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CAPÍTULO 3: SOCIABILIDADE POLÍTICA

3.2. Espaços de sociabilidade política para além do centro republicano

3.2.4. Outros espaços

Dos mais sofisticados às casas de vinhos ou pequenas tascas, podemos encontrar diversos exemplos destes locais de sociabilidade política. Alguns ligados ao lazer, outros de feição mais comercial, mas que não deixavam de ser pontos de encontro e de discussão, como por exemplo uma barbearia. As casas comerciais podiam ter outras funções. Os armazéns Leal, da Rua de Santo Antão, foram transformados em arsenal, em 1908, durante a fase dos preparativos revolucionários. Tinham, aliás, já ao tempo “(…) uma fama revolucionária, porque desde muito eram o rendez-vous dos insubmissos. Os conspiradores conheciam as suas salas pelas salas dos passos perdidos…”371

      

368 Ibidem, pág. 83. 369 Ibidem, pág. 83. 370 Ibidem, pág. 83.

371 ABREU, Jorge de, A revolução portuguesa. O 5 de Outubro (Lisboa, 1910), s.l., Casa de Alfredo David, 1912,

Vale a pena ter em atenção um outro lugar de significativa relevância na topografia política, a saber, a farmácia. Conhecemos, por exemplo, a farmácia Durão da conspiração sidonista em 1917 ou ainda o farmacêutico republicano estabelecido na Rua

da Cancela Velha, no Porto372. Na literatura encontramos o texto Na farmácia do

Evaristo373, de Fernando Pessoa. Passa-se numa tarde de Domingo, no dia a seguir ao

movimento militar de 18 de Abril de 1925. A farmácia, que se mantivera aberta, começava a receber os seus frequentadores habituais. De entre eles, estabeleceu-se uma discussão entre o Mendes, republicano democrático e José Gomes, monárquico, sobre o regime político. Sem querer entrar na descrição dos argumentos de parte a parte, é importante recuperar o espaço que serve de cenário a esta história.

Os jardins públicos eram espaços de conspiração e de aliciamento político. Registemos alguns exemplos: o jardim do Carmo de Santa Ana e o jardim do Matadouro foram os locais das entrevistas dos carbonários com chefes revolucionários374. Reuniões deste

género também tiveram lugar no Jardim Botânico375. Os primeiros encontros entre

Machado Santos e António Maria da Silva tiveram lugar no jardim de S. Pedro de Alcântara e foi aí que combinaram questões relacionadas com a organização da Carbonária376.

As livrarias e/ou editoras eram os locais ideais para a reunião de tertúlias, sendo a mais famosa de todas a livraria de Carrilho Videira, na Rua do Arsenal, em Lisboa, um dos mais importantes centros de propaganda e discussão de finais do século XIX.

Lisboa era uma cidade que respirava política. Fazia-o em diferentes níveis e em diferentes circuitos, havendo, por isso, diferentes espaços de sociabilidade política. Através dos exemplos acima tratados podemos, pensar alinhar uma incipiente tipologia. Em primeiro lugar, olhamos para os locais de lazer, que associavam essa função a outra de local de politização. Neste caso temos os cafés e afins, que se dividiam entre os mais centrais e os fora de portas e entre os mais elitistas e os menos sofisticados. Assim, estes locais dividiam-se geograficamente e socioeconomicamente, desde os mais ecléticos aos mais radicais, frequentados apenas por elementos populares.

      

372 ALMEIDA, Luz de, “A obra revolucionária da propaganda. As sociedades secretas.” In MONTALVOR, Luís de (dir.), História do Regimen Republicano em Portugal, Lisboa, Ática, 1932, pág. 239.

373 PESSOA, Fernando, Da República (1910-1935), recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão, introdução e organização de Joel Serrão, Lisboa, Ática, 1979, pp. 271 e seguintes.

374 ABREU, Jorge de, A revolução portuguesa. O 5 de Outubro (Lisboa, 1910), s.l., Casa de Alfredo David, 1912, pág. 72.

375 Ibidem, pág. 74. 376 Ibidem.

Em segundo lugar, podemos constatar a existência de espaços públicos, como jardins que eram lugar de descanso e de fruição, não deixando de ser uma zona de encontros políticos. Por natureza, abertos, cruzavam no mesmo espaço diferentes grupos sociais, políticos e etários.

Em terceiro lugar encontramos os locais de acesso restrito, fechados ou semicerrados, começando, obviamente pelas casas particulares, onde só se entrava depois de estruturada a rede de sociabilidade. Nestes locais a cooptação era essencial para o acesso. As casas particulares e escritórios eram pontos de encontro obrigatórios da sociabilidade política republicana, encontrando-se aí pequenos grupos que pretendiam ser mais ou menos discretos. Machado Santos reuniu com António Maria da Silva na sua casa da rua José Estêvão377. A casa e o escritório de José de Castro378, bem como a casa de Francisco Grandela, foram locais de encontro da comissão de resistência formada pela maçonaria para coadjuvar no lançamento da revolução. A destacar ainda, na geografia da preparação revolucionária o consultório de Eusébio Leão e o consultório do Dr. Gonçalves Lopes.

Podemos olhar para o périplo do chefe da Carbonária, de forma a surpreendermos as suas movimentações por Lisboa. Luz de Almeida, ao descrever a formação das associações secretas, também nos deixou um roteiro da geografia conspirativa da cidade, indicando-nos os locais de reunião e os respectivos bairros. Assim, moviam-se por Sete Rios, por Campo de Ourique (numa pedreira), pela Rua dos Bacalhoeiros (num armazém), na Rua do Salitre (casa particular), no Bairro Andrade (casa desabitada), no Largo de Silva e Albuquerque (andar desabitado), na Rua do Arco da Graça (num subterrâneo), em Alcântara, em São Bento (escola liberal), Estrela, Largo do Carmo (oficina), Rua do Vale de Santo António, Rua Cruz de Poiais (subterrâneo de loja de trapeiro), Pátio do Tejolo (carvoaria), Rua Maria Pia (casa particular), Rua do Alecrim (choça carbonária), Rua da Rosa (choça carbonária) e um consultório na Rua do Loreto. Por seu turno, os carbonário anarquistas-intervencionistas escolhiam para locais de iniciação sítios ao ar livre, solitários, ermos e ruínas e mesmo no Cemitério dos Prazeres. A geografia dos grupos carbonários diz-nos da sua composição e da vida da cidade. Há grupos em Alcântara, S. Vicente, Escolas Gerais, Campo dos Mártires da Pátria, Arroios, Belém, Ajuda, Xabregas, Beato, Poço do Bispo e Cabo Ruivo.

      

377 Ibidem.

378 Vice-Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU).