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2.3-A TENDÊNCIA CAMPESINISTA DO PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA 2.3.1 As contraposições ao Marxismo Ortodoxo: o Narodnismo Marxista, o Marxismo

No documento PARADIGMAS EM DISPUTA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (páginas 154-187)

CAPÍTULO II O PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA: AS DIFERENTES TENDÊNCIAS DO MARXISMO DIFERENTES TENDÊNCIAS DO MARXISMO

2.3-A TENDÊNCIA CAMPESINISTA DO PARADIGMA DA QUESTÃO AGRÁRIA 2.3.1 As contraposições ao Marxismo Ortodoxo: o Narodnismo Marxista, o Marxismo

Heterodoxo e a Economia Camponesa de Chayanov

“RosaLuxemburgo consagrou a refutação a economia vulgar „marxista‟. [...]”. (LUKÁCS, 1974, p. 47).

Vamos apresentar as vertentes teóricas que fazem oposição ao marxismo ortodoxo: o

narodnismo marxista e o marxismo heterodoxo51. Estas tendências têm interpretações

distintas do marxismo ortodoxo no que concerne a relação do campesinato com o modo de produção capitalista52. Primeiro vamos entender o que seria o narodnismo russo do qual descende o narodnimo marxista. De acordo com Eduardo Sevilla Gusmán e Manuel González

50 Vamos aprofundar este debate no capítulo IV.

51 De acordo com o dicionário de língua portuguesa Aurélio, a palavra heterodoxo vem do grego ―heteródoxos‖,

que significa 'de opinião diferente‘. Um dos seus significados é: ―Oposição aos sentimentos de ortodoxia‖.

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152 Molina (2005), o narodnismo é a primeira corrente de pensamento sobre os estudos camponeses. Surgiu como consequência do debate intelectual e político gerado na Europa do século XIXsobre as comunidades rurais. Esta vertente é marcada pela influência de diversas concepções teóricas, diferentes práxis intelectuais e políticas. Todavia, o ponto principal é a defesa de um modelo de desenvolvimento não-capitalista para Rússia. Sendo que o campesinato ocupa papel de destaque neste modelo, participando como protagonista (GUZMÁN; MOLINA, 2005). Ou seja, o campesinato no narodnismo é visto como agente

revolucionário (ALMEIDA; PAULINO, 2010).

Esta qualidade revolucionária dedicada ao campesinato se deve ao fato de os narodnistas considerarem que era possível encontrar elementos claros de resistência

camponesa ao capitalismo. Pois, ―[...]nas formas de organização coletiva do campesinato

russo, existia um estado de solidariedade contrário à natureza competitiva do capitalismo [...]‖. (GUZMÁN; MOLINA, 2005, p. 23); Nesta perspectiva, ao contrário da posição dos marxistas ortodoxos, ―[...] era possível freiar o desenvolvimento do capitalismo na Rússia mediante a extensão das relações sociais do coletivismo camponês ao conjunto da sociedade‖. (GUZMÁN; MOLINA, 2005, p. 23).Portanto, a utopia narodnista era dar um salto ao socialismo sem precisar passar pela desorganização camponesa. Não era necessário vivenciar o ―inferno do capitalismo‖ para se progredir até o socialismo. A partir da própria obshina (comunidade rural russa) eram dadas as condições possíveis de se evitar a proletarização da sociedade estabelecida pelo capitalismo por meio da industrialização. Esta concepção foi denominada de a teoria da marcha para trás (GUZMÁN; MOLINA, 2005). Para os narodnistas essas comunidades já possuíam elementos socialistas, como o coletivismo e a ética camponesa, os quais poderiam ser potencializados. Destacam-se nesta concepção os pensadores Aleksandr G. Herzeme e Nicolai G. Chernychevski, os fundadores do populismo russo, além da vertente anarquista representada por Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin (ALMEIDA; PAULINO, 2010).

Era produto da organização narodnista no final do século XIX o lema ―Terra e Liberdade‖. Este era um projeto que tinha como finalidade o aumento da consciência camponesa. Um exemplo era o programa denominado ―causa do livro‖ que consistia na publicação de material junto às comunidades rurais. Com este material pretendiam criar uma estrutura organizativa rumo à transformação social (GUZMÁN; MOLINA, 2005; ALMEIDA; PAULINO, 2010).É a influência dos narodnistas russos no pensamento de Marx que o levou a uma aproximação com o campesinato. Essa relação dos nardodnistas com Marx gerou a

