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Os tormentos de Wittgenstein

3 SÍNTESE TEÓRICA

3.2 O PRIMEIRO WITTGENSTEIN

3.2.1 Wittgenstein antes do encontro com a filosofia

3.2.1.1 Os tormentos de Wittgenstein

O plano de educação que Karl Wittgenstein estabeleceu para seus filhos partia de sua bem sucedida carreira como engenheiro e, posteriormente industrial. Esse projeto educacional dava ênfase à iniciativa individual e, em segundo plano, estavam as relações sociais. Mas não compreendeu que o que para ele seria bom, para seus filhos seria desastroso. No julgamento de Karl, era inadmissível para um Wittgenstein um ofício que não estivesse

relacionado com finanças, negócios ou engenharia, a música era uma atividade quase recreativa.

Karl e Leopoldine tiveram três filhas: Hermine, a filha mais velha, que foi uma pintora dedicada, Gretyl, que se casou com um americano e chegou a ser psicoanalisada por Freud, Do Helene e mais quatro filhos dos quais três morreram jovens: Hans que por ter sua vocação musical contrariada por seu pai, que queria torná-lo seu sucessor à frente do cartel do aço, fugiu para a América e desapareceu na Baía de Chesapeake; Kurt foi soldado na primeira Guerra Mundial, se rebelando contra seu comandante, envergonhado, cometeu suicídio; Rudolf passou muito tempo em Berlim se dedicando ao balé e tinha problemas em lidar com seu homossexualismo mal assumido, se matou tomando um copo de cianeto em seu bar preferido (BAUM, 1991). Sobre o destino de Paul, o pianista:

Com os anos, no entanto, o rigor de Karl abrandou-se: ele aniquilara Hans, e provavelmente Rudolf, sem que sua mulher tentasse ou tivesse forças para detê-lo. Mas permitiu que Paul se torna-se músico e não protestou quando Ludwig abandonou a engenharia para freqüentar os filósofos de Cambridge. Os dois últimos filhos foram poupados sob esse aspecto. Embora isso de maneira alguma assegurasse o equilíbrio que faltava a Hans e a Rudolf, permitiu-lhes manifestar o vínculo, fatal nessa família, entre o talento, se não o gênio, e a neurose, se não a loucura (CHAUVIRÉ, 1989, p. 24).

Ludwig sempre teve problemas de relacionamento, mesmo com as pessoas mais próximas e íntimas. Sua infância ocorreu em um ambiente estranho e muito solitário. Seus pais se preocuparam em pagar os melhores professores particulares de Viena, fato que pode ter colaborado para preferência em estar só. Ao longo de sua vida escolheu com cuidado seus poucos amigos. O temperamento de Wittgenstein variava entre depressões, angústias e acima de tudo muito nervosismo. Para ele, eram poucas as pessoas decentes e a promiscuidade humana o aterrava. Segundo Wittgenstein, as conversas com os intelectuais de Cambridge eram entediantes. Assim, o exílio na Noruega foi uma fuga, a solidão lhe serviu de inspiração para seus estudos sobre lógica.

Em Cambridge os tormentos de Wittgenstein tomavam proporções maiores. Seus dias eram carregados de angústias, o que o levava a fortes depressões. Esse estado psicológico muitas vezes o impedia de trabalhar, chegando a acreditar que não poderia escrever mais nada em lógica, pois seu estado psicológico o impediria para sempre de produzir. Nas palavras de Wittgenstein, seus tormentos eram aterradores e indescritíveis. Chegou a comentar várias vezes com Russell que estava ficando louco e pensava seriamente em cometer suicídio (WRIGHT, 1979).

Desse modo, os tormentos de Wittgenstein tinham duplo sentido, suas preocupações com a lógica caminhavam lado a lado com um forte sentimento de culpa por seus pecados carnais. A ideia de pecado carnal certamente foi fruto de sua homossexualidade não assumida. É possível que tenha sido uma das razões dos pensamentos suicidas que o acompanharam ao longo da vida, pois seu irmão Rudolf cometeu suicídio por essa mesma dificuldade de lidar com suas preferências sexuais. O fato de Wittgenstein ter sido ou não homossexual em nada interfere na interpretação de sua obra, porém, este fato está relacionado às constantes explosões de ódio por si mesmo. A seriedade que Wittgenstein dava a sua ética era profunda e seus pensamentos em busca da esfera moral eram audaciosos (BAUM, 1991).

Os desejos sexuais que reprimia causavam um violento conflito com as suas exigências morais fora do comum. Wittgenstein não costumava falar sobre isso, mas suas tendências homossexuais não eram segredo para ninguém, porém, seus familiares, amigos e alunos preferiram se calar sobre isso mesmo após a sua morte. Em Cambridge, várias pessoas do grupo de Wittgenstein eram homossexuais, como seu amigo Keynes e seu íntimo amigo David Pinsent. Ele e Pinsent compartilhavam interesses musicais, tocavam juntos mais de quarenta músicas de Schubert, cujas melodias eram assobiadas com precisão por Wittgenstein e acompanhadas por Pinsent no piano, eles também fizeram experimentos sobre ritmos musicais em um laboratório de psicologia. Chegaram a viajar juntos pela Islândia e Noruega antes da Guerra. A amizade com Pinsent foi tragicamente interrompida por sua morte na Primeira Guerra Mundial.

