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5 A TRIANGULAÇÃO COMO PRÁTICA DIDÁTICA

5.2 SOBRE O CONTEXTO

As observações que seguem tem por base a experiência docente de cinco anos dentro do Complexo Penitenciário de Florianópolis, no período de março de 2008 até dezembro de 2012. Embora a linguagem dos reeducandos possa parecer grosseira ela faz parte da vivência específica daquele ambiente (uma forma de vida). Para entendermos como essa linguagem se articula podemos novamente utilizar o exemplo do tabuleiro de xadrez, porém desta vez

pensando em tampinhas de garrafas no lugar das peças que estamos habituados a ver no tabuleiro. Para isso, podemos pintar as tampinhas com cores diferentes, indicando a função que cada uma delas desempenharia no jogo. Do mesmo modo, identificamos que o jogo de linguagem do reeducando repousa, como qualquer outro jogo em uma convenção. Ao compreendermos a linguagem como instituição social, percebemos que necessidades diferentes formam regras diferentes para o uso das palavras.

Criticar, propor mudanças ou explicar o funcionamento do sistema carcerário brasileiro foge do nosso tema, pois estaríamos entrando em um campo de contradições, que são criadas pela distância existente entre a realidade do sistema prisional e as informações que circulam sobre ele - geralmente passadas por uma mídia que não sabe o que realmente acontece além dos muros e, ao mesmo tempo, influencia diretamente a opinião pública. Costumeiramente, pensamos que quando uma pessoa comete algum crime ela simplesmente deve ser isolada, porém não levamos em consideração as complexidades desse fato. Para que essa ideia fique mais clara, no decorrer do capítulo não usaremos termos como preso, criminoso, detento ou qualquer outro relacionado, bandido, mal feitor etc. Usaremos o conceito de reeducando, que é o verdadeiro objetivo do espaço de privação de liberdade: possibilitar que os apenados reflitam sobre seus erros e retomem os princípios utilizados pelas pessoas que seguem as leis.

A Escola Supletiva do Complexo Penitenciário de Florianópolis tem por objetivo fornecer educação para os reeducandos. Por ser uma Unidade Descentralizada do CEJA (Centro de Ensino de Jovens e Adultos), a escola segue as diretrizes do Ensino de Jovens e Adultos do Estado de Santa Catarina. São oferecidos os cursos de alfabetização, nivelamento, ensino fundamental e ensino médio. Assim, existe a possibilidade de um reeducando analfabeto concluir seus estudos na própria instituição. A escola também dispõe de uma biblioteca com um acervo constituído basicamente por doações, fornecendo a possibilidade de leitura, não apenas para os reeducandos que frequentam o ambiente escolar, mas para todo o complexo. A distribuição de livros geralmente é feita por algum apenado com bom comportamento. Além disso, o reeducando pode prestar vestibular, pois a escola mantém uma parceria com a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). O exame vestibular é aplicado anualmente e se realiza no mesmo dia e hora que o vestibular convencional, para isso a UFSC direciona alguns fiscais, seguindo os mesmos critérios praticados em seu campus.

Observamos que as atividades da escola estão de acordo com a legislação vigente em nosso país. A quinta seção da Lei de Execução Penal brasileira (BRASIL, 1987), trata da assistência educacional ao reeducando. No artigo 18 percebemos a obrigatoriedade do ensino

fundamental nas unidades prisionais. Para a realização desse objetivo a lei permite que as atividades educacionais se estabeleçam através de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. A assistência educacional compreende a instrução escolar e formação profissional do preso e do internado. Além do ensino fundamental a lei também contempla o ensino profissional em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Neste sentido, toda organização prisional deve dispor além das salas para a prática docente, uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

A Escola Supletiva do Complexo Penitenciário faz parte da rede de Ensino Estadual de Santa Catarina. Nesse sentido, seu papel é fornecer os valores para o retorno do reeducando à sociedade. No ano de 2010, a Secretaria de Estado de Educação, em parceria com a Secretaria de Segurança realizou o Curso de Educação em Prisões, este evento buscou escutar as opiniões dos professores e funcionário da segurança levantando dados para a criação das diretrizes da Educação Carcerária de Santa Catarina. A participação nesse curso nos fez perceber que a Educação Carcerária exige metodologias didáticas diferentes das escolas normais, uma vez que é pela educação que o reeducando pode retomar os valores que o colocarão novamente na sociedade.

Sendo a Escola Supletiva, uma Unidade Decentralizada do CEJA, é possível que um reeducando comece seus estudos no interior do complexo e termine em outras instituições ou até mesmo quando estiver em liberdade, pois o CEJA esta presente em todos os municípios de Santa Catarina. No momento que um reeducando cumprir sua pena ele pode se dirigir até o CEJA mais próximo de sua casa e solicitar a continuidade de seus estudos, deste mesmo modo em caso de transferência para outras organizações prisionais que ofereçam educação ele pode dar continuidade em seus estudos.

As aulas são divididas em disciplinas, como em uma escola regular, e funcionam no período matutino vespertino e noturno, dependendo do setor. O horário de inicio e término das aulas e a capacidade de alunos por sala é estipulado pela segurança. Em alguns setores existe a possibilidade de aulas noturnas, para atender os reeducandos que, durante o dia, trabalham. As salas de aulas estão dispostas dentro dos setores do Complexo, que são o Presídio Masculino, Presídio Feminino, HCTP (Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico), Penitenciária, e COT (Centro de Triagem). A sala dos professores, secretaria e biblioteca se localizam no prédio da Administração do Complexo. As aulas são ministradas sem grades que separam professores e alunos, o contato é direto, como em uma escola regular. A estrutura física das salas conta com quadro negro, mesa, cadeira, material escolar como lápis, caneta, borracha, cadernos e livros;

tudo fornecido pela própria escola. O critério para um reeducando participar das atividades escolares é a triagem feita pelo setor de segurança. Quando existe o interesse de um reeducando em estudar é feito um levantamento em seu histórico criminal, e é levado em consideração o tempo em que ele está na instituição, tipo de crime cometido, seu comportamento, entre outros. Como visto, não é qualquer reeducando que tem acesso à educação dentro do Complexo, apenas os considerados com bom comportamento.