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153 corrente conhecida como nardodnismo marxista (ALMEIDA; PAULINO, 2010).Esta aproximação do marxismo com o narodnismo se deu da seguinte maneira. Nos últimos 10 anos de sua vida, Karl Marx aprende a língua russa porque ficou motivado com o debate populista que se aflorou na Rússia em torno do primeiro tomo de O Capital. É por influência deste debate que o mesmo introduz a análise do campesinato em sua discussão. Por isso, se analisarmos a última fase de Karl Marx vamos enxergar no mesmo a aceitação de um

evolucionismo multilinear do processo histórico, bem como a coexistência de distintas

formas de exploração no capitalismo. Em outras palavras:

[...] Segundo mostra Shanin e seus colaboradores na sua análise do último Marx, este parece chegar a aceitar um evolucionismo multilinear do processo histórico, assim como a coexistência de distintas formas de exploração na estrutura socioeconômica de uma determinada sociedade, abrindo com isso imensas possibilidades para o estudo dos processos que têm lugar na agricultura. (GUZMÁN; MOLINA, 2005, p. 48, grifo nosso).

O narodnismo marxista tem como principal representante Teodor Shanin (ALMEIDA; PAULINO, 2010). Foi ele que ao estudar o campesinato nas obras de Alexander V. Chayanov, Vladimir I. Lênin e Karl Kautsky consegue romper com a perspectiva unilinear do marxismo ortodoxo recuperando o legado da concepção de multilinearidade para interpretarmos o desenvolvimento dos países periféricos. Este é o marco teórico do narodnismo marxista (GUZMÁN; MOLINA, 2005).

Outra tendência importante que divergiu com o marxismo ortodoxo, é o marxismo

heterodoxo clássico. Nesta vertente, destacamos a importância de Rosa Luxemburgo para a

criação de uma teoria que foi fundamental para embasar a crítica ao marxismo ortodoxo agrário. O marxismo heterodoxo e o narodnismo marxista deram elementos concretos que possibilitaram a construção de uma tendência campesinista no Paradigma da Questão Agrária possibilitando a construção de uma geografia agrária campesinista.As críticas às elaborações teóricas baseadas no evolucionismo unilateral e na uniformidade do mundo presentes no marxismo ortodoxo estão entre as principais contribuições de Rosa Luxemburgo para pensarmos o movimento do desenvolvimento do capitalismo no campo.

Sobre o debate marxista é preciso dizer também que na contramão da ortodoxia que imperou no desenvolvimento do pensamento marxista, autores como Amim e Vergopoulos (1986), Guzmán e Molina (2005), Oliveira (2004), creditam à Rosa Luxemburgo os indicativos para compreensão das diferenças como parte constitutiva do metabolismo do capital, situação possível por meio do questionamento que fez à lógica evolucionista presente

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154 nas interpretações dos marxistas de seu tempo, cujo princípio era a uniformidade do mundo a partir da evolução da base tecnológico-produtiva. (ALMEIDA; PAULINO, 2010, p. 28, grifo nosso).

Mas, a tese principal de sua teoria, que deu o grande salto qualitativo na interpretação do desenvolvimento do capitalismo, está na sua explicação sobre os espaços

vazios do capitalismo, bem como na afirmação de que no capitalismo era possível haver a

coexistência de regimes de produção diferentes que mantém intercâmbio com a forma de exploração dominante. É esta interpretação que nos permite afirmar a possibilidade da recriação de relações não-capitalistas, como as relações camponesas, sob o modo de produção capitalista(GUZMÁN; MOLINA, 2005).

Rosa Luxemburgo interpreta a reprodução do capital de uma maneira disitinta a de seus antecessores. Ela dizia que sea produção capitalista fosse um modo únicoe exclusivo de produção com domínio absoluto em todos os países e ramos produtivos, isto impediria o processo de reprodução ampliada do capital. Este fato levaria ao bloqueio do avanço das forças produtivas, e logo, ao fim do capitalismo.Na verdade, a acumulação de capital ocorre sempre num processo de troca entre relações sociais capitalistas e relações sociais não- capitalistas. A acumulação de capital não pode ocorrer sem estas formações não tipicamente capitalistas.

