contraposição entre a grande e a pequena exploração.A evolução unilinear significa que a agricultura segue as determinações das

diferentes formas de explorações vigentes na sucessão dos modos de produção. Sendo assim, haveria irremediavelmente a expansão do trabalho assalariado no campo no capitalismo em todos os lugares e em todas as atividades. Respeitando-se a sequência histórica, no capitalismo não é possível existir outras formas de reprodução distintas das formas

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132 capitalistas dominantes, pois a consequência da consolidação de um modo de produção é a eliminação dos resquícios deixados da fase anterior. Com base nesta asseveração, a

dissolução do campesinato se transforma em algo inevitável. Pois, o campesinato se enquadra

em uma relação social característica de modos de produção anteriores ao mesmo. Assim, devido à necessidade de expansão do capitalismo industrial que tende a concentrar e centralizar, o campesinato será eliminado por não conseguir incorporar o progresso técnico necessário para competir com os grandes estabelecimentos. A incorporação desse progresso técnico por parte da grande empresa agrícola permite sua adaptação ao modo de produção capitalista, onde a agricultura passa a atuar como uma parte da indústria. No entanto, os pequenos estabelecimentos não conseguem sofrer este salto qualitativo. Por este motivo existe uma superioridade da grande empresa agrícola (GUZMÁN; MOLINA, 2005).Nesta

contraposição existente entre os grandes e pequenos agricultores ocorrerá a proletarização

do campesinato. Dito de outra maneira, na ―[...]contraposição entre a grande e a pequena

exploração:[...] a dinâmica do capitalismo gera uma confrontação entre o campesinato e o

latifúndio, que tem como desenlace a proletarização do campesinato e a polarização social no campo‖. (GUZMÁN; MOLINA, 2005, p. 51, grifo do autor).

Os adeptos da vertente do marxismo ortodoxo atribuem a Karl Kautsky e Vladimir I.

Lênin a formulação teórica acerca das transformações que se produz na agricultura devido ao

desenvolvimento do capitalismo no campo. Todavia, é necessário mencionar que suas formulações teóricas têm como base as interpretações marxistas de Georgi Valentinovich Plekhanov, entre outros intelectuais revolucionários que se afastaram do narodnismo. O lema desses intelectuais era o de que “para alcançar o céu do socialismo torna-se inelutável

descer ao inferno do capitalismo”. Os mesmos acreditavam que esta era uma interpretação

feita por Karl Marx e que estava no tomo I de ―O Capital‖.Todavia, Karl Marx nunca teve a intenção de transformar sua análise do processo histórico europeu em uma teoria geral. Estas análises do marxismo ortodoxo rompem com as concepções anarquistas do apoio mútuo, e põe o avanço das forças produtivas como lócus central da luta de classes. Devido à certeza da proletarização inevitável do campesinato, a classe revolucionária somente poderia ser o proletariado, pois somente o mesmo vivenciava a exploração do trabalho (GUZMÁN; MOLINA, 2005).O cerne principal do marxismo ortodoxo agrário está no fato de que em sua concepção o campesinato representa um resíduo retrógado condenado irremediavelmente ao desaparecimento. Não é possível haver resistência mediante os condicionantes estruturais presentes no desenvolvimento das forças produtivas.

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133 Concretamente, a questão agrária no marxismo ortodoxo atribui um sentido histórico e alguns condicionamentos estruturais ao desenvolvimento do capitalismo de tal forma que o campesinato se converte em resíduo anacrônico condenado inelutavelmente a desaparecer ante o inexorável desenvolvimento das forças produtivas. [...]. (GUZMÁN; MOLINA, 2005, p. 52, grifo nosso).

Com base nos pressupostos do marxismo ortodoxo, a partir da análise das obras seminais da questão agrária escritas por Karl Kautsky e por Vladimir I. Lênin,se pode dizer que estas teses opõem-se a nossa perspectiva campesinista que defende a recriação do campesinato a partir da luta ou mesmo das contradições do próprio modo de produção capitalista. Estas teses marcam, portanto, a vertente proletarista do Paradigma da Questão Agrária que pregam o fim do campesinato via proletarização ou aburguesamento e a superioridade do proletariado enquanto classe revolucionária. Para estes autores, assim como os seguidores dessa corrente leninista-kautskyana, o campesinato era uma anomalia que seria extinta pelo avanço das forças produtivas. Em outras palavras:

[...] para os marxistas, em especial Kautsky e Lênin, representantes da ortodoxia agrária, que se debruçaram no estudo do modo capitalista de produção, tanto a renda fundiária como a classe camponesa eram anomalias em vias de liquidação pelo inexorável progresso das forças produtivas. (ALMEIDA; PAULINO, 2010, grifo nosso).