Aqui se intercalou um episódio menor, mas significativo: voltando à Áustria, uma licença, teve um encontro providencial com seu tio Paul na estação de Salzburgo. De fato, estava disposto a cometer suicídio em algum lugar nas montanhas do Salzkammergut. “Paul, o homem de sociedade condenado por tantas tias rabugentas, tinha uma terna predileção pelo sobrinho, e até pelo sobrinho filósofo, e foi provavelmente por isto que conseguiu persuadir Ludwig a alterar seu roteiro e seguir para Hallein, onde tinha uma casa. Pouco antes disso, Wittgenstein soubera da morte de David Pinsent num acidente, quando comandava um avião militar: um choque terrível para ele (CHAUVIRÉ, 1989, p. 44).

O assassinato do príncipe herdeiro do Império Austro-Húngaro, Franz Ferdinand, em Sarajevo, no dia 28 de junho de 1914, fez com que diversos países europeus declarassem mutuamente guerra, esse conflito deu início a Primeira Guerra Mundial. A Áustria lançou um ultimato contra a Sérvia em sete de junho. Por não ter tido uma resposta satisfatória, o governo austríaco declara guerra a Sérvia em 28 de junho. Dois irmãos de Wittgenstein, Kurt e Paul, se incorporam imediatamente a seus respectivos batalhões. Ludwig, devido a uma hérnia, não teve obrigação de prestar serviço militar. Quando fez a apresentação na embaixada

da Áustria em Londres, em abril de 1912, foi considerado inválido. Nos exames médicos se identificou uma hérnia bilateral, que mesmo com uma cirurgia não teve solução (BAUM, 1991).

Mesmo assim ele conseguiu servir em um grupo de artilharia a bordo de um barco em Vístula e depois em uma oficina de armas, depois serviu na frente oriental e, mais tarde, na artilharia ao sul de Tirol. Durante todo tempo continuou trabalhando em seu livro, anotando as ideias filosóficas em um caderno que transportava na mochila. Terminou seu livro em agosto de 1918; mas em novembro desse mesmo ano é feito prisioneiro pelos italianos No período que serviu ao exército do Império Austro-Húngaro, durante Primeira Grande Guerra, ele recebeu várias medalhas, a maioria delas por bravura, o sangue frio que Wittgenstein mantinha durante fogo cruzado logo foi motivo para suas diplomações. Os cinco anos que Wittgenstein passou na Guerra, desde seu alistamento até sua liberação do campo de prisioneiros na Itália, causaram marcas irreversíveis em sua personalidade. Ele ingressou como voluntário no exército austríaco (MALCOM, 1976).

Segundo Baum (1991), Wittgenstein nunca tenha sido um místico, porém sua experiência na Primeira Grande Guerra causou uma forte influência em seu modo de ver o mundo. Quando estava lutando na frente oriental, adquiriu um exemplar de uma obra de Tolstoi sobre os evangelhos. Essa obra era uma tradução para o alemão intitulada Kurze

Darlegung des Evangelius [Breve Exposição dos Evangélicos] e trouxe grande influência em

seus escritos durante a guerra. Acreditava que a condição de soldado não o impediria de continuar seu trabalho sobre lógica no decorrer da guerra. Em 15 de fevereiro de 1915, ao receber notícias sobre o interesse de Wittgenstein em publicar os manuscritos que estava trabalhando, Russell escreve:

Meu querido Wittgenstein:

É uma grande alegria ter notícias suas. Penso constantemente em você, ansioso por notícias. Me assombra que tenha conseguido escrever um manuscrito sobre lógica desde o começo da guerra. Não posso expressar como será grande a minha alegria de vê-lo novamente após a guerra, se tudo correr bem. Se seu manuscrito chegar a mim, farei o possível para compreendê-lo e fazer com que outros o compreendam também; mas sem sua ajuda será difícil (Wright, 1979, p. 59).

Na próxima subseção será discutido o empreendimento filosófico do primeiro Wittgenstein. A obra não se enquadra nas expectativas filosóficas de seu tempo por não apresentar um corpo de doutrinas específicas, ele trata a atividade filosófica como um exercício de tomada de consciência dos limites da linguagem. Será realizada uma investigação sobre as relações entre um complexo articulado que é a proposição e outro complexo

articulado que é o real, através da determinação das categorias mais gerais da linguagem e das categorias mais gerais do real. Para alcançar isto é necessário determinar-se as formas lógicas da proposição.