[...] historicamente, a acumulação de capital é oprocesso de troca de elementos que se realiza entre os modos de produção capitalistas e os não- capitalistas. Sem esses modos, a acumulação de capital não pode efetuar- se. Sob esse prisma, ela consiste na mutilação e assimilação dos mesmos, e daí resulta que a acumulação do capital não pode existir sem as formações não-capitalistas, nem permite que estas sobrevivam a seu lado. Somente com a constantedestruição progressiva dessas formações é que surgem as condições de existência da acumulação de capital. O que Marx adotou como hipótesede seu esquema de acumulação corresponde, portanto, somente à tendência histórica e objetiva do movimento acumulativo e ao respectivo resultado teórico final. O processo de acumulação tende sempre a substituir, onde quer que seja, a economia natural pela economia mercantil simples, e esta pela economia capitalista, levando a produção capitalista – como modo únicoe exclusivo de produção – domínio absoluto em todos os países e ramos produtivos. Eé nesse ponto que começa o impasse. Alcançadoo resultado final – que continua sendo uma simples construção teórica -, a acumulação torna-se impossível: a realização e a capitalização da mais-valia transformam-se em tarefas insolúveis. No momento que o esquema marxista corresponde, na realidade, à reprodução ampliada, ele acusa o resultado, a barreira histórica do movimento de acumulação, ou seja, o fim da produção capitalista. Aimpossibilidade de haver acumulação significa, em termos capitalistas, a impossibilidade de um desenvolvimento posterior das forçasprodutivas e, com isso, a necessidade objetiva, histórica, do declínio do capitalismo.(1985, p. 285, grifo nosso).

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155 Outra influência teórica que se destaca entre os clássicos - na contramão das teses do

marxismo ortodoxo agrário –é a obraA Organização da Unidade Econômica Camponesa

publicada em 1925 de Alexander V. Chayanov (1974). Elafoi produzida, assim como ―A Questão Agrária‖ de Karl Kautsky, dentro de um contexto de grandes debates a respeito da classe camponesa. Esta é considerada uma obra seminal do estudo da organização econômica das unidades camponesas. Ela fazia oposição ao marxismo ortodoxo de Vladimir I. Lênin e Karl Kautsky. São estas discussões iniciais elaboradas por Alexander V. Chayanov (1974) que será uma das bases da corrente campesinista da geografia agrária no interior do Paradigma da Questão Agrária.Já início do texto, Alexander V. Chayanov (1974) afirma que a questão agrária tem sido alvo de cuidadosos estudos e debates entre correntes divergentes do pensamento econômico. Na literatura russa este é o assunto mais debatido e que tem levado a elaboração de diversas obras. Demarca que a influência de sua obra vêm da corrente de pensamento econômico russo denominado deEscola de Organização e Produção.

O autor procurou explicar como funciona a lógica camponesa de reprodução e sua diferenciação com relação à lógica capitalista. Defendendo a possibilidade de permanência

do campesinato no capitalismo (ALMEIDA, 2006). Na sua análise a partir da lógica de estrutura interna do campesinato, o autor consolida duas discussões importantes: a primeira

é da possibilidade de permanência do campesinato sob o modo de produção capitalista, a segunda, a de diferenciação das relações econômicas capitalistas para com as relações

econômicas familiares camponesas, portanto, não-capitalistas53 (ALMEIDA, 2006). Sua obra

tem uma contribuição política-ideológica importante a de assumir uma posição a favor do campesinato e de propor formas de construção de uma sociedade socialista junto com os camponeses, ao contrário, portanto, da posição dos teóricos do marxismo ortodoxo.

A partir das ideias daEscola de Organização e Produção, uma dasproposições de Alexander V. Chayanov diz respeito à criação das cooperativas rurais. Por meio dessas cooperativas, o campesinato poderia se inserir no processo industrial e absorver os avanços tecnológicos. Esta proposta é antagônica a perspectiva de Karl Kautsky que visualizava a impossibilidade dessa condição aos camponeses.

[…] la explotación campesina actual […] en nuestra opinión [dos economistas da Escola de Organização e Produção] deberá evolucionar

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156 históricamente el nuevo agro en la próxima década, habiendo convertido, por medio de cooperativas, una considerable parte de su economía en formas de producción socialmente organizadas. Deberá ser un campo industrializado en todas las esferas del proceso técnico, mecanizado e electrificado, un campo que ha aprovechado todos los logros de la ciencia y la tecnología agrícola.(CHAYANOV, 1974, p. 43-44, grifo nosso).

Esta proposta, como já mencionado, não era aceita por Karl Kautsky que afirmava que as cooperativas somente poderiam ser pensadas a partir da grande propriedade. Para Alexander V. Chayanov, estas cooperativas eram pensadas de maneira a permitir a autonomia do campesinato que poderia criar suas próprias formas de socialização do produto de seu trabalho. Em outras palavras: ―[...] O cooperativismo rural supunha para Chayanov a consecução de uma democracia de base, referindo-se a que os próprios agricultores estabeleciam suas fórmulas de ação coletiva para manter a socialização do trabalho próprio da forma de exploração familiar‖. (GUZMÁN; MOLINA, 2005, p. 67, grifo nosso).