Dessa maneira, já nos clássicos temos como problemática central: o desenvolvimento capitalista no campo e o futuro do campesinato. Karl Kautsky e Vladimir I. Lênin contrariavam a tese da possibilidade de permanência do campesinato. Estes entendiam a proletarização do campesinato como necessária para se alcançar o socialismo. Este raciocínio se baseia numa lógica etapista/linear/estruturalista do processo em que as forças produtivas deveriam alcançar seu limite máximo de avanço para assim passar para uma etapa histórica superior, logo, a descamponização era uma conseqüência necessária e inevitável.(ALMEIDA, 2006).

Portanto, o que havia em comum nas obras seminais escritas pelos autores Karl Kautsky e Vladimir I. Lênin era a afirmação de que o desenvolvimento do capitalismo no campo levará ao inevitável desaparecimento do campesinato via territorialização do capital por meio da indústria ou por meio da diferenciação social. Neste caso, o camponês é tratado como um resíduo social ainda não eliminado. Esta análise tem como base a crença na

determinação estrutural como uma característica máxima do capitalismo. O capitalismo teria

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134 que não se baseie na lógica fundamental da luta de classes: proletariado versus burguesia que tem como sustentáculo dessa relação à produção de mais-valia. Por conseguinte, o trabalho assalariado a todos é um fim inevitável. Somente essas duas classes existirão quando o modo de produção capitalista estiver consolidado plenamente no decorrer do processo de avanço das forças produtivas (CAMACHO, 2008).Segundo essa concepção teórica, a proletarização do campesinato seria inevitável, visto que em determinado momento, ao tentarem produzir ao mercado, os camponeses acabariam falindo devido à competição com as empresas capitalistas, pois se trata de uma competição absolutamente desigual. Acabariam vendendo suas terras para as empresas capitalistas e, então, se proletarizando. Aos que resistirem restaria a possibilidade de pertencer à classe dos capitalistas. Em outras palavras, a partir dessa vertente entende-se...

[...] que os camponeses inevitavelmente irão desaparecer, pois eles seriam uma espécie de „resíduo‟ social que o progresso capitalista extinguiria. Ou seja, os camponeses, ao tentarem produzir para o mercado, acabariam indo à falência e perderiam suas terras para os bancos, ou mesmo teriam de vendê-las para saldar as dívidas. Com isso, “os camponeses tornar-se-iam proletários”. [...]. (OLIVEIRA, 1999, p.71; 2004a, p. 34, grifo nosso). De acordo com Anderson Bem e Rosemeire Aparecida de Almeida (2011) Karl Kautsky e Vladimir I. Lênin tem em sua teoria duas explicações principais para a destruição do campesinato. A primeira é acompreensão daindustrialização do campo como condição

universal do avanço das forças produtivas capitalistas. A segunda é a compreensão do

desaparecimento do campesinato pelo processo de diferenciação social. Esse processo está relacionado ao fato de que no capitalismo a diferenciação econômica entre os sujeitos da classe camponesa acabaria transformando os sobreviventes em capitalistas e os demais em

proletários.Assim, para essa vertente do Paradigma da Questão Agrária o desenvolvimento do

capitalismo é incompatível com a existência camponesa. Ou seja,

[...] na sociedade capitalista avançada não há lugar histórico para os camponeses no futuro dessa sociedade. Isso porque a sociedade capitalista é pensada por esses autores como sendo composta por apenas duas classes sociais: a burguesia (os capitalistas) e o proletariado (os trabalhadores assalariados). (OLIVEIRA, 1999, p.71; 2004a, p. 34-35, grifo nosso). Todavia, apesar das críticas lançadas a estes autores, a reflexão a partir dessas obras seminais nos permite compreender quais foram elementos fundamentais que possibilitaram a produção do conhecimento científico a partir do Paradigma da Questão Agrária que perpassou todo o século XX e chegou até os dias de hoje, já no século XXI, resignificado dialeticamente

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135 à realidade espaço-tempo na qual encontramos inseridos. Teodor Shanin escreve a respeito da importância da obra marxista A QuestãoAgrária de Karl Kautsky. Esta obra teve como referência principal a discussão de Karl Marx sobre a questão agrária na Inglaterra e na Irlanda. Sua ênfase foi dada na destruição da agricultura camponesa42 via industrialização. Em suas palavras:

A principal obra que dominou o pensamento marxista daquela época foi A

QuestãoAgrária de K. Kautsky. Ela foi (e ainda é) rica em conteúdo e em insight quanto à problemática camponesa. Aceitou a possibilidade de algumas diferenças no modo como o capital penetra na agricultura, em contraposição aos outros ramos da economia. Apontou para a acumulação de capital e para a mudança na agricultura alemã. E salientou que a referida falta de concentração da propriedade fundiária não significava necessariamente o fracasso do capitalismo em ali se estabelecer. O principal motor da transformação capitalista da sociedade rural foi à indústria, que sobrepujou, subordinou e finalmente destruiu a agricultura camponesa. A posição de Kautsky seguiu de perto e elaborou a apresentação de Marx do exemplo inglês/irlandês em O Capital, adequadamente generalizado e desdobrado. (2005, p. 7, grifo nosso).

Bernardo Mançano Fernandes explica que o livro de Karl Kautsky, AQuestão

Agrária, é dividido fundamentalmente em duas partes: ―[...] uma dedicada à análise das

desigualdades geradas pelo desenvolvimento do capitalismona Europa e a outra em que apresenta suas perspectivas com relação à sociedade socialista. [...]‖. (FERNANDES, 2009, p. 12). Além de escrever um capítulo dedicado a análise da agricultura no feudalismo.Por se tratar de um autor marxista, ―Kautsky toma como uma de suas referências principais O Capital de Karl Marx e analisa a questão agrária a partir de alguns fundamentos da sociedade capitalista, como por exemplo: mais-valia, lucro, renda da terra, classes sociais etc. [...]‖. (FERNANDES, 2009, p. 12, grifo nosso).

Uma das críticas que fazemos a esta obra diz respeito ao recorte analítico feito pelo autor, pois ―[...] a organização social camponesa não é analisada a partir da lógica de sua estrutura interna, mas sim no espaço econômico em que se realiza [...]‖. (FERNANDES, 2009, p. 12). Confrontando, por exemplo, com a análise teórica de Alexander V. Chayanov.Karl Kautsky, um dos primeiros teóricos marxistas a estudar o campesinato, partia da concepção de que o desenvolvimento capitalista não poderia comportar outras classes sociais além do proletariado e da burguesia. Neste caso, o processo de proletarização do

42 É necessário esclarecermos que o termo agricultura camponesa é oriundo do PQA. Para o PQA e, portanto, no

que diz respeito a esta tese, agricultura familiar, agricultura familiar camponesa e agricultura camponesa são sinônimos. Estes conceitos passam a ter outro significado no PCA, como veremos no capítulo III.

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campesinato seria um processo irreversível e irrestrito (ALMEIDA; PAULINO, 2000).

Todavia, apesar de nossas críticas tecidas a esta obra, é importante que contextualizemos histórica e espacialmente a obra de Karl Kautsky. Ela foi escrita em um período de necessidade política-ideológica de responder aos seus adversários políticos num momento em que apareciam os desafios de dar uma explicação a respeito do futuro da agricultura e do campesinato diante das transformações ocasionadas pelo desenvolvimento do capitalismo no campo. Sendo que estas explicações deveriam estar fundamentadas de acordo com as teses da

social democracia alemã do final do século XIX.Esse debate se fazia necessário na medida

em que a classe camponesa não estava desaparecendo, mas, ao contrário, se comprovara inclusive seu fortalecimento em algumas regiões. A preocupação de Karl Kautsky era que o mesmo entendia que a classe camponesa era uma incógnita dentro da proposta de construção do socialismo. Além de sua superioridade numérica com relação ao proletariado outro fator que incomodava o autor era sua interpretação de que a classe camponesa possuía uma

consciência política ambígua e indefinida, cujos interesses entrelaçavam-se ora com a

burguesia, ora com o proletariado (ALMEIDA; PAULINO, 2000).

A ―espinha dorsal‖ da obra de Karl Kautsky era a tese de que a indústria se expandiria de maneira irrestrita a todas as regiões fazendo sucumbir toda forma de relação não-capitalista/tradicional/camponesa existente nestas regiões. Por mais resistentes que fossem os camponeses ao modo de produção capitalista, nada escaparia da expansão industrial, pois para o mesmo a indústria seria a força motriz da sociedade(ALMEIDA; PAULINO, 2000). A formulação teórica de Karl Kautsky tem uma clara influência das concepções teóricas de Friedrich Engels. Este tinha uma leitura uniforme acerca do avanço do capitalismo. Para o mesmo, era necessário atingir a totalidade das relações capitalistas para que pudéssemos atingir o socialismo. Portanto, todas as outras formas de relações eram residuais e tinham que ser eliminadas(ALMEIDA; PAULINO, 2010).

Neste sentido, Samir Amin e Kostas Vergopoulos afirmam que o fato de Friedrich Engels acreditar na possibilidade de alcançarmos o ―capitalismo puro‖ fazia com que o mesmo confiasse na força do progresso. Em suas palavras: ―Como visava apenas o capitalismo ‗puro‘ não deixou de fazer, diversas vezes, sua profissão de fé nas ‗forças inelutáveis do progresso‘. [...]‖. (1977, p. 140). Com base nesta concepção do progresso capitalista, Karl Kautsky concebia o campesinato de forma depreciativa: classe miserável,

retrógrada e vacilante, ou seja, eram sujeitos reacionários e em vias de extinção. Pelo

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