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O uso dos tempos verbais em Tempo de Mercês "[ ] notre recherche sur la problématique du temps

3.6. Outros tempos verbais

Muito embora a configuração temporal do conto assente basilarmente nos tempos anteriormente analisados — com maior incidência do pretérito imperfeito, pretérito

perfeito smples e presente — não é despiciendo o contributo de alguns outros que

convergem precisamente numa construção temporal precisa e intensa. Weinrich congrega estas formas verbais — conjuntivo, infinitivo, condicional e gerúndio — num grupo de tempos que denomina "semi-finis" que caracteriza como sendo "desformes d'économie de la langue". De uma forma mais ampla, Weinrich explica que são verbos directamente dependentes do contexto linguístico: "[...] se trouvent-elles [formes verbales] renvoyées vers d'autres sources d'information, que les complètent; en général, vers le contexte linguistique, et surtout vers un autre verbe donnant un éclairage syntaxique complet sur la situation. On peut estimer alors que celui-ci est prépondérant, et le verbe semi-fini dépendant, puisque le second est tributaire des indications que fournit le premier quant à la situation de locution". (Weinrich, (1964),1973:287). Dada a sua natural dependência contextual são verbos que figuram no plano secundário da diegese.

3.6.1. O gerúndio e o infinitivo ilustram a simplicidade que a forma temporal pode assumir e enformam uma temporalidade relativa "[...] c'est-à-dire de subordination, comme il est naturel quand il s'agit de formes nominales, qui, avant d'être centre de proposition, sont éléments constitutifs (et donc subordonnés) d'une surphrase verbale dont un autre verbe est le centre." (Imbs, 1968:151).

O gerúndio veicula uma acção em progresso "[...] son aspect est toujours celui de l'inaccompli (d'où la possibilité pour lui d'exprimer une idée de progression indéfinie)" (Imbs, 1968:157), dando-nos conta de vivências — do passado e do presente — durativamente sentidas:

"Durante essa noite de insónia, também pensou muito na Mercês de outros tempos e na actual. [...] Agora já recordava com dificuldade a outra, como se esta lhe houvesse apagado a imagem luminosa, salpicando-a toda de mediocridade, mergulhando-a em frases e ideias feitas, para uso doméstico e utilitário." (p.71);

"Vamos evoluindo lentamente por dentro" (p.81);

"[...] esse quintal fora jardim, com canteiros de flores cheirosas, mas que depois, a pouco e pouco, tão lentamente como a ansiedade se fora apossando dos olhos da mãe, se deixara invadir por ervas daninhas ou desnecessárias." (p.44);

"Todos vamos ficando diferentes, e vinte e cinco anos é uma vida" (p.49). "Agora vinha noutro comboio, ou talvez no mesmo mas em sentido inverso,

abandonando para todo o sempre, decerto, árvores, casas e estações." (p.76).

O infinitivo é tido como forma neutra, caracterizado por uma "[...] infinie souplesse temporelle [...] qui dérive naturellement de son indétermination temporelle. Sa valeur temporelle est toujours coextensive de celle du verbe de la phrase dans laquelle il figure [et] reste une valeur d'emprunt" (Imbs, 1968:154). No entanto, há que sublinhar a existência de uma variante estilística, de utilização exclusivamente literária, denominada "infinitif dit de narration" que confere ao texto uma intensidade notória, uma acentuada inclinação afectiva, decorrente de um efeito de "[...] vivacité temporelle dans un contexte déjà

fortement expressif [...] le processus verbal étant présenté dans toute sa nudité" (Imbs, 1968:156). Creio que no caso do conto em estudo, este emprego do infinitivo é significativo na medida em que reforça elos de tempo, unindo cesuras entre planos temporais superando, assim, a mera representação de "[...] un tour de force de synthèse stylistique" como o caracteriza Imbs (1968:156), estando encarnado, sobretudo, em verbos de afecto e verbos psicológicos26.

O infinitivo exprime o processo verbal em potência e opera um certo distanciamento, numa tentativa de neutra e objectivamente espelhar o real:

"[...] não convinha deteriorar a casa mais do que ela já estava" (p.28);

"Ele, no entanto, precisava com urgência de dinheiro, era um caso de vida ou de morte [...] porque podem ser necessários uns contos de réis para alguém

morrer um pouco feliz" (p.47);

"Não falar nisso, não pensar sequer em tal saber simplesmente que a casa existia e era sua." (p.45).

Paralelamente, pode também reforçar uma imagem de virtualidade:

"A mãe lamentava-se com aquela sua voz plangente, aquele sorriso amargo, que, sem saber porquê, o dispunham mal, o acusavam do que quer que fosse, talvez de existir" (p.19);

"[...] talvez seja preferível demolir e fazer uma casa nova. [...] o seu pensamento não estava ali, detivera-se numa palavra que já dantes ouvira mas na qual não tinha atentado, que somente agora lhe fizera sinal. Demolir, tinha dito Osório." (p.46);

"[...] e pensou em Alberta que se preparava para descer da sua árvore pessoal [...] depois de realizar um sonho de menina" (p.117).