Apesar de seu esforço teórico, a visão mecanicista da história e depreciativa do campesinato, presentes nas obras de Karl Kautsky e de Vladimir I. Lênin, fez com queAlexander V. Chayanov, que defendia a agricultura familiar camponesa, fosse acusado, pelos marxistas-leninistas-kautskyano, de estar defendendo os interesses conservadores de uma classe reacionária e em vias de extinção em oposição a um projeto político-ideológico de revolução socialista. E, mais, passaram a considerar sua obra sem importância científica.

Teóricos defensores da tese de que o capitalismo estava prestes a suprimir o campesinato da história, fizeram severas críticas à Chayanov, alegando ser uma obra obsoleta, por dedicar-se a uma classe social em vias de desaparecimento. Acusaram-no também de estar politicamente voltado à defesa de interesses burgueses, ao valorizar essa classe, tida como reacionária, contrária aos interesses da revolução socialista. (ALMEIDA; PAULINO, 2000, p. 118, grifo nosso).

Alexander V. Chayanov demonstra seu conhecimento profundo do campesinato russo. Ele, também, evidencia a sua postura política-ideológica claramente a favor da

resistência do campesinato, posição esta que o levou a morte durante o período stalinista.

Sua pesquisa é resultado da análise dos dados da realidade dos campos russos, recolhidos pelos conselhos rurais (zemstos) e reflete as calorosas discussões sobre as questões rurais no transcurso da revolução russa. Cumpre destacar que o autor, além de ser agrônomo, era um profundo conhecedor do campo russo, como atesta a introdução de sua obra clássica. É, portanto, respaldado por esseconhecimento que ele apóia a resistência camponesa e assina, posteriormente, sua sentença de morte nas mãos de Stálin. (ALMEIDA, 2006, p. 71, grifo nosso).

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157 Não obstante Vladimir I. Lênin e Alexander V. Chayanov terem ambos o mesmo objeto de análise, qual seja, o espaço agrário da Rússia, e terem como método o materialismo histórico e dialético, os mesmos produzem resultados distintos. Isso ocorreu porque ambos partem de concepções diferentes quanto à compreensão do que representava o campesinato no capitalismo (ALMEIDA, 2006).O objetivo de Alexander V. Chayanov não foi o de propor a elaboração de uma teoria geral que relacionasse a dinâmica da sociedade com a lógica camponesa. Sua obra restringiu-se a explicação das características internas das unidades camponesas, sem negar sua coexistência com o modo capitalista de produção (ALMEIDA; PAULINO, 2000). Todavia, apesar do esforço teórico feito pelo autor, esse modelo explicativo que tenta ―isolar‖ o campesinato para explicá-lo tem suas limitações. Neste sentido, Rosemeire Aparecida de Almeida explica que sua tese é importante

Mesmo que Chayanov, ao desvendar a lógica interna de reprodução do campesinato, não tenha conseguido explicá-la satisfatoriamente no tocante à sua relação com o modo de produção capitalista, ou seja, paira sobre sua teoria do balanço trabalho-consumo um possível isolamento do camponês num modelo de auto-reprodução [...]. (2006, p. 76).

A análise de Alexander V. Chayanov é feita sob um ponto de vista interno, colocando num segundo plano a análise dinâmica, ou seja, voltada para o entendimento do desenvolvimento histórico dos processos sociais. Devido a este enfoque dado na abordagem da realidade camponesa, o autor recebeu o título de marginalista. Sendo que ―[...] o enfoque na motivação, característica subjetiva do camponês, e o uso constante de termos da escola marginalista (equilíbrio, situação ótima, necessidade etc.) reforçaram essa acusação [...]‖. (ALMEIDA, 2006, p. 77).Todavia, Alexander V. Chayanov respondia afirmando que é impossível compreender a organização da unidade econômica camponesa sem levar em conta uma avaliação subjetiva existente no processo de escolha econômica. Negava que sua construção teórica era parte da teoria marginalista pelo fato de que não havia qualquer interesse em expandir o entendimento da lógica de produção camponesa para o sistema macroeconômico (ALMEIDA, 2006). Mesmo assim, ―[...] ainda hoje persiste a idéia a ele atribuída de ter construído uma tese ―autonomista‖, fundada numa racionalidade econômica particular da economia camponesa [...]‖. (ALMEIDA, 2006, p. 78). De acordo com esta interpretação seu pensamento entra em contradição com a teoria do valor de Marx. Devido a esta dificuldade encontrada por Alexander V. Chayanov em relacionar a forma como o campesinato se relaciona com o modo de produção capitalista, se faz necessário recorrer a um

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158 conceito geográfico fundamental de nossa corrente campesinista de análise na geografia agrária que é o de monopolização do território pelo capital. A partir desse conceito explicamos como ocorre o processo de subordinação da renda camponesa ao capital54 (AMEIDA; PAULINO, 2010).

A importância da obra de Alexander V. Chayanov está no fato de que,ao contrário de muitos autores inclusive da atualidade, não utilizou o método e a teoria como uma ―camisa de força‖ da realidade, tentando enquadrá-la à teoria, a exemplo de Karl Kautsky e Vladimir I. Lênin. Estes últimos, por exemplo, ignoravam a expressão numérica e a importância do campesinato naquele momento histórico (ALMEIDA; PAULINO, 2000). A contribuição principal deixada por Alexander V. Chayanov diz respeito à tese defendida de que a lógica

camponesa de reprodução se diferencia da lógica de reprodução ampliada do capital, ou seja, a reprodução camponesa não é uma forma de reprodução capitalista. Mesmo não fazendo

esta afirmação, a partir dessa análise teríamos formas capitalistas coexistindo com formas não-capitalistas de reprodução no modo de produção capitalista. Portanto, independentemente se...

[...] sua teoria foi ou não concebida ―por fora‖ do modo de produção capitalista, o importante é que seu estudo representa um legado porque desvenda, mesmo que não a explique satisfatoriamente, a distinção sine qua

non do campesinato. A sua lógica reprodutiva difere-se da capitalista, mesmo estando a ela atrelada como contradição que representa no processo de reprodução ampliada do capital. (ALMEIDA, 2006, p.77, grifo nosso).

Essa interpretação de que as unidades familiares camponesas de trabalho eram diferentes das empresas capitalistas, foi a preocupação principal do autor. Alexander V. Chayanov constrói uma explicação sobre como ocorre o processo de circulação do capital na unidade familiar camponesa. Concluindo que neste contexto o capital obedece a outras leis e assume funções distintas da que ocupa na empresa capitalista, pois são orientadas pelas necessidades do núcleo familiar. Desse modo, ―[...] a inexistência de salário e o fato de a família, além do capital, ser à força de trabalho no processo produtivo (capital e trabalho não se separam) criam um esquema de circulação de capital bem específico. [...]‖. (ALMEIDA, 2006, p.78).Sua tese central é a teoria do balanço existente entre trabalho e consumo nas unidades camponesas a fim de alcançarem um determinado equilíbrio interno. Esta lógica determina o grau e a intensidade da atividade econômica camponesa. Alexander V. Chayanov

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159 explica a importância da relação número de braços versus número de bocas para o equilíbrio da unidade de produção familiar camponesa. Assim, para o autor, o equilíbrio da unidade de produção camponesa está relacionado com o número de membros capacitados para o trabalho na família.Para ele, existe uma relação intrínseca entre a produção/consumo e as fases da família. Daí a importância que tem a composição etária e de gênero da família camponesa, pois quando os filhos estão novos a produção é menor, pois tem menos força de trabalho, o mesmo ocorre quando os filhos casam-se e saem de casa. Mas, o equilíbrio vai sendo estabelecido quando os mais jovens começam a ajudar os pais(ALMEIDA; PAULINO, 2000).

O autor defende a ideia de que é a necessidade de subsistência familiar-consumo- que determina primordialmente as atividades desenvolvidas -trabalho- pela familia camponesa. Nas palavras do autor: ―[…] la autoexploración depende en mayor grado del peso que ejercen sobre el trabajador las necesidades de consumo de su familia […]. El volumen de la actividad de la familia depende totalmente del número de consumidores y de ninguna manera del número de trabajadores‖.(CHAYANOV, 1974, p. 81, grifo nosso). Sua teoria buscava compreender a lógica interna camponesa, na perspectiva do balanço trabalho-

consumo.Podemos destacar duas considerações que são comprovadas nesta análise. A

primeira é o da possibilidade de permanência do campesinato sob o modo de produção capitalista, de maneira peculiar. A segunda é a comprovação de que as relações econômicas capitalistas são diferentes das relações econômicas familiares camponesas. Portanto, estaria confirmando a existência de relações não-capitalistas que estão em intercâmbio com a forma de exploração dominante capitalista55. Assim, o autor...

[...] procura desvendar o cálculo camponês, alicerçando na teoria do balanço do trabalho-consumo, a fim de apreender a racionalidade camponesa e diferenciá-la do comportamento capitalista. Propunha assim, a convivência e, portanto, a permanência camponesa de forma insular à lógica capitalista de reprodução e homogeneização das relações sociais rumo à acumulação. (ALMEIDA, 2006, p. 71, grifo nosso).

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