3.6.2. A ocorrência em Tempo de Mercês do condicional e do conjuntivo {presente e

pretérito imperfeito, na maioria) actuam de parceria na partilha de uma mesma ordem

semântica, a saber: enformam expressões/atitudes de inquietação das personagens perante a vida e perante si mesmas:

"Viu-se ao espelho com atenção, apalpando o rosto num hábito que tinha e que fazia Alberta sorrir. Como se procurasse através do visível, o invisível" (p.15); "«Eu tenho o meu [chão] se precisar dele [...] Está fechado e vazio à minha espera." (p.45);

"[...] Mateus Silva, hesitava sempre um pouco antes de construir certezas sobre hipóteses. O que não impedia que as construísse para uso póprio, até ver." (p.64).

São igualmente empregues na equação de interrogações, exclamações e/ou hesitações:

"A sua companhia era sem importância [...] a de Jorge talvez também o fosse. Possuíam, no entanto a força da actualidade, da realidade, e por isso ambos acenaram de longe, com as mãos bem abertas. De resto, pensando bem,

lembrar-se-ia dele, o Jorge ?" (p.37),

"Julguei que não tivesse quartos interiores. Disseram-me ..." (p.40); "«Como isto está !», gemeu Osório como se sofresse" (p.44);

"«Talvez eu não saiba gritar como deve ser, que lhe parece ?»" (p.119).

Denotam, por outro lado, uma suspensão do tempo. Uma quase fatalidade que aponta para momentos de antecipação de gestos conhecidos do passado e que de antemão se sabe irão irremediavelmente repetir-se no presente e até no futuro imediato:

"Tudo mudou, menos talvez os olhos [...] e, no entanto, podemos reconhecê-lo à primeira vista mesmo que não estivéssemos à sua espera" (p.32);

"Não há olhares, não há recordações que rompam a carapaça da sua dignidade recente mas forte." (p.127);

"Não exigiu que o acompanhasse, que deixasse o meu marido e o meu filho, a minha casa, que pegasse no meu escândalo, para ir com ele" (p.65);

"[...] desenhou uma curva [...] que lhe permitisse passar a uma distância bastante para que o seu olhar em frente a não apanhasse no seu ângulo." (p.95-

96);

"Parecia-lhe que devia ser para o lado direito, mas seria mesmo para esse lado ? [...] Se seguisse pela rua fora até encontrar a primeira transversal e depois

voltasse à esquerda, seguindo para o lado oposto ao mar, talvez conseguisse

orientar-se" (p.17);

"[...] e pôs-se a caminhar lentamente, como se não tivesse, por sua vez, horas nem problemas, como se se deixasse flutuar, como dantes, nas águas serenas do manso mar domesticado e inodoro" (p. 17-8);

"[...] como se ser vulgar fosse o seu objectivo" (p.114);

"[...] creio que ela não saberia em que gastar o tempo se não tivesse chapéus para fazer" (p.126);

"[...] «mesmo que soubesse fingiria ignorá-lo, é o seu género" (p. 121).

A informação temporal veiculada pelas formas do conjuntivo manifesta uma especificidade própria — "[...] limitar la validez dei discurso" (Weinrich (1964), 1974:186) — e que decorre da sua feição de incompletude, pois dependem de outras formas verbais presentes no co-texto. No entanto, como adverte Martin (1971:105) "L'emploi du subjonctif obéit à des tendances beaucoup plus qu'à des règles, et, ainsi, les conceptions rigides se vouent elles-mêmes à l'échec".

O emprego do conjuntivo neste conto está plenamente relacionado com a elucubração de conjecturas/simulações, com a expressão de uma temporalidade ramificada no sentido do potencial e do irreal27 — a construção de mundos possíveis28 —

comprovadas na utilização de "se" e "talvez" 29 que sublinhei nos exemplos aduzidos.

27 Sten (1973:226) a propósito deste modo afirma que "[...] il y a évasion du réel".

28 Para Martin (1971:110) "[...] le subjonctif est le mode qui marque l'appartenance [...] aux mondes

possibles m ".

29 Como afirma F.I. Fonseca (1994:143) "O acesso a esse [mundo] real não segue predominantemente a via

única e linear da afirmação e da negação, mas os caminhos ondulantes e ramificados da dúvida, da hipótese, da alternativa".

O condicional transporta a indicação de não-realização30, a impressão do não

vivido "[...] un caractère de réalité moindre" (Guillaume, (1948-1949), 1971:56) ou melhor ainda "Le conditionnel reste [...] indéfiniment dans une époque qui n'est ni un présent proprement dit ni un futur, mais une indivision de ces deux temps infiniment extensible et non achevable." (Guillaume, (1948-1949), 1971:57). Este tempo verbal opera também uma desancoragem fictiva, o que nos leva a crer que efectua uma translação temporal, isto é, possibilita a construção de uma representação autónoma, análoga à real, mas sob um modo fictivo31.

"Estava todo torcido, poderia alguma vez sair daquela fresta ?" (p.43);

"«Mas que desgraça em que tudo isto está! Meu Deus ! Para a tornar habitável

seria necessário...» (p.46);

"Quem seria a Natália ? Uma filha tardia ? pensou Mateus" (p.47);

"Mas seria mesmo alto e louro assim seu pai [...] Seria assim seu pai ? Ou

seria um homem vulgar [...] ?" (p.124).